quinta-feira, 27 de maio de 2010

“VIVER EU QUERO. CONVIVER É PRECISO!”

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Se você está com pressa

não inicie a leitura deste texto

Só com tempo e tranqüilidade

Você compreenderá suas mensagens

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“Teus filhos não são teus filhos.
São filhos e filhas da Vida, anelando por si própria.
Vêm através de ti, mas não de ti,
E embora estejam contigo, a ti não pertencem.
Podes dar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos,
Pois que eles têm seus pensamento próprios.
Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas,
Pois que suas almas residem na casa do amanhã,
Que não podes visitar sequer em sonhos.
Podes esforçar-te por te parecer com eles,
Mas não procures fazê-los semelhantes a ti,
Pois a vida não recua, e não se retarda no ontem.
Tu és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas,
São disparados.
...................................................
Que a tua inclinação, na mão do arqueiro,
Seja para a alegria”


Kahlil Gibran

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Sobre o Trabalho

A minha intenção, ao escrever este trabalho, foi a de transmitir de forma a mais simples possível, noções e conhecimentos básicos sobre o Comportamento Humano. Sei que dele derivam todos os fatos e conseqüências que afligem, alegram, entristecem e estimulam a vida das pessoas. Dele podem se originar também as doenças mentais, nervosas e psicossomáticas. Os gestos e atitudes mais nobres e construtivas, assim como os atos mais perversos e destrutivos possuem sempre a mesma origem - o comportamento.

Tive o cuidado de não usar muitos termos técnicos complicados e de não utilizar uma linguagem acadêmica pesada. Passar para o leitor do cotidiano noções de Psiquiatria, Psicanálise, Antropologia, Sociologia, etc., eu sei que não é uma tarefa fácil. Mesmo assim ousei fazê-lo. Se atingir os objetivos a que me propus - a compreensão e o emprego desses conhecimentos no dia-a-dia - terei cumprido a minha missão.

O principal motivo que me incentivou foi a certeza de acreditar que todas as pessoas possuem a capacidade inata de serem “terapeutas auxiliares”, isto é, educadores naturais dos seus próprios filhos, alunos e parentes.
Nunca compreendi bem a necessidade de terapeutas numa sociedade desenvolvida, mesmo eu sendo um terapeuta. Acho injusta e incoerente a restrição desses conhecimentos e dessa função a um reduzido grupo que, como eu, detém as informações e o poder e se mantêm dentro do espaço fechado dos títulos e da linguagem científica. Não vejo razões para manter essa atitude.

Para mim, todas as pessoas nascem com um conhecimento intuitivo capaz de ser desenvolvido para diferentes funções. Quais as vantagens de se delegar para terceiros as funções essenciais de educar, formar e amar os próprios filhos ?
Se a sociedade progrediu e se as Ciências evoluíram e não conseguiram tornar disponíveis, na prática, para qualquer cidadão ou cidadã, o tempo necessário para a convivência e os conhecimentos básicos para lhe proporcionar qualidade, não entendo essa evolução.

O mito que se propala, de que é necessário ter um diploma para exercer e reproduzir as bases da convivência, não tem fundamento nem sentido para mim. Qualquer indivíduo, com noções preliminares sobre as questões do comportamento, pode e deve exercitá-las dentro e fora da sua família.

Quando comecei a escrever este trabalho, já havia testado em diferentes lugares e com diferentes pessoas essa possibilidade de atuação. Sempre acreditei na ação preventiva e natural sobre o desenvolvimento normal da personalidade das crianças e jovens e sobre os distúrbios emocionais decorrentes dessas fases da vida.
O conhecimento e o emprego dos modelos e técnicas simples utilizados neste treinamento, possibilitam a abordagem e a prevenção dos desvios que possam ocorrer nesses períodos importantes da evolução do psiquismo.

Há alguns anos venho empregando satisfatoriamente essa metodologia e posso afirmar que a colaboração de pessoas treinadas por mim, foi uma ferramenta auxiliar poderosa para enriquecer meu trabalho solitário e para compreender e ajudar outras pessoas.

Um trabalho preventivo sério no campo da saúde mental não pode prescindir do auxílio e da presença da Família e da Escola para se atingir um objetivo comum - Viver e Conviver bem !

Luiz Gonzaga de Freitas Filho





VELHOS CONCEITOS SOBRE CÉREBRO, MENTE E COMPORTAMENTO
POR QUE CHAMAMOS AS ALTERAÇÕES DO COMPORTAMENTO DE DOENÇAS MENTAIS ?

No início da história humana não eram conhecidas as relações íntimas entre Cérebro, Mente e Comportamento. Acreditava-se que havia uma alma ou espírito que se localizava dentro do corpo, mas não se sabia de onde vinham os sentimentos, princípios, valores, emoções e o que gerava o comportamento. Estas questões eram da alçada dos sacerdotes, magos, adivinhos, bruxos e charlatães.

A história da humanidade acontece por ciclos e se transforma com o tempo. A longa história das ciências do comportamento se perde nos séculos e se confunde com o misticismo e com a religião. Vem desde as práticas rituais do homem primitivo até os dias de hoje.

Nenhuma religião será capaz de operar com precisão para o esclarecimento dos fenômenos naturais. Nenhuma ciência será capaz de desvendar os caminhos espirituais. O homem sempre sentirá necessidade de satisfazer sua curiosidade e de expressar sua religiosidade.

A execução dessas práticas sobre o comportamento passou para o campo da medicina por volta do século XVI quando se iniciou a Era Científica. O estudo do comportamento e de suas alterações inaugurou o aparecimento da Neurologia e da Psiquiatria.

Psiquiatras da época davam muita importância ao estudo do Sistema Nervoso Central (cérebro e medula), ficando a Neurologia como o centro das pesquisas do comportamento. Cérebro, mente e comportamento eram praticamente sinônimos.



A Medicina Assírio-Babilonica


Entre palácios majestosos da faustosa cidade de Babilônia, a presença de mendigos nas esquinas e praças não representava apenas a pobreza da plebe miserável, mas principalmente o maior de seus infortúnios: absoluta falta de médicos. Pelo menos é o que conta o historiador grego Heródoto, que viveu na Babilônia durante certo tempo. Verdade ? Não. Como em tantas outras passagens de narrativas de suas viagens, faltou aqui a Heródoto certo senso de observação, se é que realmente viveu na Babilônia como diz. A existência de médicos e cirurgiões (que se distinguiam do médico, como no Egito, e ocupavam posição socialmente inferior) é indiscutivelmente assinalada por documentos da Babilônia. O próprio código de Hamurabi, terrível estatuto penal da época faz referências específicas sobre os direitos e deveres do cirurgião:

“Se um médico realizou uma grave operação com a faca de bronze sobre o corpo de um nobre nu e lhe salvou a vida, ou se abriu com a faca de bronze o abcesso de um olho de um senhor, e lhe salvou o olho, receberá como recompensa dez siclos de prata.”

“Se se trata, porém, de um cidadão qualquer, a recompensa será de cinco siclos de prata.”
“Se se trata do escravo de um senhor, o patrão do escravo pagará ao médico dois siclos de prata.”

“Se um médico realizou uma grave operação com a faca de bronze sobre o corpo de um nobre e lhe causou a morte, ou se abriu um abscesso do olho de um nobre e lhe causou a perda do olho, ser-lhe-á cortada a mão.”
“Se um médico realizou uma grave operação sobre o corpo de um escravo de um cidadão qualquer usando a faca de bronze e fez morrer o escravo, dará escravo por escravo.”

“Se abriu com a faca de bronze um abscesso num olho e causou a perda do olho, pagará em prata metade do valor do escravo.”

“Se um médico ajustou um osso quebrado de um nobre, ou curou um tendão distendido, o doente pagará cinco siclos de prata ao médico.”

“Se se trata de um escravo ou de um senhor, o patrão pagará ao médico dois siclos de prata.”

Ser médico na Babilônia de 2 000 anos atrás, portanto, era exercer uma profissão cheia de perigos e imprevistos. Mas o código de Hamurabi não trata apenas da pessoa do médico, ao falar de medicina:

“Se um homem bate em uma mulher livre em estado de gravidez e a faz abortar, pagará dez siclos de prata pelo feto.”

“Se a mulher morrer, se dará morte a filha do agressor.”

“Se um homem confiou sua criança a uma ama de leite e a criança morre nas mãos dela, e depois a ama, sem a permissão do pai ou da mãe, toma outra cria para aleitar, será levada ao tribunal e condenada a cortar as mamas.”

Embora Hamurabi pareça exceder os limites de um bom senso, às vezes, é preciso notar que parte dos dispositivos de seu código provavelmente se baseava em costumes babilônios muito antigos, que Hamurabi meramente codificou.

Médicos-Sacerdotes

Mas, embora o código de Hamurabi seja generoso nas informações que presta sobre os cirurgiões de sua época, pouco fala sobre os médicos especializados em medicina interna. As informações disponíveis em outros documentos babilônios não bastam para fornecer quadro preciso das atividades desses médicos, mas ainda assim é possível coletar alguns dados nas tabuinhas de escrita cuneiforme.

Nesses documentos, é possível comprovar-se por dedução a existência de médicos, principalmente pela presença de receitas de medicamentos baseados quase sempre nos mesmos ingredientes que aparecem em receitas egípcias.

Como explicar-se a falta de referências a esses médicos no minucioso código de Hamurabi, então ? A resposta é uma suposição. Provavelmente o médico se identificava com o sacerdote ou talvez a medicina fosse apenas uma das atribuições do sacerdote. Dados os privilégios dos sacerdotes, estaria explicada assim a omissão num sistema jurídico destinado a disciplinar a conduta de nobres e cidadãos comuns. Entre estes, podem-se incluir os cirurgiões, mas não os médicos, numa distinção muito semelhante à que viria a existir entre médicos e cirurgiões-barbeiros na Europa medieval e renascentista.

Embora muitas vezes se valesse de recursos farmacológicos, o médico-sacerdote babilônio nunca omitia o ingrediente místico do medicamento. O paciente não poderia pensar, portanto, que estivesse sendo curado pelas propriedades medicinais das ervas e das outras substâncias empregadas no preparo de remédios. O remédio era apenas um agente do poder divino, que só o sacerdote podia aplicar na cura do mal.

Castigo Dos Deuses

Uma concepção religiosa básica dos babilônios era a de que as moléstias, de modo geral, exprimiam o castigo do deus Samas, que presidia a Justiça. Não é muito surpreendente, se se considerar que durante muito tempo idéia semelhante foi adotada oficialmente pelos cristãos, muitos séculos depois. Naturalmente, era difícil aos babilônios compreender porque os acometiam certas epidemias. E a resposta a isso só podia ser dada pelos sacerdotes. Para saber do que se tratava e qual o deus a que particularmente se deveriam dirigir as preces e os sacrifícios, os sacerdotes examinavam as vísceras de animais sacrificados, especialmente o fígado. Atlas mágicos do fígado, com subdivisões inscritas, eram elaborados em modelos de metal ou terracota, como o fariam os etruscos muito tempo depois.

Terapêutica

Naturalmente, nem sempre terminava nesse “diagnóstico” a intervenção do sacerdote-médico. Certos casos podiam ser tratados com medicamentos empíricos. As tabuinhas babilônicas citam pelo menos 250 ervas de propriedades medicinais, além de umas 120 substâncias minerais capazes de curar certas enfermidades. Tudo isso era ministrado na forma de infusões, cataplasmas, linimentos, inalações ou clisters.

Entre as substâncias mais usadas sobressaem: beladona, aniz, aloés, cardamono, cássia, óleo de rícino, meimendro, gengibre, hortelã, romã e papoula. Mas a farmacopéia incluía também certos “medicamentos” de eficácia nula ou até contraproducente, pelo mero preconceito religioso ou por crendices sem fundamento: leite, óleo de caranguejo, chifres de veado, tudo isso entrava às vezes na composição de medicamentos a que se atribuíam as mais diversas e numerosas indicações.

Os documentos não são muito esclarecedores no tocante à eficácia dos medicamentos utilizados. Geralmente, as tabuinhas dão os sintomas da doença, com ou sem o respectivo nome e, no máximo, o tratamento prescrito. Exemplos:

“Se um come e se satura, e se, em seguida a isso tem dores de estômago e as vísceras inflamadas, e sofre de cólicas, esta moléstia se chama museniku.”
Ou então:
“Se o estômago está tenso e ao mesmo tempo se verificam contrações nos músculos, náuseas, então tome-se...” e segue a receita.

Apesar da comparativa pobreza de conhecimentos em relação ao médico egípcio, o médico-sacerdote da Babilônia desfrutava “status” muito superior em matéria de prestígio e posição social.

Mesmo os trajes do cirurgião eram luxuosos e em sua caixa de instrumentos figuravam iniciais artisticamente trabalhadas. Esse prestígio, de que a classe desfruta até hoje, embora por motivos mais esclarecidos, deriva certamente do temor atávico da morte, da eterna visão de cura e longevidade que vive pregada no olho do homem e que torna o médico um símbolo vivo de algo muito desejado, algo que, com complacência e ajuda, talvez se possa alcançar.

Comportamento e Doença

Desde muitos anos as alterações do comportamento humano são chamadas de “doenças” por quase todas as pessoas. Na área médica é comum a utilização do CID (Código Internacional de Doenças) para classificar e ordenar o uso prático dessas alterações. Ao lado disso costuma-se separar a doença física da doença mental, ficando esta última cercada de uma aura de mistério e preconceitos ligados ao mundo do sobrenatural. As palavras “comportamento” e “doença” sempre foram confundidas pela maioria das pessoas. Vejamos como os dicionários e enciclopédias apresentam o significado dessas palavras:

doença
[Do lat. dolentia.] f.
Falta ou perturbação da saúde; moléstia, mal, enfermidade.
Fig. Tarefa difícil, laboriosa.
Fig. Mania, vício, defeito: Sua paixão pela música é uma doença.
Bras., MG. Parto (1 e 2).
Comportamento m.
Maneira de se comportar; procedimento, conduta.
Conjunto de atitudes e reações do indivíduo em face do meio social.

doença
f. 1. Falta ou perturbação de saúde; enfermidade, moléstia. 2. Alterações patológicas das plantas. 3. Tarefa laboriosa ou difícil.
Comportamento
m. 1. Maneira de se comportar; procedimento. 2. Psicologia: Conjunto constituído pelas reações do indivíduo aos estímulos.

doença
Distúrbio ou desvio do estado fisiológico ou de funcionamento normal dos órgãos, aparelhos e sistemas orgânicos. No passado, era considerada um castigo divino. Certas doenças, sobretudo as mentais, como a demência e a idiotia, eram atribuídas aos maus espíritos.
Comportamento
Os psicólogos de hoje dão um significado mais amplo ao termo comportamento, incluindo nele tanto as reações globais do organismo como as maneiras de agir que têm uma significação. Por exemplo, o movimento de um único músculo do antebraço não seria considerado comportamento porque ali atuou apenas uma parcela do organismo. Por outro lado, o andar, o estender a mão já seriam comportamento porque, nesses casos, o organismo intervém como um todo.

doença
[Do lat. dolentia.] f.
Alteração na saúde; falta de saúde; moléstia, mal, enfermidade; desarranjo no organismo; alteração ou perturbação nas funções orgânicas; inconveniente, mal; vício, defeito; mania, paixão, etc.
Fig. Coisa que enfraquece ou perturba o espírito, a inteligência.
Comportamento m.
Modo de se comportar ou de proceder; procedimento, conduta.

A razão dessa confusão começa na pré-história e se continua na antigüidade, onde as alterações físicas (doenças) e do comportamento (loucura) eram atribuídas aos “espíritos malignos” e/ou aos deuses dessas sociedades. Situam-se, portanto, no período pré-científico da humanidade. Nessas épocas eram os sacerdotes, os monges, os adivinhos, curandeiros, bruxos e mágicos que cuidavam das alterações físicas e mentais que ocorriam no corpo e no comportamento dos indivíduos.

Até hoje permanecem esses vínculos no inconsciente coletivo dos povos modernos, abrangendo as pessoas muito ou pouco intelectualizadas, através de diferentes rituais mágico-místico-esotéricos.

Agora compreendemos porque algumas religiões, seitas ou igrejas organizadas se propõem a curar alterações físicas e mentais, nos cultos e pela televisão, através da promessa da “cura divina”, quase sempre envolvendo muito dinheiro.

A confusão também se explica porque, no início da fase científica, os médicos da época aprenderam a classificar primeiro as doenças físicas atribuindo-lhes nomes e agrupando seus sintomas em quadros clínicos e síndromes. Resolveram também agrupar as alterações do comportamento - que chamaram de “doenças mentais” - sob os mesmos parâmetros, julgando-as iguais às doenças físicas, igualando assim origens físicas com origens subjetivas (não-físicas).

Sabe-se hoje que não podemos consertar os defeitos do corpo de um computador do mesmo jeito que consertamos seus programas, pois cada coisa tem uma origem diferente. O mesmo acontece entre o corpo humano (máquina) e o psiquismo ou mente (conjunto de programas).

São situações diferentes, requerendo processos de abordagem diferentes. Portanto, a molécula química de um remédio ou outro qualquer método físico ou químico não pode mudar a natureza ou caráter de um sentimento, princípio, valor, experiência, talento, habilidade ou aprendizagem. As energias tensionais ou atributos não-físicos da mente não obedecem aos mesmos processos utilizados para lidar com a parte física do corpo, daí o fato de parecerem misteriosas.


A Construção do Cérebro
Cientistas mostram que as experiências durante a infância alimentam os circuitos nervosos e determinam o futuro da inteligência.
Retirado da revista Veja (Editora Abril)

(...)Pesquisadores de diversas partes do mundo estão descobrindo que há etapas definidas para o desenvolvimento do cérebro das crianças, e informam que a inteligência, a sensibilidade e a linguagem podem e devem ser aprimoradas na escola, no clube e, especialmente, dentro de casa. E maior surpresa: o gosto pela ciência, pela arte e pelas línguas ocorre muito mais cedo do que se imaginava.
Em 1 quilo e 500 gramas de cérebro, a massa encefálica de um adulto, 100 bilhões de células nervosas estão em atividade. Cada uma liga-se a milhares de outras em mais de 100 trilhões de conexões. A trama é precisa e delicada. Graças a ela, o homem pensa, raciocina, lembra. Enxerga, ouve, aprende. Emociona-se. Essa teia, porém, não vem pronta e acabada. Os 400 gramas de massa cinzenta de um recém-nascido guardam os neurônios de toda uma vida. As conexões, entretanto, ainda não estão totalmente desenvolvidas. E elas não são etéreas, imateriais. A diferença de peso entre o cérebro de um adulto e o de um bebê vem exatamente desse fato. As fibras nervosas capazes de ativar o cérebro têm de ser construídas, e o são pelas exigências, pelos desafios e estímulos a que uma criança é submetida, a maior parte entre o nascimento e os 4 anos de idade.
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O MITO DA LOUCURA

Não existe Loucura e não há Doença Mental. Esses conceitos, tal como os conhecemos hoje, foram criados pela civilização (ou domesticação) do homem da sociedade ocidental.

Há vários casos de cura da “esquizofrenia” e outros processos mentais que já haviam recebido um veredicto implacável com base em atestados de médicos psiquiatras e outros especialistas.

Os medicamentos psiquiátricos, tranqüilizantes, ansiolíticos e antidepressivos, quando empregados visando a cura das alterações do comportamento, não só impedem o funcionamento normal da mente, como rotulam e fazem com que o usuário acredite que é mesmo um doente; sua família também acredita e passa a discriminá-lo tratando-o com dó, vergonha ou irritação. Freqüentemente é escondido ou internado porque sua presença torna-se incômoda e pode representar “um defeito de família”, publicamente visível e negado, criticado e repudiado pela maioria das pessoas de casa e da rua.

As medicações utilizadas para os estados nervosos e mentais apenas auxiliam, no sentido de estabilizar a fisiologia do psiquismo. Não curam porque não conseguem atuar sobre as causas geradoras - extra-físicas e extra-químicas do mundo inconsciente - que são as emoções, a aprendizagem, os sentimentos, os princípios , os valores, etc. Esses atributos são imateriais e não são atingidos nem se combinam com moléculas de substâncias químicas, como é o caso dos remédios.

Não se modificam porque derivam da experiência afetiva individual e são armazenados no cérebro (de forma semelhante como são armazenados os arquivos de “softwares” num computador) não em forma de moléculas, mas em forma de dados ainda pouco compreendidos por nós.

Nossas experiências subjetivas são como arquivos complexos guardados em nossa memória em forma de energia.

Se para as alterações do corpo escolhemos o termo “doença” - que dá idéia de lesão física - para as alterações do comportamento esse termo não se ajusta e torna-se inadequado.
Se dizemos que uma pessoa é portadora de uma doença transmissível significa que ela possui um vírus, bactéria ou outro microrganismo residente no seu corpo e que pode ser transmitido para outras pessoas.

Nas alterações do comportamento (comportamento reativo) não há nada físico provocando as alterações e nem podem ser transmitidas fisicamente. Na verdade é o comportamento tido como normal, que pode gerar comportamentos reativos.

Voltemos a ação dos remédios.
Após provocarem uma estabilização provisória, os remédios passam a ser desnecessários e, na maioria das vezes, prejudiciais à recomposição do equilíbrio psíquico. Seu emprego prolongado promove a dependência física e psicológica, descaracterizando os núcleos saudáveis da personalidade. Dificultam o contato afetivo interpessoal, deixando a pessoa com a afetividade bloqueada, a psicomotricidade alterada e em estado de para-realidade. Um verdadeiro isolamento químico entre a pessoa, sua família e o mundo social. Uma prisão ?

A pessoa que toma durante muito tempo medicações psiquiátricas se julga diferente das outras pessoas e acredita que tem u’a marca que não se apagará jamais.

Há quem diga que o progresso da farmacologia e os próximos avanços na descoberta de novas drogas que atuam no psiquismo humano levarão o homem a encontrar soluções adequadas para uma futura convivência harmoniosa entre si. Não é isso que tem ocorrido na prática ao longo de mais de um século.

Em vários casos não é necessário utilizar qualquer medicação para alcançar sua recuperação total ou parcial. Mesmo os casos considerados “mais graves”.

Os membros da família são mais importantes do que os remédios para o restabelecimento e a reintrodução do doente nervoso ou mental no mundo dos “normais”. É com pessoas que, portadores de alterações do comportamento, interagem e não com remédios.

O grande temor das pessoas em relação ao mito da loucura está em grande parte associado ao medo que têm de serem discriminadas, abandonadas e segregadas pela família e pela sociedade, assim como tem sido feito, há muitos séculos, com o “louco, alienado ou doente mental”. É uma vergonha e um perigo ficar louco.

O rótulo de “doente” aumenta o desejo dessa pessoa de afastar-se cada vez mais da realidade, de fugir, de regredir para situações mais protetoras da fase infantil preexistente no seu mundo inconsciente. Cresce nela uma forte necessidade de construir um mundo próprio, protegido e exclusivo, onde possa isentar-se das responsabilidades e atribuições da vida adulta e aumenta a vontade de tornar-se dependente e gerenciada pela família, pelos médicos, pelos remédios e pelos manicômios. Uma delegação completa do seu direito de construir e dirigir a própria vida.

Os problemas da família e da sociedade estão sempre à procura de um culpado - um “bode expiatório” - no qual possam ser depositadas as falhas, os defeitos e os males da vida em comum.

Quando alguém “adoece” mentalmente, assina um “acordo de cessão de direitos”. Um acordo injusto e unilateral onde o “doente” agride seus opressores “normais(?)” e se agride a si próprio por detrás da máscara da doença que o exime de culpa e, ao mesmo tempo, lhe deixa em situação de desvantagem para se expressar clara e plenamente. É um “faz-de-conta” onde tudo se perdoa e se desforra com a camuflagem protetora da doença. Uma forma indireta e confusa de denúncia e desabafo.

O “doente mental” ou “nervoso” é um depositário inconsciente e reativo que “concordou” em representar a loucura de todos em troca de proteção. A “proteção” dada pela família exige que “o doente” represente este papel para que o acordo se mantenha em equilíbrio; para que ninguém necessite questionar-se individualmente sobre seus próprios medos de ficar louco, sobre sua sanidade, já que o louco encontra-se presente e visível. A “loucura” contida naquele indivíduo origina duas posturas básicas nos outros membros da família:

 Retirar imediatamente aquela condição ameaçadora e perigosa do “doente-parente”.
 Afastá-lo para bem longe com medo de contaminar-se.

No primeiro caso, a medicação entre nessa estória como o pretenso elemento salvador e moderno que expulsaria de forma rápida e eficaz os demônios da loucura; uma tentativa de solução imediata para aliviar a ansiedade , os medos e os preconceitos que essa situação normalmente gera nas pessoas.

No segundo caso, o desejo de interná-lo num lugar bem longe e seguro onde não consiga , com sua presença, contaminar as outras pessoas, ou seja, lembrar-lhes que têm parte neste acordo.

É comum perguntar se a hereditariedade não seria responsável pelo surgimento deste novo caso na família, já que outros antecedentes existem, como se fosse possível os conflitos de natureza emocional se transmitirem através de genes.

É possível sim transmitir geneticamente características biológicas do indivíduo para seus descendentes. Fica a pergunta: É possível igualmente transmitir geneticamente características psicológicas e de aprendizagem ? Não é possível enquanto as pesquisas sérias não se manifestarem e provarem.

O medo da loucura está, de certa forma, vinculado aos temores do homem primitivo. Os trovões, os raios, o escuro, as entidades espirituais malignas que promovem a morte e a destruição, enfim, o elemento desconhecido e misterioso que atemoriza e apavora.

O peso da improdutividade e do prejuízo material e moral que o “doente” proporciona à sua família, assusta, irrita e promove o afastamento e a rejeição. Dó, vergonha, culpa, irritação e rejeição são, entre outros, sentimentos que a família experimenta.
O que se chama de loucura é apenas o resultado de comportamentos reativos que possuem uma estória psicocultural de inadaptação do psiquismo individual. Começando a trabalhar com o “doente” e com sua família em conjunto, é possível resgatar os retalhos dessa estória para todos poderem compreender melhor essas misteriosas manifestações reativas.
Comparando, é como se o cérebro fosse um computador e a loucura, um conjunto de arquivos ou programas que estão desorganizados no cérebro. O resultado é um comportamento reativo, misterioso e incompreensível até certo momento, mas que poderá ser reordenado e compreendido se todos trabalharem no sentido de juntar seus pedaços e recompô-lo. Isso significa a cura.
Nesses casos, o terapeuta torna-se membro de um grupo de trabalho que, junto com o grupo familiar, trabalha para compreender as alterações do comportamento, condição indispensável para desvendar os mistérios da loucura.

Nesse método todo terapeuta é um membro cuja função é traduzir os comportamentos reativos e servir de interlocutor entre o “doente” e seu grupo familiar até que se consiga restabelecer um novo acordo, acordo que podemos chamar de Reinstalação da Sintonia Familiar, uma espécie de “religação dos contatos saudáveis” entre o grupo e o “doente”.

Nesta sociedade que teimamos em chamar de civilizada, o mesmo fenômeno reativo ocorre no plano social. Há grupos de pessoas, desligados uns dos outros (como o “doente” da sua família), tirando proveito das situações de desespero uns dos outros.

Esses grupos não gostariam que o “acordo da doença” se resolvesse porque a doença gera lucros; quanto mais a doença se prolonga, mais lucros pode gerar. E quem disse que não vivemos na sociedade do lucro e do dinheiro...? Na verdade a manutenção da “doença mental” é a matéria-prima indispensável para obter lucro, “status” e sucesso para muitos profissionais e organizações que “cuidam” dessa área. Talvez seja por essa razão que, na maioria dos países, a prevenção à saúde mental não tenha conseguido sair das tentativas e dos projetos teóricos; talvez a mídia não a veja como assunto que “dê Ibope”; talvez não tenha importância política e os dirigentes a escondam, assim como os membros da família também escondem o seu “doente”. Seria vergonhoso para uma nação admitir que um grande percentual da sua população necessita “reorganizar a sua cabeça” ? Deixaria de ser considerado um país forte, de primeiro mundo ?

O setor da indústria farmacêutica ligado a medicamentos da área mental, salvo engano, é o mais próspero e o que mais vende na atualidade. Hospitais, clínicas e profissionais inescrupulosos ou ingênuos, setores governamentais cuja função é comprar e distribuir medicamentos, também se beneficiam dessa situação, onde não interessa muito esclarecer e resolver definitivamente nada.

Os profissionais, as organizações e outros setores sérios interessados em contribuir com o equacionamento das questões relacionadas ao comportamento humano - fenômenos como guerras, violência, prostituição, fome, “doenças mentais”, etc. - geralmente não são levadas em consideração pelas mais altas cúpulas do poder em quase todos os países.

No início foi difícil aceitar os conceitos, modelos e técnicas baseando-se nas observações envolvendo as noções de Comportamento Ativo e Reativo.
As “ verdades” disseminadas pelos meios de comunicação e por outros meios, nem sempre estão a serviço do desenvolvimento da sociedade como um todo; nem sempre há interesse em ajudar a curar alguém quando o lucro e o tempo estão envolvidos nesse processo.

Neste método, nada de novo foi descoberto. Fundamenta-se em coisas já conhecidas de há muito, mas sua abordagem é revolucionária porque, através de um ângulo novo e descomplicado, enxerga a cura na própria relação entre as pessoas e desmitifica métodos medicamentosos e místicos.

Devemos contribuir para melhorar os caminhos da convivência. Sempre há a consciência de que nada fica completo e pode ser modificado e substituído com o decorrer do tempo. O importante é que fiquem cada vez mais claras as manifestações do comportamento dos indivíduos, da sua família e da sociedade para facilitar a convivência.

Comportamento Ativo e Reativo: compreendendo as diferenças

Primeiros passos sobre um conceito novo

Na verdade o conceito de comportamento reativo não surgiu de uma idéia luminosa ou de invento planejado. Ele foi sendo concebido progressivamente através de conhecimentos preexistentes no campo de várias ciências e da observação pessoal, surgindo da necessidade de entender melhor o comportamento humano e suas relações com o meio sócio-familiar e ambiental.

Foram tantas as situações de dúvida nesse percurso que hoje é impossível lembrar de todas. Vamos citar algumas:

 Por que existiram e ainda existem os hospícios, manicômios e hospitais psiquiátricos e por que sempre foram diferentes dos hospitais comuns ?

 Por que ainda existem muitos preconceitos em relação às “alterações do comportamento” humano ? Por que ainda continuam misteriosas ?

 Por que os chamados “pacientes psiquiátricos” não melhoram ou não se curam dentro e fora dos hospitais e são considerados complicados em relação a outros doentes ?

 Por que até hoje não se descobriu qualquer remédio para a cura radical das chamadas “doenças mentais” ?

 Por que até hoje sentimos medo, vergonha ou constrangimento quando lidamos com “doenças mentais” ?

 Por que nos irritamos quando alguém nos chama de doente mental ?

 Por que tem durado tanto tempo essas idéias sobre esse tipo de alteração do comportamento ?

 Por que a cura é considerada difícil ?

 Qual a razão da grande dificuldade em classificar de forma coerente as “alterações do comportamento ?

 Por que as “alterações do comportamento como roubo, estupro, homicídio, suicídio, fraudes, mentira, chantagem, e muitas outras, não são consideradas “doenças mentais” ?

 Por que poluímos o planeta sem nos preocuparmos com as conseqüências ?

Encheríamos muitas páginas se continuássemos perguntando a respeito desse assunto. Mas vamos adiante !

Quando pensamos sobre o comportamento de pessoas que eram alegres, generosas, solidárias, compreensivas e, após alguns anos sem vê-las, as encontramos mesquinhas, agressivas e egoístas, nos deixa desorientados. Algumas evitam o contato ou se despedem rapidamente, como se a nossa presença as perturbasse.

Ficamos surpresos e desapontados pois, muitas vezes somos considerados pela maioria, como sujeitos razoavelmente comunicativos e de fácil relacionamento. Aparentemente não vemos razões que expliquem modificações tão estranhas no comportamento dessas pessoas.

Às vezes perguntamos porque, numa mesma família, o comportamento de um filho é tão diferente dos demais a ponto de causar espanto entre os familiares. Ninguém consegue entender isso. Surgem então, entre outras, as expressões “ovelha negra”, “maluco”, “mau elemento”, “desmiolado”, “tantã”, “cabeça fraca”, “esquisito”, “desequilibrado”, “parafuso frouxo”.

Geralmente não sabemos porque uma família, aparentemente bem estruturada e apresentando razoáveis condições sócio-economicas, pode gerar indivíduos com um comportamento tão distante dos outros membros, já que todos estiveram submetido às mesmas condições do meio comum.

No campo social procuramos respostas sobre a origem das brutais diferenças existentes nas diferentes camadas sociais de uma mesma sociedade. Sempre queremos saber por que os grupos denominados de “elites” têm uma vida melhor do que os grupos denominados de “marginais”.

Outras dúvidas: qual a verdadeira origem da fome, das guerras, do racismo, da miséria, das drogas, dos genocídios, do homossexualismo, da corrupção, das ditaduras, dos crimes hediondos, enfim, dos problemas da vida civilizada ? Ou isso nada tem a ver com o estudo do comportamento humano e da loucura...?

Separar os fatos que acontecem na sociedade, do comportamento das pessoas ou grupo de pessoas seria o mesmo que admitir que unha e carne são coisas totalmente separadas.

Observando o homem e outros animais

Desde muito tempo a observação dos animais despertou grande interesse entre os estudiosos do comportamento. Saber porque se comportavam entre si ou com outras espécies, conduziu os biólogos a muitas descobertas interessantes. Por que formigas e abelhas atuam como verdadeiras sociedades cooperativas ? Por que alguns animais são mais lentos e outros mais velozes ? Por que uns vivem em bandos e outros isolados ? Por que alguns se devoram entre si para poderem sobreviver ?

Ora, o homem também é um animal e se diferencia dos outros pela sua inteligência. Se é inteligente por que age muitas vezes como os outros animais, que ele mesmo chamou de irracionais ? Por que resolveu se chamar de Homo sapiens sapiens (homem sábio) se pratica repetidamente atos irracionais ?

De vez em quando o homem gosta de se comparar com os outros animais - nas consideradas virtudes e defeitos deles - usando expressões como: “olho de águia”, “rápido como um coelho”, “esperto como uma raposa”, “lento como uma tartaruga” ,etc. Também pode acreditar que é um animal (zoantropia) ou tem um animal dentro de si (zoopatia). Na antigüidade algumas sociedades adoravam deuses em forma de animais (teozoomorfismo).
Olhando com cuidado percebe-se que costumamos projetar nossos sentimentos, princípios e valores não apenas nas pessoas, mas também nos animais, quando os odiamos (moscas, baratas), sentimos medo deles (cobras, aranhas) ou os acariciamos (gatos, cachorros).

O comportamento dos outros animais segue leis naturais instintivas, pré-condicionadas por aprendizagem automática. Porém todos os animais reagem a estímulos para sobreviver. São estímulos internos (fome, medo, sono) ou externos (frio, escuro, tempestade) que provocam a reação e conduzem ao comportamento. No homem, condições semelhantes também estão presentes, porém modificadas pelo raciocínio, inteligência e outras habilidades que só ele possui. São esses atributos especiais que conferem ao homem a capacidade de interferir nas leis naturais.

Dentre os animais apenas o homem é capaz de criar situações construtivas ou destrutivas capazes de influenciar seu meio, as outras pessoas e a si próprio. Atualmente estamos aprendendo a preservar as espécies animais em extinção ao descobrimos que nós, o ambiente e os animais fazemos parte de um único conjunto que precisa ficar em equilíbrio para o bem de todos. Um organismo.

Comportamento Reativo: na pista de um conceito novo

O conceito de comportamento reativo aborda ao mesmo tempo o indivíduo, a família e a sociedade como um corpo só.
Pelo conceito tradicional, uma pessoa que procura tratamento, é considerada como um doente portador de alguma alteração contida apenas nele e sem qualquer vínculo com seu grupo familiar e com o meio social.

Estamos acostumados a separar as coisas como se separam livros numa estante e não conseguimos compreender a ligação entre o comportamento das pessoas e os problemas do dia-a-dia. Achamos que fome, miséria, poluição, música, economia, loucura, política e ciências são coisas distintas e separadas.

Com o tempo vamos percebendo que nada acontece isoladamente, que sempre há ligações entre todas essas coisas e que umas interferem nas outras continuamente, como a engrenagem de um motor. Como compreender esse motor se temos que observar cada peça separadamente, saber sua utilidade e como funciona ?

Partindo do principio de que um motor só funciona se o ligarmos na tomada ou acionarmos sua “partida” e que só reagimos se houver uma razão ou um estímulo, estamos na pista para compreender o comportamento.

As palavras “agir” , “reagir” e “interagir” nos fazem compreender o mundo como se ele fosse uma peça de teatro onde cada cena é importante para a compreensão da peça; um jogo de futebol onde cada jogada influencia no resultado final; uma olimpíada onde cada modalidade é parte do conjunto de competições, uma missa ou outro qualquer fato da vida. Estamos sempre agindo, reagindo ou interagindo porque, na verdade, essas três coisas podem ser uma coisa só e produzirem o mesmo efeito ou efeitos diferentes.

Nossos corpos são como máquinas biológicas que mantêm a vida e obedecem o cérebro e a mente. Somos como os outros animais que também respondem a estímulos e reagem, com a diferença que temos capacidades de processar e alterar as respostas, modificando nosso comportamento.

Vai começando a ficar claro que a arquitetura da natureza é mais inteligente e maravilhosa do que poderíamos supor até então. Tudo está interligado como se fosse um sistema telefônico, uma rede elétrica ou uma teia de aranha. Começamos a acreditar que a loucura – que passaremos a chamar de comportamento reativo grave - é apenas um componente a mais desse sistema geral.

Por essas e outras razões passaremos a não mais considerar as alterações do psiquismo como um fato isolado, misterioso e à parte dos outros fatos da vida.

Logo em seguida nos deparamos com outro problema: como descobrir essas interligações e saber como e porque funcionam de diferentes maneiras ?

Precisamos de tempo para concluir que, para entender isso, é necessário ter paciência e observação. Para saber por que uma pessoa chora, ri ou agride (conteúdo do comportamento) precisamos entrar no interior dela para compreender seus sentimentos, princípios e valores e ao mesmo tempo conhecer o que aconteceu dentro dela (estímulo do comportamento) e quais os seus costumes, os do seu grupo familiar e os da sua cultura (continente do comportamento).
Vemos logo que isso não é uma coisa tão difícil assim de compreender pois desde pequenos já nascemos com o cérebro construído para fazer essas interligações e aprendemos muita coisa observando os outros ou por nós mesmos. Sempre foi fácil viver, a grande questão é conviver!

Qualquer ação humana pode ser considerada um comportamento reativo porque todo comportamento precisa de um estímulo mas, para facilitar, convencionalmente, vamos dividir o comportamento humano em dois grupos qualitativamente diferentes pelos resultados que podem produzir, originando distúrbios no psiquismo, na família e na sociedade, podendo alterar inclusive o ambiente:

Comportamento Ativo: seria todo comportamento humano positivo e construtivo, que produzisse apenas harmonia e equilíbrio interno (no psiquismo) e externo (na família e no ambiente) e que contivesse altos níveis de sentimentos, princípios e valores saudáveis nas pessoa que o originaram. Ex. A invenção da vacina contra a paralisia infantil por Albert Sabin e sua equipe de pesquisas.

Comportamento Reativo: seria todo comportamento humano negativo e destrutivo, que produzisse apenas desarmonia e desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (no ambiente e na família) e que contivesse baixos níveis de sentimentos, princípios e valores saudáveis nas pessoa que o originaram. Ex.: O tráfico de drogas.

As expressões “altos níveis” e “baixos níveis” significam a qualidade dos sentimentos, princípios e valores da pessoa que reage. No primeiro caso poderiam estar representados por paciência, solidariedade ou sinceridade; no segundo por ódio, mentira ou avareza. Esses conteúdos internos que existem dentro de cada pessoa seriam os moldadores do comportamento final de cada um.

Ora, se ódio e inveja são capazes de gerar comportamentos destrutivos nas pessoas e nos grupos de pessoas (se não forem bem administrados internamente), solidariedade e paciência também podem gerar comportamentos construtivos nessa mesma pessoa ou grupos de pessoas. Na verdade, pessoas e grupos de pessoas possuem dentro de si, movidos por sentimentos qualitativamente diferentes, os dois tipos de estímulos internos: reativos e ativos.

As “pessoas boas” e as “pessoas más” (ou “pessoas normais” e “pessoas anormais”) possuem igualmente estímulos internos reativos e ativos. Por que se comportam de formas diferentes ? Existem “pessoas boas” e “pessoas más” ?

É claro que essas expressões são convenções artificialmente criadas para facilitar apenas a compreensão, mas são valiosas quando passamos a usá-las de rotina e correspondem com a realidade do comportamento geral. Mais adiante mostraremos um quadro completo das expressões convencionadas neste trabalho que ajudarão muito nossa compreensão.

Constatada a existência de comportamentos ativos e reativos na conduta do homem, que atingem a si próprio, a sua família e a sociedade em que vive, precisamos saber de onde se originam, como se desenvolvem e os efeitos que produzem no corpo e na mente de todos e no ambiente em geral. Essa é, sem dúvida, uma tarefa tão grande que seria impossível de ser levada a efeito de forma completa. Nosso objetivo é o de tratá-la resumidamente e com simplicidade.

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No início da formação cerebral, as células nervosas são minúsculas. A distância entre elas, enorme. A célula só é neurônio depois de alcançar o seu destino. Ou seja, encontrar um outro neurônio, com o qual se comunica. “As primeiras experiências da vida são tão importantes que podem mudar por completo a maneira como as pessoas se desenvolvem”. A conclusão: o cérebro precisa de ginástica. Sem isso, por mais rica que seja a herança genética recebida, nada feito.

Da mesma forma que um chip de computador, por mais potente que seja, é só uma pastilha de silício, sem os programas que o fazem funcionar; o cérebro é quase apenas uma massa cinzenta, sem as experiências que o fazem aprender. O “quase” é proposital. O máximo que os determinantes genéticos fazem com o cérebro é dotá-lo da capacidade de sustentar a vida. Ninguém precisa aprender a manter a própria temperatura corporal ou pressão arterial. Também não se precisa ensinar um recém nascido a respirar, fazer bater o coração, recuar ante um beliscão ou sugar o leite materno. Essas capacidades, que o neurologistas chamam de reflexas, são inatas. (...)
Os testes clínicos mostraram que os bebês que passaram a maior parte de seu primeiro ano de vida dentro de um berço, sem maiores contatos físicos, têm um desenvolvimento anormal. “Alguns com 1 ano e 9 meses ainda não conseguem se sentar”. Comparando essas crianças com outras, criadas no colo das mães e avós: “Elas começam a andar já aos 11 meses”. (...)

PLÁSTICO
Nos bebês, o cérebro é um órgão de grande plasticidade. Seus dois hemisférios - o esquerdo e o direito - ainda não se especializaram. Isso só acontecerá entre os 5 e os 10 anos de idade. Mais ainda, dentro de cada hemisfério, no nível do córtex cerebral, não se plugaram as terminações nervosas responsáveis por dons elementares, como a fala, a visão, o tato, ou tão refinadas quanto o raciocínio matemático, o pensamento lógico ou musical. A prova? Se todas as funções cerebrais estivessem predeterminadas pelo nascimento, as crianças vítimas de uma lesão no lado esquerdo do cérebro, o responsável pela linguagem, jamais deveriam recuperar o dom da fala. Não é isso o que se observa. Os adultos, não. Sofrem seqüelas graves.
O motivo disso é que, nas crianças, como as conexões nervosas ainda estão em formação, a desativação de uma parte do cérebro (por uma lesão, por exemplo) pode ser compensada por ligações neurais em outros pontos da massa encefálica. Já nos adultos, vítimas de um derrame cerebral, em que a modelagem está completa, a lesão tem poucas chances de ser compensada. O impressionante nessas pesquisas, é mostrar que o dom de automodelagem tem curta existência. Vai do nascimento até poucos anos de vida, dependendo da função cerebral de que se trate. No caso da fala, sabe-se que essa capacidade se encerra por volta dos 10 anos de vida. “Já a partir dos 12 anos, a recuperação é como a dos adultos, ou seja, longa e difícil”.
Uma outra pesquisa, focalizando a função visual, mostrou que a modelagem cerebral desse sentido se encerra ainda mais cedo - aos 2 anos de idade. Na década de 70, cientistas, estudando crianças vítimas de catarata desde o nascimento, perceberam um dado que os deixou estarrecidos: mesmo após a cirurgia de remoção da membrana, aos 2 anos de idade, os bebês ficavam cegos, e assim permaneciam para o resto da vida. Hubel e Wiesel foram além.

Costuraram o olho de um gato recém-nascido e descobriram que uma semana de cegueira alterava a percepção visual do animal para sempre. Ambos os casos refletem uma situação oposta à que se verifica entre adultos acometidos de catarata depois de relativamente idosos. Após a remoção da membrana, todos recuperam a visão muito bem. Conclusão: há um período muito curto (menos de dois anos) para se ligarem todos os circuitos entre a retina e a área do cérebro responsável pela visão. Perdida a oportunidade, ou prejudicada a ligação neural durante um certo período, é para sempre.

FECHANDO JANELAS
A partir dessas constatações, os neurobiologistas começaram a estudar o que chamaram de “janelas de oportunidades”. Da mesma forma que o sentido da visão depende de conexões feitas até os 2 anos, e que os circuitos da linguagem se consolidam até um máximo de 10 anos, ele julgaram lícito cogitar que outros dons podiam ter também janelas de oportunidades que, uma vez exploradas, conduziriam a adultos com determinadas capacidades. Na revista National Geographic, o neurobiologista Gerald Edelman, comparou essa situação a uma espécie de luta pela sobrevivência dos neurônios. Se usados e bem-sucedidos, eles fixam-se como instrumentos do pensamento. Se mantidos inertes, é como se morressem.
Os cientistas estão dizendo: a cada velinha de aniversário que uma criança assopra, é como se ela estivesse fechando janelas de oportunidade, que jamais serão abertas uma segunda vez. Essa hipótese, antiga, parecia tão sedutora que múltiplos centros de pesquisa se lançaram em sua exploração. Confirmado.

Musicalidade, raciocínio lógico- matemático, inteligência espacial, capacidades relativas ao movimento do corpo, entre outras, dependem de circuitos que são plugados logo na primeira infância, época em que a criança aprende a aprender.

O tempo é essencial. “Não se pode ultrapassar a idade de maturação cerebral”. Imagens tomográficas de cérebros de crianças desde o nascimento até os 12 meses de vida mostram esse esforço emocionante que as crianças fazem para amadurecer. Desde o nascimento, a massa encefálica vai acelerando seu nível metabólico e intensifica-se a atividade mental. As mesmas imagens, quando coletadas num adulto de 28 anos, porém, mostram que o tempo joga contra. O dínamo cerebral de uma criança de 1 ano é mais carregado do que no adulto, mesmo que ela mal consiga balbuciar “papá” e “mamã” enquanto o adulto se delicia com alta literatura.

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Psiquismo, inconsciente e comportamento reativo

Entre os animais não existe prostituição, drogadição (toxicomania), crimes hediondos e outros fenômenos que existem entre os homens. Eles agem por instintos, que são estímulos desenvolvidos para a sobrevivência e reprodução. A consciência de si próprio no mundo, o juízo critico ou discernimento e outros atributos superiores só existem nos seres humanos.

O conjunto dos processos e fatos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas escapam ao âmbito da consciência e não podem a esta ser trazidos por nenhum esforço da vontade ou da memória, aflorando, entretanto, nos sonhos, nos atos falhos, nos estados neuróticos ou psicóticos, isto é, quando a consciência não está vigilante, é o que conhecemos como “inconsciente humano”.
Quando Freud falou sobre a existência dessa característica do psiquismo, a maioria das pessoas dessa época ainda acreditava que o nosso comportamento fosse inteiramente controlado pela nossa consciência, ou seja, que nós sempre decidíamos sobre o que fazer e como dirigir as nossas vidas. Hoje sabemos que só tomamos consciência de uma reduzida parcela do nosso comportamento.

Os conceitos de comportamento ativo e reativo são conceitos operacionais que enriquecem outros conceitos já desenvolvidos a respeito da conduta humana; simplificam para permitir maior acesso de pessoas a esses conhecimentos e interligam os fatos, as pessoas e a história de ambos para permitir que se tirem conclusões práticas.

Na verdade, podemos dizer que o comportamento ativo e reativo sofre grande influência do inconsciente e que todos os problemas humanos e das sociedades humanas são sempre formas de reação a alguma pessoa ou situação do presente ou do passado, interna ou externa. No inconsciente o homem ainda guarda todas as suas vivências e suas características de animalidade.

A razão de acharmos difícil entender esses fatos e comportamentos se origina do tipo de linguagem em código usada pelo inconsciente. Essa linguagem em código aparece muitas vezes em nossos sonhos – aparentemente confusos e sem lógica - em muitas das nossas atitudes e nas atitudes dos outros. As palavras e as idéias nas alterações mentais também se apresentam assim, praticamente incompreensíveis, cheias de símbolos e representações estranhas. Só compreendemos melhor a linguagem das palavras e dos gestos “normais” que são a mais utilizada por nós. Mas para facilitar nossa vida inventamos muitos códigos. Por exemplo: o código Morse, o alfabeto, os sistemas numéricos, as diferentes medidas para peças, roupas, sapatos, etc.

Na verdade vivemos mergulhados no mundo das nossas representações mentais, dos nossos desejos e impulsos. Quando nos sentimos felizes vemos o mundo e as pessoas felizes; quando estamos tristes, o mundo e as pessoas parecem estar igualmente mais tristes.
As linguagens em código usadas pelo psiquismo são complexas e infinitas porque temos as capacidades de criar, intuir, interpretar, raciocinar, associar diferentes idéias, deduzir, e tantas outras habilidades que ainda desconhecemos.

Quando essa linguagem em código sai da profundidade do psiquismo e passa a aparecer no comportamento é chamada de sinalização de relação (depressão, ansiedade, isolamento). Como se fosse uma forma de sinalizar para os outros o que está nos incomodando por dentro.


Quando essa linguagem em código sai da profundidade do psiquismo e passa para o corpo é chamada de sinalização física (somatismo). Como se fosse uma forma de sinalizar através do corpo o que está nos incomodando por dentro.

Quando essa linguagem em código sai da profundidade do psiquismo e passa para o ambiente é chamada de sinalização de deslocamento (agressões ao patrimônio, aos animais e ao ambiente). Como se fosse uma forma de deslocar para objetos, animais e ambiente o que está nos incomodando por dentro. De um modo geral chamaremos a todas de sinalizações.

Teríamos que ter um cérebro centenas de vezes maior que o tamanho normal se ele não possuísse a capacidade de sintetizar e compactar tudo que aprendemos sob a forma de “blocos de representação” chamados de engramas.

Um engrama é como se fosse um minúsculo grão contendo dentro de si tantas informações (emoções, sentimentos, percepções, etc.) que dariam, depois de descomprimidas, para encher uma bola de futebol.

Poderíamos dizer então que o comportamento reativo é um engrama ou conjunto de engramas que contêm mensagens em código. Essas mensagens são difíceis de entender porque não são explicadas com palavras comuns e são compostas de conteúdos emocionais inconscientes e em código.

Constatada a existência de um comportamento reativo no homem, que atinge a si próprio, à sua família e à sociedade em que vive, vamos agora estudar a origem e o desenvolvimento desse comportamento. Surgem então novas indagações:

1. De onde vêm e quais os fatores responsáveis pelo aparecimento do comportamento reativo ?

2. Por que esse comportamento é presente, intenso e freqüente na sociedade que chamamos de civilizada ?

3. Por que não é encontrado ou é raro nas sociedades denominadas de “primitivas”, ou seja, entre indígenas com pouco ou nenhum contato com civilizados ?

4. Por que é mais freqüente e intenso nas grandes aglomerações urbanas e menos intenso e freqüente nas pequenas comunidades que não estão sujeitas às mesmas pressões ?

5. O que diferencia as pessoas que têm comportamento ativo e comportamento reativo ?

6. Como definir claramente o comportamento reativo ?

Para responder a essas e outras questões foram convencionados outros conceitos que pudessem representar um modelo interno da mente humana e suas relações com o meio. Mas esse modelo teria que ser simples e prático para não causar confusão e impedir a compreensão do cidadão comum. Para essa tarefa - e por causa da semelhança - tomaremos como elemento de comparação um computador, invento humano criado para auxiliar o homem nas tarefas mais complexas e cansativas, onde o próprio cérebro se mostra mais lento e menos eficiente.

Cérebro - um computador quase perfeito


Admite-se ainda hoje que o cérebro humano é a parte mais nobre do organismo. A ele são atribuídas funções importantes de comando, gerenciamento e execução de situações internas e externas da vida individual, com o auxílio de outras partes do corpo.

Resumindo, poderíamos afirmar que esse órgão é o centro político, legislativo, jurídico e administrativo das funções biológicas, psicológicas e sociológicas do organismo, integrando, processando e atuando em todos os níveis da atividade individual.

O desenvolvimento progressivo do conhecimento humano, a principio empírico e desorganizado foi tomando, com o passar do tempo uma conformação diferente. A organização e metodização cada vez mais eficiente desses conhecimentos, tanto no campo do conhecimento objetivo como no subjetivo, e sua aplicação prática, transformaram e continuam transformando de forma surpreendente a vida do antigo homem caçador coletor.

É fácil entender que o cérebro do homem sempre teve papel decisivo nessas transformações: que a sua própria transformação e desenvolvimento como órgão foi e continua sendo o elemento essencial para as mudanças que continuarão acontecendo enquanto o homem existir.

O grande mistério das inúmeras funções cerebrais ainda tão desconhecidas está íntima e obrigatoriamente associado ao comportamento humano, ao seu conhecimento, sua natureza e a todos os outros fenômenos decorrentes do seu funcionamento.

Poderíamos então entender o cérebro como um computador especial que não foi criado pelo homem, é parte componente do seu corpo e dirige a sua vida.

De que se compõe o circuito desse computador, quais suas funções e como funciona ?
Essa pergunta, além de pretensiosa é impossível de ser respondida com os conhecimentos atuais de que dispomos. Temos dúvidas se isso um dia será possível.

Para dar uma idéia bastante rudimentar poderíamos aceitar e concluir que:

1- É o único computador feito totalmente de material vivo. Alimentado pelas mesmas substâncias que suprem o resto do corpo.

2- Protegido por um forte estojo ósseo que chamamos de Crânio e à prova de choques pela presença de membranas e um líquido no qual flutua e que lhe confere relativa segurança chamado líquido céfalo-raquidiano ou líquor.

3- Composto por células ou conjunto de células que funcionam como “chips” ou “centros de processamento e comando”.

4- Seus circuitos, complicadíssimos interligam seus “centros” e comandam todas as outras partes do organismo, através de uma fiação vastíssima que chamamos de feixes nervosos ou, simplesmente, nervos.

5- Sua construção e programação obedece a um plano natural preestabelecido, chamado de código genético.

6- Possui a capacidade de receber , processar, atualizar e modificar programas antigos e ainda aprender e criar programas novos.

7- É auto-regulável, adaptável a diferentes situações e não necessita de um sistema de digitação.

8- Permanece ligado a vida inteira, mas necessita de relativos períodos de repouso (sono e férias.)

9- Não pode suportar a falta de oxigênio por mais de quatro minutos.

10- Coordena todas as funções orgânicas (respiração, digestão, locomoção excreção, circulação, senso-percepção, etc.)

11- Coordena todas as funções psíquicas (pensamento, memória, juízo critico, afetividade, etc.)

l2- Coordena funções especiais como: criatividade, intuição, religiosidade, paranormalidade, etc.)

13- Deve processar e coordenar outras funções ainda desconhecidas e, provavelmente, muito complexas.
Acredita-se que o cérebro humano comece a processar informações mesmos antes do nascimento, na vida intra-uterina.

O processamento de informações, situações e percepções que ocorrem na infância e na adolescência parecem ser de grande importância para a vida do homem adulto. É nessas fases do desenvolvimento humano que o desempenho do cérebro e as descobertas mas fundamentais da vida estão acontecendo com especial intensidade e freqüência.

É como se houvesse um sistema captador-impressor interessado em receber todas as mensagens disponíveis ao redor. Nessas idades o organismo como um todo apresenta um ritmo acelerado de desenvolvimento e mudanças em todo o corpo com o crescimento e as descobertas novas ocorrendo de forma intensa e simultaneamente, a todo momento.

As primeiras impressões irão contribuir de forma importante para moldar os “programas básicos” (educação e comportamento) do futuro adulto. É a partir desse período, isto é, da captação de informações intra-uterinas até o final da adolescência que um processo reativo poderá estar se iniciando e, como um vírus de computador, interferindo em diferentes áreas dos “programas básicos”. Essa interferência, dependendo de sua intensidade, qualidade e freqüência poderá estar representando o elemento precursor (moldes reativos) do futuro Comportamento Reativo.

O cérebro vai registrando todos os acontecimentos que ocorrem ao seu redor. Dissemos que os primeiros registros (programas básicos) são muito importantes porque a “fita” de gravação ainda está virgem e não sofreu “revisão”. Essa revisão será feita quando funções como juízo critico e discernimento estiverem mais desenvolvidas e isso só começa a ocorrer na vida adulta.


Funções do Cérebro


Falamos um pouco sobre a estrutura do cérebro e demos algumas dicas sobre como se desenvolvem a linguagem e a visão nas crianças. Agora vamos falar sobre as funções do cérebro. Vamos ver para que servem essas estruturas e como elas funcionam na nossa vida diária.
De um modo bastante simples, podemos dividir as funções cerebrais em 4 categorias:

a) Funções simples
b) Funções médias
c) Funções altas
d) Funções refinadas

a) Funções simples
São aquelas tarefas mais fáceis que o cérebro comanda. Por exemplo: andar, piscar, espirrar, tossir, digerir alimentos, ver, ouvir, etc. Essas tarefas estão automatizadas ou já vem quase prontas, antes mesmo do nascimento. Nós não necessitamos de pensar ou decidir sobre elas.

b) Funções médias
São funções que exigem um certo esforço de comando e coordenação. Por isso passam pelo processo de aprendizagem como: ler, escrever, tocar instrumentos musicais, fazer cálculos, desenhar, pensar, etc.
Nessas funções, além da fase de aprendizagem inicial é necessário um treinamento permanente para que o produto final do esforço fique cada vez mais aperfeiçoado.

c) Funções altas
Essas funções já apresentam um maior grau de sofisticação. Elas estão associadas a capacidades como: criar, julgar, interpretar , decidir, criticar, etc.
É comum se ver essas capacidades desempenhadas por artistas, cientistas, pesquisadores, inventores, juizes e outras pessoas que lidam com problemas bastante complexos.
O que você faria se hoje tivesse que administrar uma grande empresa com filiais em noventa países ? Ou se fosse eleito presidente do Brasil ?

d) Funções refinadas

Essas funções do cérebro ainda são pouco conhecidas e por isso geram muita polêmica entre as pessoas. Muitas ainda permanecem desconhecidas e provavelmente não estão sujeitas a processos intelectuais como o raciocínio, capacidade de compreensão, etc. Podemos usar como exemplos: a intuição, a telepatia, a telecinesia, a precognição, etc.

Uma das capacidades mais complexas exigidas do cérebro humano é a capacidade de interpretação. Essa função é bastante complexa e necessita de um bom equilíbrio psíquico, de uma vasta experiência pessoal e de uma quantidade e qualidade de informações diversificadas.

A maioria dos problemas humanos está intimamente relacionada com os erros de interpretação. Quem não consegue fazer uma boa interpretação dos fatos não consegue uma boa decisão e, por conseqüência, age mal. O comportamento reativo está diretamente ligado a capacidade de interpretação.
Poderíamos, então, entender o cérebro como um computador que possui funções que coordenam o funcionamento dos órgãos internos (vida neuro-vegetativa) e que possibilitam o comportamento individual (vida de relação), que nos permite conviver com outras pessoas e com o ambiente.

A função neurológica é integradora e pessoal, está limitada ao corpo de cada indivíduo. Cada indivíduo possui seu próprio cérebro e medula (SNC). Sua função básica é a de transmissão e processamento (até certo limite) de estímulos internos e externos percebidos ou automatizados por cada pessoa em particular. A função psíquica a completa ampliando esse processamento e refinando-o pela aprendizagem, pelo raciocínio, pela interpretação, pela intuição e por outras habilidades nobres, associado-as aos sentimentos, emoções, criatividade, etc.

A função neurológica permite a organização e integração harmoniosa do corpo e é refinada pela função psíquica que nos dá a consciência da nossa identidade individual, familiar, étnica ou nacional. Modela o desenvolvimento dos sentimentos, princípios e valores individuais e de grupo. Ela permite ao indivíduo conviver, aprender e interagir nos dois sentidos: no individual e no grupal.

Ambas integram cada indivíduo ao seu próprio mundo sensorial-emocional e na dimensão das relações sociais. Comparativamente, poderíamos imaginar cada indivíduo como um computador ligado a uma grande rede de computadores, onde, cada um possuindo sua configuração própria, poderia influenciar e sofrer influência da rede toda, produzindo mudanças e transformações a cada momento. Sob essa lógica poderíamos admitir que a expressão organismo social seja sinônimo, respectivamente, de família, comunidade, sociedade e Humanidade.

Assim, ficam mais claras as conexões entre corpo e mente, entre cérebro e psiquismo, entre comportamento individual e grupal, onde as doenças físicas podem ser influenciadas pelos processos psíquicos (estudados pela medicina psicossomática) e onde os processos psíquicos podem produzir alterações no comportamento do indivíduo e do grupo (estudados pela psiquiatria, psicologia, psicanálise, terapias grupais, etc.), onde também colaboram para a poluição e destruição do meio ambiente.

A flexibilidade com que o psiquismo pode apreender idéias e conceitos criados pelo cérebro de outros indivíduos e pelo seu próprio, permite a aprendizagem. A aprendizagem pode levar a novas idéias e conceitos que se adicionam às experiências anteriores e podem avançar sucessivamente. O psiquismo, por sua vez, é levado a adaptar-se sofrendo as influências das novas mudanças provocadas por outros indivíduos, por grupos e pela cultura. Logo, podemos concluir que vivemos em um grande sistema dinâmico, que não para sequer um só instante, mesmo enquanto dormimos.
Concluímos que a função neurológica e a função psíquica são adaptáveis a diferentes situações externas e internas e que uma completa a outra e estão em contínua transformação.

Concluímos também que a interação entre indivíduos, com seu grupo familiar e com outros diferentes grupos, provoca diferentes influências no psiquismo individual que aparecem no seu comportamento e no seu corpo. Seria possível então, diante de mudanças tão rápidas e dinâmicas, criarmos uma Classificação das Doenças Mentais, com denominações estáticas, oriundas de conceitos filosóficos antigos e copiadas da classificação das doenças somáticas, que pudesse resistir durante algum tempo, sem mudar ? Os sinais e sintomas físicos (do corpo) que constituem as síndromes poderiam ser tratados e compreendidos da mesma forma e pelos mesmos métodos clínicos e laboratoriais que os que são gerados pela mente ? São palpáveis, detectáveis por equipamentos e mensuráveis matematicamente ? Qual a cor da depressão, qual a forma da ansiedade, de quais moléculas são constituídos os desejos ? Os remédios reagem quimicamente com os sentimentos para produzir uma nova substância química ?

Como podemos compreender que mente e corpo funcionando de forma integrada, tenham de ser tratados de formas diferentes e por métodos diferentes ?

Já vimos que enquanto o cérebro (função neurológica) de cada pessoa integra e organiza seu próprio organismo individualmente, o Psiquismo (função psíquica) completando-o, amplia suas relações internas para a dimensão social (suas relações com outras pessoas e com o ambiente cultural).

Porém, a estrutura neurológica de uma pessoa é de natureza física (físico-química), palpável, detectável, visível e mensurável (pesquisa de reflexos). Com o Psiquismo não é a mesma coisa. Ele é de natureza programática (como os programas de computador). Ele apenas reage a estímulos e comandos internos e externos, conforme seja seu acervo de experiências adquiridas interna ou externamente e, ainda: reage às suas próprias criações (imaginações, fantasias, desejos).

O psiquismo de cada um é um acervo próprio, construído de modo próprio e influenciado pelas experiências adquiridas de outros e de si mesmo, parcialmente gerenciado pelo próprio indivíduo. Usa uma linguagem de representações simbólicas personalizada e consegue expressá-la através das palavras, dos gestos, das emoções, de manifestações artísticas, intelectuais, etc.
Enquanto o Sistema Nervoso Central (função neurológica) responde biológica e fisicamente (disritmias cerebrais, degenerações nervosas), o Psiquismo (função psíquica) responde reativamente, reage a estímulos internos (alucinações, delírios) e externos (depressão pela perda de um parente). Por exemplo, quando batemos forte no vidro do monitor do nosso computador ele quebra (resposta física); quando apertamos o botão do mouse ou qualquer tecla do teclado a resposta pode ser diferente segundo a programação para a qual o comando foi projetado.

Ambos - o hardware (cérebro) e o software (mente) – são necessários para efetuarmos qualquer trabalho e precisam se entender mutuamente. O resultado final será o comportamento ativo ou reativo, dependendo das experiências emocionais acumuladas por cada um. Não é possível tratar duas coisas de naturezas diferentes através de um método comum. Seria como tentar ver estrelas e bactérias com um telescópio.

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LINGUAGEM
Ao nascer, um bebê é capaz de ouvir e identificar as nuances entre fonemas de todas as línguas. Entre o sétimo e o décimo mês de vida, porém, os sons articulados pela criança já correspondem a fonemas da língua materna. “Com 1 ano de vida, a criança perdeu muito a capacidade de identificar sons diferentes dos de sua língua nativa”. Os bebês ficam como que surdos para sons ausentes de sua língua familiar. Na medida em que os circuitos neurais vão-se ligando, para, por exemplo, a língua portuguesa, a criança tem menos facilidade de identificar fonemas característicos de outras línguas.
Encontra-se assim a explicação para a dificuldade de se adquirir uma segunda língua sobretudo após os 10 anos de idade. (...) Até o terceiro ano de idade, a facilidade na aquisição de línguas estrangeiras é até quatro vezes maior do que entre os adultos.(...) Cientificamente, portanto, está provado: é mais fácil começar a aprender um idioma estrangeiro na primeira infância.

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Origem, desenvolvimento e instalação do Comportamento Reativo


Agora que já sabemos um pouco sobre as funções do cérebro, vamos tentar entender como vai nascendo e se desenvolvendo o comportamento reativo nas pessoas.

O ideal seria que o cérebro pudesse desenvolver-se e exercitar suas funções num clima de tranqüilidade, bom fornecimento de alimentos, estimulações positivas, ritmo agradável, lazer e felicidade.

Não é isso o que acontece na maioria das vezes. Tome-se o exemplo de uma mulher de quinze anos, residente numa favela de uma cidade grande. Ela está grávida e mora com mais oito pessoas num barraco. Seu pai foi assassinado e sua mãe bebe e sai todo dia, pedindo esmolas com seus cinco irmãos.

O filho que vai nascer – Pedro - se nascer, terá provavelmente poucas chances de ter um bom desenvolvimento individual, familiar e social. Poderá vir a ser mais um “menino de rua”, cometendo pequenas ou grandes infrações. Certamente terá um comportamento reativo, hostilizando seus próprios amigos de grupo, seus familiares, a polícia e a sociedade em geral.

Outro exemplo: o filho de um empresário muito rico chama-se Carlos. Sua mãe, quando grávida, foi assistida por bons médicos, fez pré-natal, tinha boa alimentação e teve um parto normal e tranqüilo.
Carlos tinha dois irmãos mais velhos: Ana e Paulo. Seus pais não se entendiam bem, brigavam muito. Sua mãe freqüentava as altas rodas sociais e deixava os filhos pequenos sempre sob cuidado de babás. O pai trabalhava o dia todo e seu contato com os filhos era pouco freqüente. Os filhos recebiam muitos presentes e tinham tudo o que queriam entre roupas, brinquedos e dinheiro.

Carlos quase não tinha contato com os pais. Os pais se separaram quando Carlos tinha seis anos. Nessa época, ele começou a apresentar problemas na escola e teve que repetir o ano. Embora tenha ficado com a mãe, Carlos continuou mudando de colégio, pois o seu desinteresse pelos estudos se acentuava. Aos onze anos experimentou pela primeira vez a maconha. Aos dezesseis anos já disputava corrida de carros pelas ruas com outros adolescentes e já conhecia cocaína e álcool.

Sofreu vários acidentes com motocicletas e costumava furtar de sua mãe para comprar drogas. Parou de estudar e se envolvia mais freqüentemente em brigas entre quadrilhas de adolescentes.
Hoje a mãe de Carlos terá que acompanhá-lo ao juiz para prestar depoimento. Ele está envolvido em um caso de estupro com outros colegas, onde a vítima, uma menor, veio a falecer.
Vistos esses exemplos, como entender o comportamento reativo de pessoas que nascem em duas condições aparentemente distintas ? O que aconteceu ?

Comportamento Reativo e Vida Afetiva

As questões da vida psicológica ou emocional nem sempre se refletem no comportamento imediato e ficam visíveis.
O palhaço que perdeu o seu único filho ontem está triste, deprimido e transtornado. Hoje, quando o espetáculo terminou, ele foi muito elogiado porque fez as pessoas morrerem de rir. Ele foi o ponto alto de todo o espetáculo, nunca se exibiu tão bem. Apenas seus colegas compreenderam o seu drama. Ao invés de rirem, choraram durante o número.

As situações da vida material são tão importantes quanto as situações da vida afetiva ou emocional.
Uma boa alimentação, esportes, diversões e outras facilidades da vida material não substituem o amor, o carinho, a compreensão, o diálogo e todo o direcionamento educativo que uma pessoa deve receber para um bom desenvolvimento dos sentimentos, valores e princípios.

O indivíduo socialmente equilibrado na idade adulta seria aquele que conseguiu receber as quantidades necessárias desses dois tipos de suprimento: o material e o afetivo.
É importante lembrar que as questões emocionais que se acredita estejam funcionando no cérebro, não aparecem claramente através de palavras ou gestos de forma lógica e compreensível. Elas surgem normalmente, através de códigos secretos (sonhos), comportamentos estranhos (crises nervosas, surtos psicóticos, doenças exóticas , doenças psicossomáticas, etc.)

Todas essas formas que o cérebro utiliza para mostrar que está sofrendo, que está sobrecarregado ou está mesmo pedindo socorro podem ser entendidas dentro do conceito de Comportamento Reativo.

Nas questões da vida subjetiva (psicológicas, emocionais) não podemos usar bisturi, pinças, raios X, exames de laboratórios, antibióticos ou esparadrapo. Embora envolvam situações reais e dramáticas como o suicídio ou o homicídio, são impalpáveis, imponderáveis, invisíveis. Para estes casos usamos modelos abstratos, recursos subjetivos e técnicas apropriadas para compreender suas causas e alcançar resultados terapêuticos.

A formulação do conceito de Comportamento Reativo não foi criado aleatoriamente. Foi, sim, resultado de muitas observações, empregando conhecimento psicanalítico, antropológico, sociológico e várias técnicas utilizadas em pessoas que necessitavam de ajuda. Fatos ocorridos no dia-a-dia familiar e social ajudaram muito a compreender a dinâmica de vários comportamentos de difícil interpretação.
É interessante comentar que o modelo de Comportamento Reativo envolve conceitos dinâmicos, isto é, originados na relação social entre dois ou mais indivíduos.

Quando dissemos que o feto inicia o seu registro cerebral (programas básicos) ainda dentro do útero é porque acreditamos que ele não se sente só. Nesses primeiros registros, embora primitivos, ele se sente acompanhado, ouve ruídos, capta sentimentos e reage, movimentando-se quando se sente incomodado. Sua atuação, mesmo sendo pouco ativa, não deixa de ser um estado de relação com sua mãe.

Após o nascimento, a criança é obrigada a exercer um papel mais ativo. Respira sozinha, chora, age através da sucção do seio para sobreviver e movimenta-se com mais autonomia. Suas relações com sua mãe já denotam um contato entre dois organismos distintos, mas não independentes. Com o passar do tempo, o grau de independência vai se acentuando e sua vida sócio-familiar vai sendo acrescida de outros personagens e outras situações, que são, na verdade, o treinamento para a vida social do futuro. O computador vai registrando “programas básicos” cada vez mais complicados e se preparando para estar apto e à altura das solicitações que terá que enfrentar mais tarde.

Antigamente, como os problemas do mundo psíquico eram pouco conhecidos, era comum classificá-los pelo conjunto de sinais e sintomas manifestado pelo comportamento visível. Assim, formulavam-se as Síndromes e os Diagnósticos. O conjunto desses sinais e sintomas eram convencionalmente denominados de Esquizofrenia, P.M.D., Psiconeurose, pelos especialistas da época.
Na idade média (e até hoje) acreditava-se que essas manifestações fossem coisas do demônio, de feitiços e bruxarias. Alguns grupos filosóficos ou místicos ainda acreditam que são fenômenos espirituais, de incorporação, de obsessão por espíritos atrasados, etc. Outros grupos, atualmente, tentam explicar esses fenômenos como sendo transferências de cargas negativas de energia ou situações transferidas de vidas passadas.

Sem nenhum demérito sobre as crenças, hipóteses ou filosofias, o certo é que essas manifestações continuam acontecendo e causando problemas para a humanidade. Só o tempo se encarregará de esclarecer melhor essas manifestações.

O conceito de Comportamento Reativo não invalida e nem entra no campo da ideologia, crença ou filosofia desses fenômenos. O modelo proposto visa entender como e por que um indivíduo reage e qual a origem dessas reações. Se o Comportamento Reativo se torna prejudicial para a própria pessoa e também para a sociedade é natural que se busque entendê-lo e procurar meios de redirecioná-lo para o bem-estar individual e social.

Mimetismo psicossocial: raízes do comportamento reativo

Freud observou que a parte inconsciente do cérebro usa de recursos muito complexos e confusos para se preservar de situações de tensão interna ou sobrecarga do mundo emocional. Chamou a esses recursos de Mecanismos de Defesa da Mente.
Como na época de Freud algumas ciências ainda estavam engatinhando (Antropologia, Sociologia, etc.), a maioria dos fenômenos intra-psiquicos convergia mais para a observação individual do que para os fenômenos de interação individuo-família-sociedade. Porisso ficaram algum tempo em estado de precária investigação.

Usamos o conceito de Mimetismo Psicossocial para nos conduzir aos mecanismos de defesa de Freud aplicados ao continente sócio-familiar e cultural. Eles se originam e se treinam nesse âmbito para atuar de modo mais sutil no plano geral do comportamento.

As mensagens transmitidas pelo indivíduo, em forma de códigos ou camufladas, para a sua família e para a sociedade nem sempre são simples e, normalmente, exigem um grande esforço de interpretação. Mas, certamente, são mensagens que têm como objetivo pedir ajuda, transmitir desejos ou mostrar um pouco de si mesmo para uma família e uma sociedade muito preocupadas apenas em produzir e consumir.

Não é à toa que a maioria dos indivíduos das grandes aglomerações urbanas experimentam cada vez mais o sentimento de solidão. Estamos sendo transformados em “unidades que possuem” e não em “cidadãos que convivem”.

Em muitas situações, quando essas mensagens se tornam conscientes, elas podem ser usadas como uma nova linguagem que reforça o individualismo e o egocentrismo. É o que se conhece como chantagem, manipulação, mentira e hipocrisia.

Vamos tentar responder agora a uma pergunta anteriormente feita: Como nasce e se desenvolve o Comportamento Reativo ? Para responder a esta questão, vamos lançar mão novamente da imagem comparativa entre o cérebro e um computador.

O cérebro humano, tal como acontece com os computadores, necessita para funcionar bem de condições especiais do meio em que se encontra.
Nas máquinas, entre outros requisitos, são fundamentais: uma boa fonte de alimentação, temperatura ideal, programas bem elaborados, manejo correto e ausência de programas interferentes (vírus).
O cérebro, pelo fato de ser um órgão infinitamente mais bem projetado e construído e representar apenas mais um componente do organismo como um todo, exige também certas condições básicas para funcionar bem.

Já vimos que enquanto o Cérebro (função neurológica) de cada pessoa integra e coordena seu próprio organismo individualmente, o Psiquismo (função psíquica) completando-o, amplia suas relações internas para a dimensão social (suas relações com outras pessoas e com o ambiente cultural).

Para citar algumas dessas condições, vamos admitir que cérebro e psiquismo precisem de: boa alimentação (nutrição ) , clima bom (meio sócio-familiar ameno), programas bem elaborados (educação familiar e escolar), manutenção correta (saúde e higiene) e programas especiais (religiosidade, afeto, lazer, ética, amor, etc.). Além disso, ambos possuem uma característica que os diferencia radicalmente das máquinas - precisam estar ligados a um circuito primário que os originou e que lhes imprime os primeiros programas básicos (família) que, por sua vez, está ligado obrigatoriamente a outra rede mais complexa para a qual foram projetados e com a qual terão que funcionar interligados até o fim da suas existências (sociedade).

Ora, admite-se então que, se necessita ligar-se a esses dois circuitos e se esses circuitos funcionarem bem, ele estará com todas as condições para obter um bom desempenho.

Para melhorar nossa compreensão vamos aprender mais dois conceitos: a Homossintonia e Heterossintonia.

Na homossintonia (sintonia adequada) o cérebro estaria recebendo do seu circuito primário (família) todos os estímulos desejáveis para processar e imprimir programas básicos de alta definição. Estaria sendo preparado para desempenhar bem suas funções com o circuito secundário (sociedade), com o qual permaneceria conectado sempre, gerando um novo ciclo de programações.
Na Heterossintonia (sintonia inadequada) ocorreria o contrário. A sintonia desejável que deveria haver com o circuito primário (família) não se processou de forma correta e a impressão dos programas básicos “borrou”, ou seja, sofreu distorções leves, médias ou profundas, gerando programas básicos de baixa definição ou, mesmo, programas anômalos.

Conclui-se, então, que o cérebro humano representa no organismo um “centro receptor-processador-transmissor” da mais brilhante engenharia natural e que passaria de forma imponente pelos mais rigorosos controles de qualidade humanos até hoje existentes. Seu único ponto fraco residiria no fato de depender de estímulos qualitativamente saudáveis, gerados pelo circuito primário (família) e pelo secundário (sociedade) nos primeiros anos do seu desenvolvimento programático.

Ora, sabemos que todo computador só funciona normalmente se for coordenado por um programa básico que o faz funcionar (Sistema Operacional) e sob o qual estão sujeitos todos os outros programas existentes. Qualquer “bug” (defeito) existente no sistema operacional provoca uma instabilidade em todo o sistema “travando” ou provocando erros no funcionamento de todos os outros programas. De forma semelhante funciona o psiquismo (sistema operacional do cérebro).

Como o psiquismo individual, desde o inicio, sofre intensa e contínua influencia do grupo familiar (programas básicos) e social, ficará fortemente impregnado pela qualidade dos “programas” que aprendeu.

O conceito bastante comentado de Inteligência Emocional ou Quociente Emocional (QE), na verdade, se refere a essa qualidade ou estabilidade do psiquismo que facilita o seu funcionamento, permitindo melhor desempenho e maior rendimento nas atividades do indivíduo.

Infelizmente a trama cultural que envolve o indivíduo, sua família e a sociedade, está inexoravelmente sujeita a dois componentes variáveis: os movimentos do mundo inconsciente e a consciência do livre-arbítrio individual. Isso gera uma total liberdade de comportar-se, onde cada indivíduo ou cada grupo de indivíduos pode escolher e gerenciar condutas e/ou reproduzir “ programação anômala” aprendida com outros indivíduos.

Os conceitos de homo e heterossintonia são concepções abstratas que ajudam a compreender a origem e o desenvolvimento do comportamento reativo humano. A expressão “programas básicos” significa o tratamento e a formação que o indivíduo recebe dentro de sua família. A “programação anômala” se refere às distorções de tratamento e formação que o indivíduo experimenta no ambiente familiar e que se continua pelo meio social.

Com essas comparações e modelos utilizados, nós já podemos definir com relativas clareza o que é o Comportamento Reativo.

O Comportamento Reativo é, portanto, o conjunto de sentimentos, princípios e valores individuais que, incorporados de forma distorcida e influenciados por situações inconscientes, afloram no plano da conduta, expressando a natureza dessas distorções em diferentes formas e graus de intensidade: sua mensagem é comunicada em códigos e se destina ao meio familiar e social.

Os efeitos causados pelo comportamento reativo no próprio indivíduo, na sua família e no meio social são proporcionais às distorções ocorridas e registradas no psiquismo, principalmente na fase infantil e na adolescência.

Se tomarmos como exemplo alguns resultados dessas distorções, dirigidas ao indivíduo e ao ambiente social, podemos citar:

- a “birra” apresentada pelas crianças
- as brigas familiares
- os casos leves de psiconeuroses
- as doenças psico-sócio-somáticas
- a drogadição ou drogadependencia
- as psicoses
- a prostituição
- o suicídio e o homicídio
- os delitos contra o patrimônio e contra a vida
- o fanatismo religioso e as guerras
- a destruição do meio ambiente
- o fenômeno do menor abandonado e do menor infrator
- a violência, a fome e as ditaduras, etc.

Já deu para perceber que o comportamento reativo dos indivíduos influencia diretamente o meio sócio-familiar e vice-versa. O comportamento reativo das crianças e jovens de hoje será o comportamento reativo dos pais de amanhã.
O “vírus” mais transmissível e insidioso que existe é veiculado pelo comportamento reativo que vai reproduzindo, geração após geração, padrões de comportamento que passam despercebidos e vão se multiplicando dentro dos grupos familiares e sociais. É transmitido através da conduta individual, familiar e social. Destrói relacionamentos, altera a convivência e a harmonia. Só pode ser combatido por esses três segmentos reunidos. É refratário aos medicamentos.

O mimetismo psicossocial é o conjunto de distorções (mentira, chantagem, violência, hipocrisia) com as quais o homem civilizado contaminou suas relações afetivas, seu princípios e valores na convivência mútua. São esses fatores as raízes do comportamento reativo, isto é, de todas as alterações do comportamento que se constituem nos maiores problemas para nós.

Quando falamos em mimetismo ou camuflagem estamos nos referindo ao hábito de esconder ou reter pensamentos sentimentos ou emoções. Esse hábito faz com que os conteúdos emocionais não se manifestem naturalmente pela fala e pelo gesto. A fala e o comportamento passam a usar códigos para expressar esses conteúdos.

Ora, a forma que o organismo utiliza para se livrar dos resíduos tóxicos do corpo, isto é, das fezes, da urina e do suor, é expulsá-las, colocá-las para fora. Com o psiquismo ocorre coisa semelhante: ele precisa livrar-se do excesso de tensões emocionais, ou seja, do acúmulo de cargas elétricas retidas no dia a dia, que prejudicam o seu equilíbrio e funcionamento normal. Então, expressar ou manifestar essas emoções através de palavras e gestos é como livrar-se do excesso de tensão emocional. Reprimi-las significa aumentar essa tensão e acumular “núcleos reativos de insatisfação e irritação”.

Camuflar e reter sentimentos, princípios e valores é o mesmo que facilitar o acúmulo de tensões e ficar “estressado”.
Sintonia e expressividade são formas de descarregar para fora o excesso de tensões e manter-se em equilíbrio, isto é, sentir-se tranqüilo e leve.

Precisamos aprender a expressar esses conteúdos emocionais escondidos atrás dos comportamentos reativos para diminuir as tensões do psiquismo. Os códigos reativos são muitos e complexos porque a imaginação e as fantasias são inesgotáveis.

Os três grandes desejos do Homo sapiens


Certo dia os homens resolveram se reunir no Salão do Inconsciente Coletivo. Depois de algum tempo de discussão e debates concluíram os trabalhos e, disso, resultou um documento com dez regras fundamentais. Dessas regras, três representavam seus desejos; três expressavam suas preocupações; outras três sintetizavam a sua imagem e apenas uma regra, suas normas de convivência. O documento final estava escrito assim:


Terra, dia remoto do ano 4.000 a.C.

Reunidos hoje neste nobre salão, nós os homens, resolvemos por livre arbítrio instituir as regras básicas que deverão conduzir de forma permanente e definitiva o nosso próprio destino, o do planeta e daqui a algum tempo, o do Universo inteiro. Assim sendo, estabelecemos que:


CAPÍTULO I

Art. 1º - Nosso primeiro desejo é ter muito DINHEIRO para que possamos comprar tudo o que quisermos.
§ 1º - Sua distribuição não deve ser eqüitativa, para proporcionar a quem de direito o livre exercício de ser pobre e para não alterar a ordem, natural das coisas.
§ 2º - Ficam vedados aos reclamantes quaisquer recursos que contrariem o que ficou exposto no parágrafo anterior.
§ 3º - Este documento não pode ser alterado em quaisquer de suas partes e nem sofrer revisão total ou parcial por prazo indeterminado. As disposições em contrário não terão nenhum sentido e nem serão levadas em consideração.

Art. 2º- Nosso segundo desejo é possuir o PODER. Pensar, decidir, mandar e agir livremente sem sermos contrariados nos nossos atos e decisões.
§ 1º - Permitimos aos insatisfeitos o livre exercício da obediência, da aquiescência e do silêncio, desde que obedeçam os limites dessas virtudes e, assim, não se cometam excessos.
§ 2º - Ficam negadas aos suplicantes quaisquer reivindicações, sugestões ou idéias que firam o explícito no parágrafo anterior. Nulas serão as disposições em contrário.
§ 3º - Fica rigorosamente proibida a formação de grupos, associações ou partidos, mesmo que sejam constituídos por apenas duas pessoas e com a finalidade de nos prestar integral apoio e solidariedade.

Art. 3º - Nosso terceiro desejo é o de alcançarmos a FAMA, SUCESSO OU GLORIA, para nos sentirmos plenamente admirados, respeitados e amados a qualquer custo e preço.
§ 1º - Não será tolerada a concessão de aplausos, elogios ou comentários benevolentes às plantas, animais irracionais ou mesmo à objetos comuns, sem prévia autorização nossa. Haverá permissão livre e automática quando formos nós o centro dessas manifestações.
§ 2º - Fica proibida, aos meios de comunicação de qualquer natureza, incluindo o meio oral, a difusão de críticas, comentários ou insinuações desrespeitosas que possam estar direta ou indiretamente relacionadas com o nosso êxito, façanhas e sucessos. Os transgressores ficarão sujeitos a rigorosas e pesadas sanções.
§ 3º - Ficam liberados aos solicitantes os plenos direitos da mediocridade, de permanecerem incógnitos ou de gozarem livremente da condição de espectadores convictos. Deverão ser evitadas as manifestações de efusividade excessiva diante dos nossos feitos.

CAPÍTULO II

Art. 1º - Nossa Primeira preocupação se relaciona com a possibilidade, embora remota, de ficarmos pobres e não podermos gozar das facilidades que o DINHEIRO traz.
§ Único- Na possibilidade dessa ocorrência, abrimos uma ressalva para alterar, “data vênia”, a proibição no que se refere à distribuição eqüitativa do dinheiro, à vedação dos recursos que possibilitam essa distribuição e ao pleno direito de revisar “in totum” este artigo, anulando as disposições em contrário.

Art. 2º - Nossa segunda preocupação se refere a possibilidade de perda total ou parcial do gozo do PODER.
§ Único - Nessa remota eventualidade, fica assegurada a nossa prerrogativa de nos utilizarmos do recurso do “impeachment” para destituir os pretensos usurpadores do poder e manter a ordem e a segurança nacional. Para isso as disposições em contrário ficam revogadas e liberados ficarão os direitos de reunião em grupos, associações e partidos, desde que dirigidas por pessoas idôneas e indicadas por nós.

Art. 3º - Nossa terceira preocupação se prende à tênue possibilidade de perdermos o nosso PRESTÍGIO, SUCESSO OU GLÓRIA, sendo substituídos na nossa mais legítima posição por estranhos sem talento.

§ Único - Como medida saneadora, concedemos aos nossos concorrentes as vantagens de gozarem do privilégio de permanecerem na obscuridade; aos meios de comunicação o direito de nos aplaudirem e promoverem, para que continuem desfrutando das suas prerrogativas de difundir nossa imagem.

CAPÍTULO III

Art. 1º - Nosso imagem fica definitivamente preservada pelo ato que ora decidimos: de não mais pertencermos a Escala Zoológica. Portanto, livres da proximidade com os outros animais e, perdendo todas as características da animalidade, pertenceremos doravante a um novo reino ao qual passaremos a denominar de Reino Humano.
§ Único - Pelo fato de pertencermos ao gênero Homo, espécie sapiens sapiens, fica configurada a nossa posição de supremacia sobre todos os seres vivos e a faculdade de controlarmos a vida na Terra, bem como a todos os fenômenos naturais.

Art. 2º - Não mais serão permitidas as investigações do Universo com o objetivo de pesquisar a existência de “seres inteligentes” em outros planetas ou galáxias.

§ Único - Certos de que somos os únicos seres dotados de inteligência e sabedoria, ficam sujeitos a pena de morte todos os que insistirem em provar tais teorias arcaicas que, pela sua natureza subversiva, atentam contra a nossa imagem e dilapidam os cofres públicos.

Art. 3º - Pela nossa condição de Seres Superiores, achamos por bem incentivar pesquisas e idéias que comprovem a nossa evolução, cada vez mais próxima, para a condição de Seres Divinos. Aliás, já nos sentimos perfeitamente preparados para tal evento.

§ Único - Fica sancionada a permissão de criar novas religiões, a criação de novos evangelhos e livros sagrados, a exaltação de lideres religiosos de qualquer credo, desde que consigam convencer com eficiência e inteligência a boa fé e a generosidade dos contribuintes do Senhor. Torna-se, desde já, obrigatória a citação dos nossos nomes nos evangelhos e pregações.

Art. Único - Por considerarmos que a convivência entre os Homens é um assunto destituído de importância, deixamos essa questão em aberto para que cada um avalie individualmente o que deve fazer ou, mesmo não fazer.

§ Único- Salve-se quem puder.....!

Assinado: Nós, os Homens.

Como deu para perceber, nos utilizamos dos recurso da sátira para penetrar um pouco nas fantasias e aspirações da natureza humana. É claro que generalizamos e exageramos na abordagem sobre o pensamento humano no caso estoriado. Porém, muitas pessoas chegam bem próximo desses desejos e outras acreditam piamente na probabilidade de alcançá-los.
Alguns exemplos históricos mostram isso de forma bastante evidente. Movimentos como o nazi-fascismo, o racismo, a vida dos faraós no antigo Egito, os imperadores romanos, mostram a pouca habilidade e o despreparo interior que os homens possuem para lidar com grandes concentrações de poder e prestígio. Exemplos mais simples e atuais presentes nos grupos e corporações como as empresas multinacionais, organizações políticas e religiosas e agremiações da torcida esportiva.

Grupos de pessoas que gravitam em torno do poder político, se associam e tomam o poder através de “golpes”; grupos religiosos que pregam o ódio ou a luta armada para expressar suas convicções; torcidas esportivas que travam verdadeiras batalhas para provar que o seu clube é o melhor. Assim, temos assistido a inúmeros fatos que mostram o comportamento reativo das pessoas funcionando no palco social. Ora se apresentam em ações individuais, ora em ações de grupo e, algumas vezes, se cristalizam no papel em atos governamentais que desfiguram a vida dos indivíduos e das instituições.

O comportamento reativo das pessoas ou dos grupos de pessoas não é uma teoria apenas. É visível de fato e causa os mais variados tipos de problemas e sofrimentos para a humanidade.


Identidade, Família e Cultura: Núcleos Afetivos

Já dissemos que o cérebro possui a capacidade de sintetizar e compactar tudo que aprendemos sob a forma de “blocos de representação” chamados de engramas. Dissemos que um engrama é como se fosse um minúsculo grão contendo dentro de si muitas informações, isto é, os fatos que acontecem na nossa vida.

A diferença no arquivar informações entre um cérebro eletrônico (computador) e o cérebro humano está na capacidade deste último em EMOTIZAR as informações. A emotização nos permite guardar as informações de forma seqüencial segundo a sua importância emocional, para cada um de nós.

Quando os fatos são processados pelo nosso cérebro eles são impregnados de emoção que pode variar desde a mais forte até as mais fraca emoção. Isso permite a organização dos dados numa escala qualitativa-prioritária para arquivamento na memória e posterior lembrança.

Porisso as percepções humanas são sempre sentidas com qualidade afetiva e por ordem de importância emocional. Lembrar de um fato que nos causou tristeza, alegria ou pavor no passado, virá certamente impregnado das mesmas emoções quando for lembrado ou seja quando voltar ao nível da consciência.

O mesmo ocorre nas nossas relações com pessoas mais íntimas (familiar, cônjuge, namorado) ou mesmo com amigos ou conhecidos, cuja convivência com elas foi prolongada e intensa. A esse tipo de grupo ao qual nos sentimos mais ligados denominamos de núcleos afetivos ou grupos afetivos. Somos seres sociais e convivemos sempre em grupos.

Temos todas as representações (engramas) dos nossos grupos afetivos e das nossas experiências guardadas na memória. Se você fechar os olhos agora e quiser lembrar do rosto de uma pessoa conhecida, basta se concentrar e imaginar esse rosto e você o verá.

Como podemos ver a pessoa que escolhemos com os olhos fechados ? Na verdade os olhos só servem para transmitir imagens. As imagens encontram-se guardadas na memória esperando que a solicitemos.

O nosso primeiro núcleo afetivo é a família, grupo que nos gerou, com o qual exercitamos nossas primeiras relações e que estará fortemente gravado em nosso psiquismo para toda a vida. A qualidade dessas relações e do “clima familiar” será sempre de grande influência sobre nós.

Por que choramos quando lembramos de um parente que faleceu ? Ou ficamos alegres quando vamos nos reunir com pessoas de quem gostamos ? Fazemos a maioria das coisas em grupos e nos sentimos mais seguros quando pertencemos a um ou mais deles.

O indivíduo, seus grupos e sua cultura funcionam interligados. A nossa identidade pessoal (identidade do eu), a grupal (dos grupos aos quais pertencemos) e a social (nosso papel na comunidade onde vivemos) servem para orientar interna e externamente nossa posição no mundo.

Gostar de si próprio (auto-estima ou amor próprio), gostar de estar em grupo (afeto grupal) e gostar do seu país (afeto cultural) determinam a existência de uma necessidade por um núcleo afetivo. Dá para perceber que tudo isso está sempre carregado de emoção ou sentimento.
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CALMA
Mesmo sensações aparentemente tão primárias quanto calma ou ansiedade são aprendidas. “No caso da sensação de calma, as crianças devem ser estimuladas através do toque, da conversa e de imagens para se desenvolver bem”. Os circuitos do sistema límbico, área do cérebro responsável pelo controle das emoções, estão em rede desde antes do nascimento e constituem uma das últimas janelas a se fechar - o que acontece na puberdade. A indiferença constante dos pais diante da excitação de um filho ao ver, por exemplo, um filhote de cachorro ou um avião no céu deixa a criança passiva, incapaz de sentir alegria. O mesmo acontece quando o motivo da excitação infantil é um desenho que ela julga maravilhoso e só encontra por parte da mãe a resposta de um muxoxo. Os circuitos límbicos perdem o vigor.

São pequenas coisas que fazem diferença. O cérebro usa as mesmas vias tanto para gerar como para perceber uma emoção e isso tem ligação direta com a capacidade da criança de se relacionar socialmente, interessar-se pelos problemas alheios, ser solidária. Isso não quer dizer que os pais devam achar uma gracinha tudo o que os filhos fazem, como desenhar nas paredes da sala ou colocar fogo no sofá. Carinho e mimos são bons, mas nas horas certas. O pai abraça o filho que chora. A mãe enche de beijos a criança que arranhou os joelhos. Essas são experiências que, conforme Daniel Goleman, autor do livro A Inteligência Emocional, ligam os circuitos da calma. Goleman diz que entre os 10 e 18 meses de vida, células do lobo frontal do cérebro, região responsável pelo planejamento e inibição, conectam-se aos circuitos da emoção. A teoria é de que, diante de experiências como o abraço do pai ou o beijo da mãe em resposta ao medo ou à dor, se estimulam vias neurais capazes de conferir à emoção doses de razão. De tal forma que as crianças aprendem como manter a calma elas próprias. Sozinhas.

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Família e Poder

A família é a primeira instância do poder, do afeto e da violência que o indivíduo civilizado experimenta. É através dela que são sentidas as primeiras restrições, limites e proibições (repressões) da vida social.
Quanto mais integrada à civilização ela se encontra, tanto mais repressiva e violenta pode se tornar. No entanto, ela é o primeiro núcleo afetivo que conhecemos.

A rigidez e as anomalias da organização social civilizada fragilizam a estrutura familiar tornando-a pouco apta para exercer suas funções formadoras do caráter dos indivíduos, da sua nutrição, da sua aptidão para a vida social. Crianças e adolescentes ficam prejudicados no seu desenvolvimento psicossocial. Seus pais não têm tempo para lhes dar atenção e afeto; precisam estudar desde cedo para ingressarem na vida competitiva; suas brincadeiras são interpretadas como perda de tempo pelos adultos; sua sexualidade sentida como perigosa e problemática; seus direitos freqüentemente escamoteados com palavras de ordem, tais como: “obedeça, estude e trabalhe”.

Não é necessário comentar sobre as crianças e adolescentes nascidos de famílias que sobrevivem em favelas, cortiços, periferias, viadutos e lixões. Esses são o retrato mais cruel e desumano da nossa “civilização”.

Muitas famílias assistem perplexas aos dramas e tragédias do dia-a-dia e vão passiva e inconscientemente transmitindo aos seus filhos os princípios, valores e sentimentos circulantes no meio social.

Certa vez, foi perguntado a uma moça de dezessete anos, que já namorava, se um dia pensava em casar. A resposta foi: “ás vezes eu penso, mas não sei se conseguirei criar bem meus filhos. A vida está muito difícil”.


Quais as profundas razões que orientaram a escolha do lema da nossa bandeira - Ordem e Progresso - e qual o efeito que causam essas palavras nos jovens e nas crianças ? Talvez essas palavras estejam dirigidas para os adultos da família e signifiquem: “nada de brincadeiras...!”

É certo que a vida se inicia na concepção, se inaugura com o nascimento e se encerra com a morte. Poderá ser um passeio produtivo e reprodutivo, onde é possível deixar experiências construtivas ou destrutivas e deixar cópias (filhos) de nós mesmos. É uma viagem interessante e divertida, uma espécie de excursão para onde se leva uma “cesta” que contém trabalho, lazer, estudo, religiosidade e, principalmente, convivência. Nela estão contidas, em dose suficiente, todos esses “alimentos” que , sem se tornarem penosas tarefas, nutrirão os participantes da alegre excursão.

Na década de sessenta os jovens “hippies”, numa forte resistência à organização familiar e social sugeriram o lema: Paz e Amor. Uma clara mensagem de insatisfação e reação contra a sociedade atual.

Os adultos da família costumam passar para as crianças e jovens, através do discurso e das atitudes, a já conhecida expressão: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. O conteúdo francamente desorientador desse comportamento, confunde e perturba o desenvolvimento do psiquismo em formação. A dúvida se instala: “... faço o que ouvi ou faço o que estou vendo e compreendendo ?”

Já sabemos que os comportamentos materno e paterno servem de modelo durante um longo período; são os primeiros e principais moldes de formação para os outros indivíduos da família. Esses moldes, pela sua importância e freqüência de repetição se fixam de forma indelével na memória e influenciem fortemente na constituição do caráter individual. Lembra o ditado popular: “Filho de peixe, peixinho é.”

Freqüentemente os adultos cometem o terrível engano de considerarem os jovens e crianças como pequenos e frágeis idiotas, incapazes de avaliarem e interpretarem com profundidade sobre todas as coisas. Como se fossem sacos vazios que precisem ser preenchidos pelas experiências dos adultos. Puro engano.

Já vimos que o cérebro é um avançado e potente instrumento, completamente equipado e construído para captar os estímulos mais sutis, desde a sua formação intra-uterina. Nada escapa ao seu vasto raio de ação.
Observemos 3 textos produzidos por pré-adolescentes a respeito do comportamento de seus pais:

1º - Meu pai, um amigo.

Meu pai nunca está cansado para brincar com nós quatro. Mas, ás vezes ele não pode porque aconteceu alguma coisa no serviço que não o agradou. Quando estou com dúvida de alguma coisa ou no dever de casa ele me explica com todo carinho.

Eu acho que meu pai só descansa quando está dormindo, principalmente aos sábados e domingos. Nos sábados, domingos e feriados, ele vai passear com todos nós ou fica soltando pipa com os meninos, andando de bicicleta com a gente. Eu acho que ele tem muito carinho e muita calma com a gente.

Eu não tenho nada a reclamar do meu pai, ele é muito prestativo. Quando está doente, damos muita assistência para ele, como ele dá para a gente. Quando eu era menor ele era tão carinhoso comigo e até hoje é. Antes ele até trocava minha fralda, dava-me mamadeira e me cuidava como cuidou de todos.

Ele não trata nenhum de nós com mais amor, meu pai gosta de nós quatro com o mesmo amor.

2º - Meu pai é assim:

Em aspecto físico não se parece muito comigo, pois ele é um pouco gordinho, baixo e tem o nariz meio achatado, mas por outro lado, no aspecto espiritual ele é muito parecido comigo, porque eu penso como ele, eu ajo como ele e eu vivo às custas dele.

Meu pai tem muitos defeitos mas um dos piores é quando ele se tranca no banheiro e começa a ler até decorar a revista do começo ao fim...
Meu pai tem 1001 defeitos (sem cortar nada) e são tantos que não dá para escrever porque a folha tá muito pequena, mas além de todos esses defeitos ele é meu amigo e acima de tudo meu pai, por isso eu o acho um herói, porque ele me ama e eu o AMO !!!

3º - Meu pai, um amigo ?

É tão bom ter um pai que nos entenda, nos ajude e sempre está ali, ao nosso lado.
O meu é um grande amigo. Por exemplo, às vezes, não me entendo muito com minha mãe, assim, converso com ele e ele me dá várias opiniões, me ajuda. O principal problema dele é que ele não consegue falar um “não”, para nenhum lá de casa.

Ele é uma pessoa especial para mim. Mas, é claro que tem qualidades e também defeitos. Admiro em meu pai a capacidade de realizar o que quer. Ajuda sempre os outros com os seus trabalhos, nos ajuda nos exercícios, é carinhoso...

Ele é um grande amigo, um amigo de verdade, e tenho certeza que se eu precisar de alguém, ele estará ali para o que der e vier.


Não é necessário comentar estes textos. Essa avaliação pode ser feita pelos adultos que se julgam peritos no assunto. Mas já deu para perceber que crianças e adolescentes possuem uma enorme capacidade para observar, interpretar, sentir e julgar fatos que ocorrem ao seu redor.

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Respeito aos ritmos da criança

Não existe fábrica de gênios

Está certo, o negócio é estimular o cérebro da criança, potencializar suas aptidões. Mas, assim como as janelas do aprendizado se fecham com o passar do tempo, as potencialidades cerebrais abrem-se em épocas bem determinadas.

De nada adianta atulhar a mente de um bebê com cálculos complexos se os neurônios não estão prontos para processá-los. “É preciso entender em que fase cognitiva está o desenvolvimento da criança”. Um exemplo de impropriedade é a vontade de alguns pais de ver seus filhos andando o quanto antes. Bebês de 7 ou 8 meses são colocados no andadores. Não é época de a criança começar a andar. Superestimulada, ela até consegue. “O problema é que no futuro pode sofrer de pé chato ou problema de coluna”.

Ensinar crianças com menos de 5 anos a ler e escrever, sem que elas manifestem algum interesse particular pelas letras, pode até atrapalhar, pois os circuitos que regem a percepção da lateralidade e direcionalidade ainda não estão prontos. “Mais tarde, a criança pode sofrer do distúrbio da escrita”. Sem noção de esquerda e direita, a criança alfabetizada precocemente troca o p pelo q, o b pelo d. Confunde-se com os sons das letras também. (...) É preciso ficar claro: estimular não significa queimar etapas, e sim aperfeiçoar habilidades. Para estimular os circuitos neurais responsáveis pela leitura e pela escrita, por exemplo, nada melhor do que, no tempo certo, oferecer um livro à criança. Contar-lhe história. Oferecer-lhe lápis e papel.

AVERSÃO

Como em qualquer situação, é preciso bom senso. O desenvolvimento da criança não deve ser atropelado pela ansiedade de seus pais. Atualmente, muitos meninos e meninas são submetidos a uma rotina infernal. Há pais que montam a agenda de seus filhos como se eles fossem obrigados a se manter ocupados a semana inteira, cumprindo obrigações fixas de segunda a sexta. Uma coisa é estimular. Outra, massacrar. As conseqüências podem ir de um "stress" e crises de ansiedade à repulsa franca ao objeto que os pais querem impor. Quem não conhece o caso do garotinho cuja mãe queria porque queria que tocasse piano ainda pequeno e que, em vez de aprender a solfejar, desenvolveu horror à música?

“A discussão não pode dar-se apenas do ponto de vista de que a criança tem um potencial a ser desenvolvido”. Recentemente, um psiquiatra atendeu um garoto de 7 anos em seu consultório. Chorando, o menino contou-lhe que estava triste porque gostaria de ler gibis como seus amigos de fora da escola. Ler em português. O menino estava sendo alfabetizado em inglês. O psiquiatra pergunta: “Para que isso? O desempenho dessa criança é importante para quem? Para ela ou para os pais?”
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Fantasia e Modelo Esquizofrênico


O homem parece ser o único animal capaz de fantasiar. Suas criações e invenções podem se iniciar pelas suas fantasias e se concretizar na realidade.



Voar como os pássaros, nadar e mergulhar como os peixes, fazer túneis como os tatus e outros animais são entre outras coisas , desejos do homem. Muitos desses desejos o homem vem conseguindo realizar relativamente bem.

Uma criança é capaz de ver numa caixa de fósforos ou em um pedaço de madeira, um carro, um revólver ou uma espada, dependendo do seu desejo e da sua capacidade de fantasiar. Podemos ler um livro que não possua fotos ou figuras e imaginar em nossa mente todo o cenário, as personagens e seus movimentos. Às vezes as situações e as imagens criadas pela nossa imaginação se tornam mais interessantes do que assistir a mesma estória num filme. Certas vezes a nossa imaginação cria situações e fatos que não existem na realidade.

O mundo da fantasia cria obras de arte, peças de ficção, descobertas científicas e, entre outras coisas, pode também levar as pessoas a experimentar grandes decepções e até grandes catástrofes. Algumas vezes, fortes amores, belas amizades e grandes negócios, pelo excesso da nossa imaginação fantástica, se desmoronam subitamente, deixando-nos na rua da amargura.

Quando a fantasia enfraquece ou supera a realidade o homem pode experimentar situações delirantes e alucinatórias. Sua capacidade de interpretação dos fatos reais pode ficar parcial ou totalmente alterada. É comum ver-se naquilo que se convencionou chamar de doença mental, situações desse tipo.

É interessante notar que nas alterações mentais, algumas funções do cérebro podem se encontrar diminuídas e outras aumentadas. Certas funções podem estar radicalmente invertidas em relação aos seus objetivos específicos.

Nas alterações mentais, que alguns rotulam de Esquizofrenia, parece que a função integradora do cérebro não consegue mais atuar. É como se fosse uma vidraça que, quando inteira, pode ser identificada como tal; e quando estilhaçada, parece mais com um monte de pequenos pedaços de vidro, separados uns dos outros, que já não perecem mais com uma vidraça. Esquizofrenia vem do grego (skhizos=fendilhamento + frenos=mente) e significa “fendi1hamento ou estilhaçamento da mente”. Esse processo também pode ser chamado de Comportamento Reativo Dissociativo (CRD).


No cérebro existem “centros de integração” de diferentes funções, que são os responsáveis pela combinação coerente dessas funções. Seu papel é coordená-las e apresentar um produto final compreensível, integrado, ou como costumamos chamar, normal.

O que conhecemos como “loucura” é o transtorno desse trabalho integrador, que pode estar presente em maior ou menor grau e que pode ser refletido no comportamento do indivíduo.

Costumamos chamar de Psiquismo a uma complexa rede de fenômenos subjetivos que ocorrem no cérebro. Como as funções cerebrais, desde as mais grosseiras até as mais sutis, se encontram intimamente associadas, as desordens do psiquismo podem apresentar as mais variadas combinações e surgirem de diferentes formas na superfície do comportamento.

LINGUAGEM

Ao nascer, um bebê é capaz de ouvir e identificar as nuances entre fonemas de todas as línguas. Entre o sétimo e o décimo mês de vida, porém, os sons articulados pela criança já correspondem a fonemas da língua materna. “Com 1 ano de vida, a criança perdeu muito a capacidade de identificar sons diferentes dos de sua língua nativa”. Os bebês ficam como que surdos para sons ausentes de sua língua familiar. Na medida em que os circuitos neurais vão-se ligando, para, por exemplo, a língua portuguesa, a criança tem menos facilidade de identificar fonemas característicos de outras línguas.
Encontra-se assim a explicação para a dificuldade de se adquirir uma segunda língua sobretudo após os 10 anos de idade. (...) Até o terceiro ano de idade, a facilidade na aquisição de línguas estrangeiras é até quatro vezes maior do que entre os adultos.(...) Cientificamente, portanto, está provado: é mais fácil começar a aprender um idioma estrangeiro na primeira infância.
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MÉTODO MIRQ: NOVOS CONCEITOS SOBRE CÉREBRO, MENTE E COMPORTAMENTO

Sinalização: Código Inconsciente


Já falamos sobre sinalizações, conceito que vai nos ajudar a compreender o comportamento reativo.

Dissemos que os transtornos do psiquismo podem ou não passar para o comportamento. Enquanto essas desordens são leves, o cérebro pode suportá-las e manter o equilíbrio interno (homeostase cerebral). Se as pressões que causam as desordens continuarem aumentando, o cérebro vai “cansando” e o psiquismo começa a falhar. Essas falhas podem acontecer durante um tempo mais ou menos longo, dependendo de cada indivíduo, da natureza e da intensidade das causas que as originam.

Chamamos de sinalização ao aparecimento dessas falhas no comportamento e que se originam do psiquismo: vêm em código complexo e não são muito fáceis de compreender pelos familiares. A dificuldade de detectá-las está no fato de se mostrarem camufladas, sutis, como se fossem “mensagens secretas” de difícil interpretação. Na realidade são sinais que mostram que algumas dificuldades estão ocorrendo no interior do psiquismo.

As sinalizações surgem quando há algum conflito psíquico gerado por situações carregadas de intensa emoção e que ficam “mal arquivadas” (engasgadas na memória). Com isso, se transformam em “focos de tensão” carregados de energia e que pelo seu acúmulo geram mal estar e precisam ser descarregados para não provocarem um aumento do desequilíbrio psíquico.

São códigos que procuram camuflar as emoções ou sentimentos contidos no conflito, substituindo-os por palavras, gestos ou ações que aparentemente nada tem a ver com o conflito original. Mas só aparentemente.

O ideal seria que os adultos aprendessem a perceber, interpretar e responder adequadamente a essas mensagens, para atingirem o objetivo da sinalização. Se não forem percebidas e respondidas a tempo, podem aumentar e assumir formas mais graves como: uso de drogas, comportamento anti-social, doenças psicossomáticas e até “doenças mentais”.

Essas sinalizações também podem estar relacionadas ao desenvolvimento normal do psiquismo individual. Ao desenvolver sua personalidade, a pessoa está sujeita a adaptações ao mundo real, ou seja, ela não pode satisfazer todos os seus desejos, nem concretizar grande parte de suas fantasias. É necessário que ela vá aprendendo a combinar e dividir suas necessidades internas com as necessidades e direitos das outras pessoas.

As “birras” na criança são o exemplo mais freqüente de sinalização, muitas vezes não compreendidas pelos pais e respondidas com punições e castigos. Lidar bem com esse processo permitirá a convivência sócio-familiar equilibrada. Essas adaptações ao longo da infância e adolescência podem ser reações internas normais de resistência ao desenvolvimento para o estado adulto, isto é, fenômenos naturais de socialização para o convívio normal na vida adulta.

Sinalizar é mostrar reação ou resistência na evolução do desenvolvimento normal do psiquismo para o estado adulto, mas pode ser também o início de uma formação reativa do comportamento (Comportamento Reativo).

Instalando o Radar


Para que uma mensagem exista é preciso que alguém a transmita (criança ou adolescente); para que ela seja recebida é necessário que alguém a perceba, interprete, compreenda e responda (pais ou substitutos).

Em todos os casos, seja de doenças mentais graves, seja de problemas de comportamento em um dos membros da família, a sinalização esteve presente sempre. O comportamento reativo só se estabelece após um certo período de sinalização.

Um grande número de pais e educadores não consegue lidar bem com essas mensagens do psiquismo que são sinalizadas dessa forma. São muito comuns as seguintes expressões: “o meu filho está muito travesso”, “ele anda meio calado”, “é birrento que só vendo”, “anda brigando muito”, “está péssimo na escola”, “pode estar se drogando”, “está numa fase insuportável”, etc.

Em capítulos anteriores comparamos o cérebro humano com um computador e dissemos que o psiquismo representa o conjunto integrado do funcionamento cerebral.

Quando um psiquismo (da criança ou adolescente) tenta se comunicar com outros psiquismos (pais ou educadores), com os quais mantém algum tipo de convivência ou afeto profundo, mais secretos e sutis se tornarão os códigos de transmissão (sinalizações). Maior dificuldade haverá para compreende-los.

Recebendo e compreendendo as Mensagens


A convivência humana não é tão fácil como se costuma imaginar. A nossa comunicação existe não apenas para trocar informações, idéias, fazer negócios, contar estórias, etc.

Os nossos sentimentos, desejos, valores e princípios precisam ser comunicados às outras pessoas. Temos também as mesmas necessidades de ouvir dos outros algumas mensagens para que possamos nos sentir amados, considerados, integrados ao grupo social.

Se pensarmos um pouco, vamos descobrir que os atributos mais refinados da vida psíquica estão fortemente marcados por um caráter socializante. Os sentimentos, princípios e valores, por exemplo, estão sempre dirigidos para alguém ou para alguma situação que está situada do lado de fora da gente. Logo, vamos chegando a conclusão que, o que se encontra fora de nós é tão importante quanto aquilo que sentimos dentro de nós.

Ouve-se falar muito que a vida anda tão agitada, tão estressante, que sobra pouco tempo para a nossa própria vida interior, para a nossa vida familiar e mesmo para pensar nos problemas sociais, isto é, nos outros.

Somos levados a acreditar que não podemos desperdiçar nosso tempo com essas bobagens. Precisamos utilizá-lo para alcançarmos objetivos bem mais valiosos como: ganhar dinheiro (o poder econômico), controlar a vida dos outros (o poder político) e sermos famosos (alcançar o prestígio, sucesso ou glória). Vamos lembrar de algumas frases bem conhecidas: “tempo é dinheiro”, “só manda quem pode”, “quem é bom já nasce feito”. Todas falsas.
Todos já devem ter experimentado as seguintes situações:

 Queremos expressar um sentimento para uma pessoa e sentimos medo da reação dela. Resolvemos guardar esse sentimento (reprimimos).
 Queremos expressar um pensamento para uma pessoa e ficamos na dúvida. Resolvemos guardar esse pensamento (reprimimos).
 Queremos ter um gesto afetivo para com uma pessoa e ficamos constrangidos na hora. Resolvemos guardar esse gesto (reprimimos).

Muitas das vezes nós guardamos nossas emoções, nossos pensamentos e nossos gestos. Aprendemos a fazer isso desde pequenos porque tememos que nos rejeitem ou nos machuquem. Não conseguimos sintonizar (relacionar com espontaneidade) na maioria das vezes. Você sabe por que ?

Da mesma forma que precisamos descarregar (colocar para fora) toxinas que irão intoxicar nosso corpo pelas fezes, urina e suor, também nosso psiquismo precisa descarregar certas experiências que ficam mal resolvidas na emoção. Nosso departamento emocional precisa estar com tudo bem resolvido, limpo, para nos sentirmos tranqüilos, felizes e comunicativos.

Já ouvimos falar de “metabolismo do corpo”. É um processo pelo qual nosso organismo absorve e incorpora determinadas substâncias que fazem bem ao corpo (anabolismo) e expele outras que poderão fazer-lhe mal (catabolismo).

Uma retenção de urina, de fezes ou de açúcar no sangue, poderá nos causar muitos incômodos ou nos levar mesmo à morte se não forem resolvidos. Da mesma forma abafar conteúdos emotivos no psiquismo sem a possibilidade de expressá-los, fatalmente nos levará á tensão e aos comportamentos reativos que poderão ser leves, médios ou graves.

Chamamos de “stress” ou estafa a uma sensação de sobrecarga ou cansaço não só no corpo mas também na mente. Queremos nos afastar de tudo e de todos, queremos paz e tranqüilidade, estamos sobrecarregados das tensões que acumulamos e não descarregamos .

Já sabemos que todas as nossas experiências de vida são guardadas de forma emotizada (impregnadas de emoção). A diferença em arquivar na mente informações com emoções bem resolvidas ou mal resolvidas, está na capacidade de cada um em lidar adequadamente (elaborar) com as emoções. Ou seja, não abafá-las e guardá-las de qualquer jeito, não “engolir sapos”. Como fazer isso se aprendemos e passamos grande parte da vida reprimindo quase tudo ?

Essa repressão continuada acaba por manter o psiquismo sob tensão, permitindo a formação dos comportamentos reativos que nada mais são do que cargas de tensão emocional imperfeitamente armazenadas ou mal-resolvidas.


Relação de Qualidade


Mais um conceito utilizado para a compreensão do comportamento reativo é a Relação de Qualidade. Ela nada mais é do que a capacidade de captar interpretar, compreender e responder às sinalizações ou às manifestações do comportamento reativo.

(respondendo aos códigos)

Uma das maiores frustrações do ser humano é não se sentir compreendido ou não conseguir se fazer compreender. Quando uma criança ou um jovem está vivenciando dentro de si situações de sofrimento (sentimento de abandono, de medo, de insegurança), ela irá tentar primeiro se controlar, até atingir determinado limite. Depois terá que expressar (sinalizar) essas tensões de alguma forma. Se essas tensões não forem aliviadas, as sinalizações irão se tornando cada vez mais fortes até que se instale um verdadeiro comportamento problemático (reativo).

Comparamos a progressão do comportamento reativo com a imagem de uma panela de pressão. Enquanto a temperatura e a pressão são leves, nada se ouve. Depois de um certo tempo ela começa a “chiar” (sinalizações iniciais); esse “chiado” vai aumentando (sinalizações médias); se, por algum entupimento, a pressão interna continuar aumentando, o excesso de pressão sairá com bastante ruído pela válvula de segurança (sinalizações fortes). Se a válvula de segurança não funcionar e a pressão continuar aumentando, acabaremos ouvindo uma explosão que poderá nos assustar ou nos machucar (comportamento reativo grave).

Nas pessoas sujeitas a essas condições poderia ocorrer, comparativamente, uma “implosão” (suicídio, formas graves de doença mental) ou uma “explosão” (homicídio, comportamento destrutivo, agressões). A forma mais simples de prevenir essas situações é aprender a responder adequada e qualitativamente às primeiras sinalizações.

Vamos voltar a observar alguns textos produzidos por pré-adolescentes, onde já se nota um clima propício ao desenvolvimento de um comportamento reativo intra-familiar:
1º - Meu pai, esse ausente.
Meu pai é bravo e quando ele fica com raiva de alguma pessoa, ele desconta em mim e no meu irmão.
Agora, no mês de agosto, é o meu aniversario. Como ele não gosta de festa, falou que não vai fazer uma, porque eu não mereço.
Minha mãe é que, agora, está fazendo tudo.

2º - Meu pai, um amigo ?

Meu pai é uma pessoa que sabe me compreender, me escuta em todas as horas e também dá suas opiniões. Ás vezes ele é um pouco tímido para conversar comigo, por isso que de vez em quando nosso relacionamento não fica bem. Mas, apesar de tudo, acho que nosso relacionamento é bom, mesmo sendo um homem.

Mesmo eu tendo um bom relacionamento com ele, me abro mais com minha mãe, porque é mulher e já passou por tudo isso.
Meu pai não é meu melhor amigo, mas é meu grande companheiro.

3º - Meu pai, um ausente.

Bem, eu já falei várias vezes que o meu relacionamento com o meu pai não é bom. É um ignorante, mais é o meu pai também e sou grata a ele por estar aqui hoje.

Com o meu pai não dá para conversar seriamente. Quando ele está em casa sempre bebe alguma bebida alcoólica e, quando vou puxar conversa com ele nessas horas, sempre perco o meu tempo.

Já com os meus irmãos “homens” é sempre mais fácil e também mais novos, é bem diferente do que com ele. Eu sempre digo: para os filhos mais novos os pais têm mais atenção, mais carinho. A gente, mais velha, fica no prejuízo de carinho, amor, compreensão.

Eu, como sou mulher, tenho mais facilidade de me relacionar com a minha mãe. Ela me compreende, ela conversa seriamente e dá carinho. Mas, pai é pai e eu não posso me queixar.

4º - Meu pai, este ausente.

Meu pai é como se não existisse. A única pessoa que existe para ele é a minha irmã mais nova e prá falar a verdade é um horror ter irmã mais nova.
Eu só existo quando ele quer alguma coisa, mesmo assim não sabe pedir com educação.

Mas ele tem o seu lado bom. Nunca me deixou faltar nada, tenho quase tudo o que quero.
Ele é uma pessoa muito antiga, ele esqueceu de evoluir de acordo com a geração.
Tudo que acontece de errado em casa sou eu quem fiz, menos a minha irmã.
Eu espero que ele mude e que ano que vem, mude não só de vida mas tudo o que faz, tem e decide hoje, para que a gente viva feliz.

Obrigado pela atenção !


5º - Meu pai, um amigo ?

Acho o meu pai um amigão. Conversa, conversa muito comigo: até me dá palpites.
Meu pai trabalha muito: quer sempre nos ajudar. Chega cansado do trabalho e vai logo para o banho; depois sai para descansar. Assiste muita televisão conosco, até joga baralhinho.

Nos leva a muitos lugares, nos leva a muitas viagens. Lá, passeia muito conosco, sempre sendo um amigo.


O que eu gostaria, era que meu pai bebesse menos. Meu pai é um amigo. Até que às vezes ele briga comigo. Mas, será que meu pai é um amigo ? Sim, acho que sim. Deve ter feito isso porque eu fiz algo de ruim.

Sim, meu pai é um AMIGO.

Alô....entendi. Câmbio!

Toda criança e todo jovem acredita que, o que eles sentem ou pensam são as experiências mais importantes do mundo. Se esses conteúdos são muito valorizados por eles, eles acreditam que também devem ser muito importantes para nós. Se isso não acontece e se repete sempre, eles podem se sentir rejeitados, abandonados ou, mesmo, agredidos. Portanto, devemos ouvi-los, compreendê-los e ter respostas satisfatórias para eles.

Vamos voltar ao exemplo que comentamos anteriormente sobre Pedro e Carlos. O primeiro nascido sob as mais precárias condições materiais e com família desestruturada; o segundo gozando das melhores condições materiais, mas sem a devida atenção afetiva dos pais. Precisaríamos conhecer com detalhes as situações vivenciadas por cada um, dentro de suas famílias. Mas vamos arriscar uma opinião: provavelmente nenhum deles teve suas necessidades emocionais supridas pela família.

Devem ter sinalizado muito e não receberam respostas; apresentaram um comportamento reativo e não foram compreendidos a tempo. Pesquisas com crianças e jovens de diferentes classes sociais, inclusive com menores infratores, demonstram a importância que tem a Relação de Qualidade no desenvolvimento equilibrado do psiquismo humano. Podemos também chamar a Relação de Qualidade de Reinstalação da Sintonia Familiar.

É comum se verem cortadas as relações de suprimento material nas famílias pobres. A injustiça social se reflete em milhões de casas e não permite que os pais supram seus filhos com as condições básicas para a sobrevivência: comida, roupas, escola, saúde, etc. Nessas circunstâncias, outras condições básicas como proteção, afeto e carinho, podem mesmo ser consideradas como “supérfluas” por esses pais. Em famílias com as condições materiais supridas é comum ser esquecido e relegado a segundo plano aquilo que denominamos de Sintonia Afetiva, isto é, o contato afetivo e espontâneo com os filhos.

Para efeito prático, vamos esquematizar como seria uma boa e uma má relação:

Relação Ativa: a Boa Relação

a) A criança ou jovem emite sinais em código, esperando respostas adequadas. O adulto (pai, mãe, educador) sinaliza que recebeu. Dialoga para compreender. Pensa com interesse para interpretar (decodificar). Responde, segundo sua interpretação, tentando atingir o alvo da pergunta (sintonia afetiva).
Exemplo:

Rose é uma menina de sete anos. Seus pais viajaram e voltaram depois de uma semana. Rose ficou com sua avó durante esse período. A avó telefonou três vezes para comunicar que Rose andava meio triste com a ausência dos pais e sempre perguntava quando eles iriam voltar.

No momento do reencontro com os pais, Rose perguntou: “Vocês trouxeram presente prá mim ?” Os pais responderam: “Trouxemos sim, mas antes queremos te dar um abraço e um beijo porque estamos com muita saudade e gostamos muito de você.”

Comentário:
Os pais atingiram o alvo porque a pergunta de Rose foi recebida, decodificada, compreendida e respondida plenamente.

A pergunta feita: “Vocês trouxeram um presente prá mim”, na linguagem afetiva, foi interpretada para: “Vocês sentiram saudades de mim ?”, “Vocês gostam de mim ?” ou “Eu sou importante prá vocês ?”.

O código na pergunta de Rose estava disfarçado (exclusão do sentimento de saudade) e dirigido para um “presente” que queria receber; na realidade, o verdadeiro presente que queria receber era um “presente afetivo”, representado pelo amor , pelo carinho e pela atenção dos pais. Nem a avó conseguia suprir essa necessidade do psiquismo de Rose.


Relação Reativa: a Má Relação

a) A criança ou jovem emite sinais em código esperando respostas adequadas. O adulto (pai, mãe, educador) não percebe os sinais; se percebe não compreende, não consegue interpretar e nem responder. Se responde desajeitadamente para se livrar do incômodo, pode mostrar desinteresse, irritação ou pode mentir, pode criticar, repreender ou mesmo punir a criança ou jovem que estava simplesmente querendo entrar em sintonia afetiva.

Tomemos o mesmo exemplo de Rose para ilustrar este caso. A estória é a mesma e a pergunta é a mesma. Os pais podem ter respondido assim:

1ª hipótese: Os pais não notaram a presença de Rose e cumprimentaram sua avó. Apressadamente foram para o quarto desarrumar suas malas, onde não havia sequer um pequeno presente, uma lembrança. Rose continuou só.

2ª hipótese: Perceberam a presença de Rose e, apesar das insistentes perguntas sobre o “presente”, mostraram desinteresse e resolveram contar para a avó os acontecimentos “mais importantes” da viagem. Rose não insistiu mais e ficou quieta, desapontada.

3ª hipótese: Os pais ouviram e, irritados, responderam “...que presente menina ? Nós não tivemos tempo nem dinheiro para pensar nisso. Ajuda a pegar as malas.” Rose disfarçou um sorriso amarelo e ajudou os pais.
4ª hipótese: Os pais responderam: “O que é isso...? Você é uma mocinha, quem ganha presente é criança.” Rose ficou embaraçada.

5ª hipótese: Os pais repreenderam: “Rose, você não perde a mania de só pedir, pedir... que menina interesseira !” Rose ficou assustada e foi para o seu quarto chorar.

Comentário:
Rose não conseguiu o contato com seus pais. É um exemplo de milhões de crianças e jovens de diferentes classes sociais que não conseguem experimentar na família a mais elementar das necessidades humanas - o amor. Poderá no futuro engrossar a fileira dos adultos frios, egoístas e calculistas. Será provavelmente uma mulher despreparada para a nobre função de amar e educar.

A Relação de Qualidade quando bem compreendida e satisfatoriamente empregada pode atenuar ou evitar efeitos do Comportamento Reativo.


Amor, Identidade e
Cultura Humana


Quais as relações que poderiam existir entre o indivíduo, sua família e sua cultura ? Só quem conviveu com índios ou com sociedades naturais por alguns anos é que consegue iniciar a compreensão dessas relações de causa e efeito.
São tão importantes as conclusões tiradas dessas observações que, até hoje, elas têm servido de centro provedor para novas idéias e conclusões sobre o comportamento individual, grupal e social.

Se os índios não conseguiram desenvolver-se científica e tecnologicamente como nós, em contrapartida eles conseguiram, talvez de forma intuitiva, a grande façanha de conhecer e praticar a mais desenvolvida forma de convivência humana de que se tem noticia até hoje.

A forte integração do psiquismo individual dos índios é o resultado da sua organização familiar e cultural. Tão equilibrada e funcional que certamente causaria inveja aos mais ilustres teóricos do socialismo, aos cientistas políticos, aos grandes economistas e, sobretudo, aos mais consagrados psiquiatras e psicanalistas.

Entre nós, os civilizados, detentores da alta tecnologia e do conhecimento científico, os segredos da convivência continuam desafiando a nossa inteligência e criatividade. A desintegração no âmbito familiar e social se reproduzem sem parar, tanto nos países ditos de primeiro mundo quanto nos considerados países pobres.

Não é o conhecimento tecnológico, nem o científico, nem a riqueza e nem as religiões que conseguem promover a integração individual e social. Há quatro mil anos, quando a civilização se iniciou, temos alimentado a ilusão de estarmos a caminho do progresso e do desenvolvimento.

Somos observadores diretos desses fatos através das manchetes dos jornais e das televisões que noticiam diariamente, em todos os países, acontecimentos como guerras, crimes, dramas familiares, corrupção, mentiras, boatos e tragédias.

Às vezes, dá para pensar que um indivíduo esquizofrênico é o produto final de uma família esquizofrênica, que adoeceu porque pertence a uma sociedade também esquizofrênica, que perpetua uma convivência social desintegradora.

Antigas lembranças da Escola fazem-nos voltar aos sete anos de idade e ouvir da professora de Ciências a seguinte frase: “O corpo humano se divide em três partes: cabeça, tronco e membros.” Essas são as primeiras experiências desintegradoras que a Escola nos oferece; embora esse registro fique gravado em nossa memória, sabemos que não estamos esquartejados, que formamos um conjunto só. Só conseguimos viver e conviver se nos sentirmos inteiros e com alma.

Isso nos faz lembrar do caso de Rose. Se Rose existisse e se seus pais desajeitados entendessem a importância de construir sua personalidade com as habilidades do Diálogo, Atenção, Compreensão e Amor, ela seria a outra Rose – a que recebeu um abraço e um beijo.


Amor e Identidade


Uma personalidade integrada é o resultado de uma personalidade forte, que é o resultado inevitável de uma convivência sintônica dentro e fora da família.
Podemos afirmar que o Amor nutre e fortalece a Identidade, que ajusta e equilibra a personalidade do indivíduo. Ilustrando num esquema poderia ser assim:

É lógico pensar que o sentimento de amor seja mais intenso e esteja mais vinculados às pessoas com as quais se convive de perto. São os filhos, o cônjuge, o namorado, o noivo, os pais e os parentes.

Os sentimentos de amizade, companheirismo ou camaradagem poderiam ser entendidos como variantes menos intensas do amor. Poderiam servir para substitui-lo temporária e precariamente nos momentos de solidão. Serviriam também para ampliar relações sociais e de lazer.

Outras formas de amor como a generosidade, a solidariedade, a bondade e o altruísmo, servem para reproduzir interna e externamente os efeitos integradores dessas formas de amor e propiciar um clima sintônico favorável.
Há pessoas que acreditam que o amor não deve ser manifestado com freqüência porque se desgasta pelo uso e vai diminuindo como se fosse um pedaço de giz; ou porque pode ser mal interpretado e ridicularizado, atingindo a nossa imagem de pessoa “forte”.

Certo ? Errado !!! Quanto mais se exercita, mais ele cresce; quanto mais manifestamos mais fortes nos sentimos. É como um bom poço: quanto mais água tiramos, mais água aparece.

Já dissemos que o Amor é o alimento principal da Identidade. A maioria dos pais e educadores valoriza a educação formal, o vestuário, a higiene pessoal, o exercício físico e intelectual dos filhos. Grande parte esquece de prepará-los para a vida e para a convivência, isto é, para serem felizes, subvalorizando a importância do desenvolvimento da sua personalidade como cidadãos de si próprios e da sociedade.


A Identidade parece
com uma Cebola

Observando os índios culturalmente puros não conseguimos perceber a existência de comportamento reativo entre eles. Curiosamente eles não necessitam de instituições como as nossas para viverem e conviverem socialmente.

Nunca vemos um índio puro (sem contato com civilizados) envolvido em crimes, uso de drogas ou prostituição. Não se vê mendigos ou pobres entre eles. Procuramos mas não conseguimos encontrar indivíduos neuróticos ou psicóticos nas aldeias. Ladrões, estupradores, assaltantes, pervertidos, crianças e velhos abandonados, homicidas e suicidas também não são encontrados.

Na sua organização política vemos apenas chefes que não dão ordens porque não precisam dar.
Não existem senadores, deputados ou vereadores. Não há desembargadores, juizes, promotores ou advogados.
Não possuem quartéis, nem generais, nem soldados. A Marinha deles está representada por suas canoas. O Exército, por seus arcos, flechas e bordunas, que só são usados para caçar. A Aeronáutica são os pássaros que sobrevoam sobre a aldeia.
Não encontramos nada escrito: nem Constituições, nem Códigos Civis ou Penais, nem Códigos de Direitos Humanos. Não há nada escrito que proteja as crianças e os adolescentes. Não há documentos que protejam os animais, as plantas e o meio ambiente. Não há índios ecologistas ou guardas-florestais.

Penitenciárias, delegacias de polícia, cartórios, tribunais, institutos médico-legais, procons, também não existem. Não possuem templos, igrejas, sinagogas, catecismos, evangelhos, livros sagrados, ateus e fanáticos. Nem Deus existe entre eles ! Pecados e blasfêmias, céus e infernos, limbos e purgatórios, santos e demônios. Nada...não existe nada...!

Vai-se ficando cada vez mais decepcionados e confusos com tanta falta. E nós que estamos acostumados com tudo isso...!

Tentamos procurar entre eles as instituições de caridade, as instituições científicas, escolas e universidades, hospitais, clínicas e ambulatórios. Nada...não encontramos nada !!!

Músicas ouvimos, danças vemos, rituais religiosos assistimos, produtos agrícolas, caça e peixes comemos. Falam pouco, riem muito, banham-se alegremente no rio, trabalham para viver e não acumulam. Praticam esportes diferentes dos nossos, cantam e têm onde morar.

Sempre bem nutridos. É difícil ver um índio obeso ou magricela. Namoram, casam e têm poucos filhos, mas nenhum é abandonado e nada existe escrito sobre o controle da natalidade.

Os pajés ou xamãs representam e acumulam funções de saúde mental, religiosidade, mundo mágico e medicina do corpo, mas não têm templos ou clínicas.
A poluição das águas está transformada nas vitórias-régias, nos peixes e na limpidez do rio. O ar sempre está contaminado dos odores das plantas e das flores. A terra sempre está saturada de floresta. A impressão geral que se tem é a de que estão todos protegidos e tudo resolvido.

Basta apenas caçar, pescar, plantar e fabricar utensílios e alimentos indispensáveis para a vida. O resto do tempo está reservado para viver e conviver tranqüilamente dentro dos limites da paz, do respeito e dos interesses mútuos. Suas arengas e intrigas são dissipadas pelos anciãos do clã e em pouco tempo esquecidas.

No início dá para sentir uma grande monotonia, uma saudade da “selva de pedra”, dos conflitos, do ruído do trânsito, das chaminés negras e, por que não confessar, da grande confusão do mundo civilizado e do grande conforto que ele proporciona aos privilegiados como nós.

Com o passar do tempo vamos nos acostumando e nos adaptando à paz e à harmonia deste lugar. Começamos a entender tantas coisas que não conhecíamos e a ficar perplexos com outras tantas coisas que ainda não conseguimos entender. Há coisas que ficam relativamente claras, mas que ainda merecem muita reflexão.

Vamos voltar novamente ao tema do Comportamento Reativo e mais particularmente, à importância da Identidade no equilíbrio do psiquismo.
O fato de ser difícil detectar o comportamento reativo entre os índios e, ao mesmo tempo, constatar uma sólida formação na personalidade deles, um claro equilíbrio na sua vida familiar e uma grande paz e harmonia na vida social, nos deixa certamente muito curiosos.

Observando a vida indígena, estudando trabalhos de antropólogos, etnólogos e ouvindo a experiência de pessoas que conviveram durante muitos anos entre eles, começamos a entender o “porquê” de algumas diferenças entre nós e eles.
Sobre a formação da identidade deles, podemos obter algum avanço que nos faz ampliar o pensamento sobre esse assunto.

Pode parecer até ridículo, mas vamos escolher uma cebola para modelo comparativo em relação à Identidade, porque ela é constituída por várias camadas e vai facilitar a nossa compreensão.
No centro de todas as cebolas existe o “germe” ou “gêmula”, que é o núcleo do qual se originará um dia a planta adulta. Protegendo a “gêmula” existem várias camadas que vão se sucedendo até chegar na casca, mais fina, que é a última camada.

É possível que muitas pessoas ainda acreditem que a Identidade Individual seja a única identidade existente.

Percebemos no índio que a sua identidade individual está protegida e representada pela família biológica (identidade familiar biológica); também por outra camada, representando a sua “família extensa” (identidade familiar extensa); por outra, representando a sua linhagem de origem ou clã (identidade do clã); por outra, representando seu grupo tribal (identidade tribal); outra ainda, representando a reunião dos grupos tribais (identidade da cultura da nação).

A organização familiar e social dos índios é diferente em muitos aspectos da nossa. Vamos tentar dar uma idéia genérica e simplificada, pois cada nação ou cada grupo indígena pode apresentar diferentes formas de organização. Tomemos como exemplo uma criança ou um jovem índio, para entendermos como a sua identidade funciona em relação ao grupo como um todo:

Identidade individual  o próprio índio com seu nome.

Identidade da família biológica  pai, mãe e irmãos biológicos.

Identidade da família extensa  pai, mãe, irmãos, avós, tios e tias, cunhados e cunhadas, primos e primas, etc.

Identidade da linhagem de origem ou clã
todos os parentes da mesma linhagem.

Identidade tribal todos os clãs que compõem a tribo.

Identidade da nação  todas as tribos que apresentam traços culturais semelhantes.

As sociedades indígenas são as únicas sociedades humanas que possuem a “família extensa”, o clã, a cultura tribal e a cultura da nação, tudo muito próximo e fácil de contatar.
Numa mesma habitação coletiva, separados por pequenas divisórias, podem morar além das criança, seus pais, seus irmãos, seus cunhados e cunhadas, seus primos e primas, seus sobrinhos e sobrinhas, etc. Como moram juntos e convivem juntos, esse grupo é denominado de “família extensa”.

Uma criança ou jovem, vivendo dessa maneira, tem maiores probabilidades de contato e socialização. Sua identidade fica mais fortalecida pela proximidade com diferentes figuras parentais. Se as relações da família extensa forem de boa qualidade (e normalmente são), quem sai ganhando é a criança ou o jovem que convive dessa maneira.

Se saírem da habitação irão encontrar outros parentes que pertencem ao mesmo clã. Circulando pela tribo, encontrarão outros indivíduos que apresentam as mesmas características da sua família extensa. Se visitarem outras tribos da mesma nação, encontrarão hábitos e costumes semelhantes aos da sua tribo. Todas essas facilidades de contato familiar e social, desde a formação do feto até a vida adulta, proporcionam ao índio muitas vantagens na proteção e desenvolvimento da sua identidade e resulta na formação de uma personalidade organizada e forte.

Quando isso fica claro para nós, passamos a não mais estranhar o comportamento e os costumes dos índios. Pessoas calmas, alegres, fortes, generosas e sem ambição. Bem integrados na sua cultura. O comportamento reativo não é um problema para eles, pelo seu próprio modo de vida e pela organização sociocultural que desenvolveram intuitivamente.

No nosso caso civilizado, infelizmente, perdemos várias dessas camadas de proteção da identidade. Não possuímos mais as vantagens que traz a “família extensa” e o modelo cultural com suas interligações bem estruturadas. O que poderia guardar semelhança com a organização de clã ou de tribo, desorganizou-se com o processo civilizatório.
Nossa identidade de nação (identidade nacional) continua se desbotando pela falta de patriotismo e individualismo crescentes. Só restam poucas lembranças da nossa identidade nacional. Elas estão ligadas ao dia da independência, ao carnaval, aos festejos juninos, ao natal e às comemorações, quando os nossos atletas, artistas ou seleções esportivas, ganham alguns troféus ou medalhas. Nada mais.

Algumas famílias civilizadas não querem ter filhos, outras adotam crianças e muitas possuem tantos filhos que não conseguem alimentá-los, protegê-los e educá-los.
Animais como gatos e cães entre nós, muitas vezes, recebem melhor tratamento do que nossas crianças. A média de duração dos casamentos entre nós tem diminuído e as separações aumentado. Famílias se trucidam e se agridem com freqüência. A miséria, a violência e a insegurança aumentam enquanto os nossos governantes, impotentes, fazem discursos e se acusam mutuamente para novamente alcançarem o poder. As soluções não aparecem na prática do dia-a-dia.

Chegamos a conclusão que estamos reduzidos à família biológica, isto é, pais e filhos, como única camada de proteção para a nossa identidade. E, se uma identidade forte constrói uma personalidade sadia e bem estruturada para a vida social, dependemos apenas da nossa família biológica para nos proteger. Podemos apresentar um Comportamento Reativo (problemático) se ela não funcionar bem e, nesse caso, o nosso futuro como cidadãos continuará ameaçado.
Sabemos que a família é a célula do tecido social. É dentro dela que nascemos e crescemos. É dentro dela que nossos filhos, netos e bisnetos nascem e crescem.
Nossa família biológica não mais dispõe de uma rede sociocultural bem desenvolvida e integrada. Ela terá então que encontrar formas alternativas para conseguir desempenhar normalmente suas funções de proteção, educação e socialização dos indivíduos, até que outras soluções apareçam para lhe dar apoio.

A Personalidade e
suas múltiplas faces

Já vimos que o amor, o afeto, a segurança e o carinho cultivam uma boa Identidade e que esta facilita a estruturação da Personalidade. O termo personalidade distingue o caráter, a qualidade moral, a diferença de um indivíduo em relação aos outros. Cada personalidade é como um carimbo particular, único e insubstituível. É como uma impressão digital que identifica a pessoa.
É o conjunto de atributos físicos, morais, religiosos, psicológicos que configura o comportamento do indivíduo.
Cada personalidade se origina do conjunto de experiências que o indivíduo vai adquirindo na sua estória de vida. O Psiquismo é um possante programa que percebe, combina, fantasia, retém, elabora e transmite múltiplos elementos aprendidos na família, na cultura e através do livre arbítrio e das experiências pessoais.
Dizemos que conhecemos a personalidade de alguém porque conseguimos combinar várias características que estão presentes no comportamento daquela pessoa. Combinar e fazer uma síntese dessas características, nos dá a oportunidade de organizar uma impressão integrada de cada personalidade que conhecemos. Quanto maior for a convivência com essa pessoa, mais claro se tornará nosso conhecimento a respeito dela.
Podemos, para facilitar a compreensão, dividir em dois grupos essas características:

 Características Objetivas (cor da pele, estatura, timbre da voz, fisionomia, gesticulação, etc.)

 Características Subjetivas (humor, idéias, princípios, valores, sentimentos, etc.).

Combinando as características dos dois grupos, reconheceremos qualquer personalidade.

Uma personalidade para se expressar e ser reconhecida, necessita do comportamento para poder transmitir suas características para nós.

As características subjetivas se originam do psiquismo e, muitas vezes, não precisam aparecer em forma de linguagem falada. Chamamos de “dicas não verbais” a tudo aquilo que conseguimos perceber e entender, sem o uso das palavras.

Uma “cara feia” pode estar significando: irritação, raiva, ódio ou insatisfação. Uma “testa franzida” pode significar preocupação, dor ou intensa concentração. Um dedo polegar para cima pode subentender “positivo” e, para baixo, “negativo”. Um simples olhar pode indicar interesse, paixão, repreensão, tristeza, alegria, atenção, fome, desejo, fúria, etc. São muitas as “dicas não verbais’’.

Cada indivíduo possui sua própria personalidade e ela está sujeita às normas, variações e pressões do modelo familiar e cultural nos quais se situa e com os quais interage.
Foi a partir do ano de 1972 que, seguindo essa linha de raciocínio, iniciamos uma observação mais minuciosa do comportamento humano, através dos conceitos de Comportamento Ativo e Comportamento Reativo, ambos relacionados ao meio sócio-familiar e cultural, onde se situam os indivíduos.

Percebemos que as pessoas agem ou reagem frente a situações do meio ambiente externo (família, sociedade, cultura) e interno (psiquismo individual). Compreendemos que o intercâmbio entre esses meios é a forma singular da nossa existência e convivência e que a vida de cada um de nós circula entre esses dois pontos em busca de equilíbrio.

Comportamento Ativo e Reativo: reações humanas

Para entendermos como e por que uma personalidade se manifesta, somos obrigados a observar o seu comportamento. Já sabemos que o Comportamento Ativo é a conduta humana harmoniosa e equilibrada, que permite a convivência ativa e construtiva entre indivíduos e, destes, com o meio familiar, social e ecológico. E que o Comportamento Reativo, nos seus diferentes graus de intensidade, é a conduta humana reativa, isto é, insatisfeita e não equilibrada em relação ao meio interno (psiquismo), ao externo (família, sociedade, cultura) e à base que os sustenta (meio ecológico).

Existe uma semelhança entre o nosso corpo físico e a nossa personalidade na forma de reagir aos estímulos. O nosso corpo é munido de sensores capazes de distinguir o claro do escuro, o frio do quente, o doce do amargo, o ruído do silêncio, o aroma do fedor e o afago da dor. A nossa personalidade é capaz de discernir o certo do errado, a realidade da fantasia, o bom-senso do contra-senso, a generosidade do egoísmo e a alegria da tristeza.

Para simplificar nossa compreensão, vamos escolher três dos mais importantes elementos psíquicos que formam uma personalidade: os sentimentos, os princípios e os valores. Vamos ainda dividi-los em dois grupos: os sentimentos, princípios e valores positivos e construtivos e os sentimentos, princípios e valores negativos ou destrutivos. Os sentimentos, princípios e valores positivos estão sempre presentes no Comportamento Ativo da personalidade e os sentimentos, princípios e valores negativos ou destrutivos se apresentam com freqüência no Comportamento Reativo.

Uma personalidade bem desenvolvida e tranqüila costuma apresentar um Comportamento Ativo; uma personalidade intranqüila, confusa e insatisfeita, costuma se expressar através de comportamentos reativos. Assim como o nosso corpo físico reage às alterações e pressões do ambiente, o nosso corpo “extra-físico” (personalidade) reage, analogamente, às mesmas situações. Na verdade eles se complementam e são uma coisa só - um conjunto que age e reage. Se sentimos muito frio, procuramos nos agasalhar para aquecer o corpo; se nos sentimos enganados por alguém, reagimos no sentido de defender os nossos direitos.

Podemos concluir que os sentimentos, princípios e valores negativos de uma personalidade geram comportamentos destrutivos para dentro e para fora dessa personalidade. Por trás dos comportamentos reativos é comum encontrarmos sentimentos, princípios e valores como a inveja, o ódio, a mentira e a ganância. Por trás dos comportamentos ativos é freqüente descobrirmos sentimentos, princípios e valores, que geram para dentro e para fora situações construtivas. O amor, a generosidade, a solidariedade, a honestidade e o senso de justiça são alguns exemplos que mobilizam esse tipo de comportamento.

É fácil perceber que, enquanto os primeiros geram desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (nas relações socio-familiares), os últimos são fatores de harmonia e integração internos e externos.
Ora, se o meio social é o terreno das relações entre os indivíduos, a qualidade dessas relações é que vai determinar o aparecimento dos comportamentos ativos e reativos. Com isso, o meio social sofre alterações significativas para melhor ou para pior, configurando e reproduzindo os sentimentos, princípios e valores circulantes no modelo cultural. A qualidade desses conteúdos circulantes no meio ambiente social fecham o ciclo, estimulam comportamento ativos e reativos, que influenciam e sofrem influência nas situações de contato pessoal.

Observando os índios aprendemos que a Identidade é o fator de equilíbrio determinante para o indivíduo e para a sociedade Humana.

Os mais curiosos já devem ter observado que nada escapa ao homem sem que ganhe um nome. Tudo o que está ao redor das pessoas tem de ser identificado e nominado. Pessoas, vegetais, objetos, utensílios e toda e qualquer matéria viva ou morta está sujeita a identificação. Não existe nada na floresta ou na cidade que não tenha um nome.

Os índios valorizam tanto a identidade que, em alguns grupos indígenas, é comum as pessoas mudarem ou trocarem de nome uns com os outros. Um índio pode mudar de nome quantas vezes desejar durante toda a sua vida.

Alguns deles acreditam que essas mudanças lhes confira melhor imagem pessoal e, consequentemente, mais prestígio e admiração. Quando sentem que seu nome já está ficando velho trocam de nome para se sentirem mais novos e atraentes. Quem achar esse costume exótico, deve lembrar que entre os civilizados isso também ocorre.
Há pessoas que preferem ser chamadas por apelidos carinhosos (Betinho, Zezé, Guigui); outros usam apenas partes do seus nomes porque acreditam que soe melhor (Alex, Cris, Bel); outros ainda são identificados vinculando o seu nome com o da sua família, com a sua profissão, com seu local de nascimento ou, mesmo, com seus defeitos ou virtudes físicas (Zé dos Nogueiras, Pedro pintor, Chico mineiro, cego Aderaldo, Betão). Alguns artistas, grupos ou personagens trocam de nome por questões as mais diversas (Cartola, Paralamas do Sucesso, Chitãozinho e Xororó, Chacrinha, Zé do caixão).

Certas pessoas famosas dificilmente trocariam seus apelidos, que já se tornaram verdadeiras marcas, pelo seu nome verdadeiro (Pelé, Xuxa, Tande, Maguila): outros, mesmo achando seus nomes feios não conseguem trocá-los, desanimados pela burocracia e gastos que esse processo requer. Para se ter uma idéia da importância de denominar e identificar basta verificar o tamanho e o volume dos dicionários, enciclopédias e listas telefônicas. Até os dedos das nossas mãos possuem nomes diferentes. Toda obra artística ou literária tem que ter um titulo que a diferencie das outras.

Entre nós, os civilizados, o controle e comprovação da identidade tornou-se tão neurótico que, para nascermos, existirmos e morrermos oficialmente precisamos, além do nome, de: Certidão de nascimento, CPF, carteira de identidade, certidão da casamento, carteira de motorista, passaporte, carteira. profissional, atestado de óbito , etc.

Acabamos chegando a conclusão que a identidade é um fenômeno e uma necessidade próprios da natureza humana. Sua importância é tão profunda para nós que, nas doenças mentais graves, a perda do reconhecimento da própria identidade, significa a mais grave desorganização do psiquismo- a Despersonalização.

Mesmo nos sonhos a nas fantasias conseguimos com freqüência reconhecer e identificar as pessoas, os locais, as cores, os odores e os sentimentos com os seus respectivos nomes.

Podemos afirmar com segurança que a Identidade é o mais forte elemento da integração pessoal, que se exercita em três espaços distintos e simultâneos: o mental (psiquismo), o meio social moldante (família) e o continente mais amplo (sociedade). Nos três o homem vive e convive, bem ou mal, mas com sua identidade preservada.
Nessa linha de raciocínio, a loucura (comportamento reativo grave), pode ser compreendida como uma ruptura entre a identidade pessoal e o mundo sócio-familiar, que se instala com forte resistência em aceitar a realidade tal como ela é sentida: uma realidade de sofrimento e decepção onde a personalidade encontra dificuldade para adaptar-se.

Ora, se o ambiente social e familiar é o terreno das relações entre os indivíduos, a qualidade dessas relações é que vai determinar o aparecimento dos comportamentos ativos e reativos. Com isso, esses ambientes sofrem alterações significativas para melhor ou para pior, configurando e reproduzindo os sentimentos, princípios e valores circulantes no modelo cultural. A qualidade desses conteúdos circulantes no meio ambiente social fecham o ciclo, estimulam comportamento ativos e reativos, que influenciam e sofrem influência nas situações de contato pessoal.

Vamos tentar agora seguir as pistas do comportamento humano desde o aparecimento dos primeiros grupos sociais, até os nossos dias.

Perda da Integração Cultural:
A História da Solidão

Já dissemos que o nosso cérebro é dotado de funções refinadas. Não conhecemos quase nada sobre essas funções. Podemos supor, no entanto, que o conhecimento intuitivo (intuição) seja uma dessas funções. Acreditamos, também, que o instinto (ou o conjunto deles) tenha sido o precursor do conhecimento intuitivo.

É bem provável que o bom-senso tenha se desenvolvido e se originado do conhecimento intuitivo e se constitua no elemento-base (individual e social), isto é, na síntese e refinamento da capacidade de Interpretação.

Normalmente nós não precisamos pensar muito para usarmos o bom-senso. O bom-senso talvez seja uma aquisição antiga dos seres humanos desenvolvida há milhões de anos pelos nossos ancestrais, através das primeiras experiências instintivas.

O Homem sempre viveu em grupos. Podemos compreender que, assim como o Sistema Nervoso Central (cérebro e medula) integram e organizam todas as partes do corpo, o Modelo Cultural (a cultura) organiza os indivíduos em famílias, grupos e sociedades. Organiza também o psiquismo fortalecendo a identidade, equilibrando a convivência e harmonizando a vida social.

São as regras básicas (tradição, costumes, valores e sentimentos grupais) que permitem a vida em grupo. Sentimentos como: solidariedade, ética, generosidade, senso de justiça, etc., promovem a coesão do grupo e permitem a convivência harmoniosa entre os indivíduos.

O que chamamos de bom-senso é a capacidade que cada indivíduo possui em atuar de forma equilibrada em relação aos outros membros do grupo, evitando conflitos. A solidariedade entre os membros talvez seja o maior fator de coesão dentro do grupo. Esse sentimento, nas sociedades primitivas, permitiu o avanço e o desenvolvimento do homem.

O início do processo civilizatório provocou mudanças nos sentimentos, princípios e valores humanos com as disputas por prestígio, bens materiais e poder.



Os antepassados do Homem


Quando os antigos primatas (macacos) experimentaram os primeiros sofrimentos, pelos erros que cometiam, começaram a desenvolver melhor seus instintos para sobreviverem. Andar, fugir, lutar, comer, repousar, reproduzir, entre outras coisas, tiveram que ser aprendidas para manter assegurada a própria vida e a perpetuação da espécie. Como não podiam pensar, raciocinar e criar conhecimentos novos, dependeram durante muito tempo dos instintos como únicos recursos disponíveis.

Aprenderam logo que, andar em grupos, facilitava a sobrevivência e, daí, surgiu a forma mais arcaica de grupo social - o bando. Esse agrupamento facilitava a fuga, a segurança e a reprodução dos indivíduos. Em contrapartida, gerava atritos na hora de comer e de reproduzir.

Essa lenta aprendizagem foi mostrando que a associação em grupos, trazia vantagens e também desvantagens. Assim, foram surgindo as primeiras regras de convívio social, para que os indivíduos pudessem tirar melhor proveito da vantagem de se agrupar em bandos.

Essas primeiras experiências acorreram há aproximadamente 65 milhões de anos atrás. A continuidade dessa experiência que deu certo, resultou no fortalecimento dos instintos paternal e maternal, do instinto gregário (formação de bandos) e na socialização do instinto agressivo individual, permitindo maior tempo para a convivência com os filhotes. Os filhotes vivendo maior tempo perto dos pais e dos outros indivíduos, começaram a aprender mais rápido, através da imitação, a desenvolver melhor seus instintos e as regras de convivência do bando.

O afastamento prolongado, entre filhote e bando, passou a representar para o filhote, as primeiras sensações de insegurança desproteção e solidão. Quando vemos um filhote de qualquer animal agarrado firmemente às costas de sua mãe, podemos compreender o que isso significa. Quando um bebê chora, chamando para perto de si a presença, o calor, o carinho e o alimento materno estamos, de novo, assistindo a cenas que já se repetiram trilhões de vezes, desde épocas muito remotas.

Ficar longe do bando passou a significar para o indivíduo - pequeno ou adulto - um perigo e uma ameaça para a sua integridade física e psicológica.

Dizem alguns autores que um possível ancestral do homem - o Ramapithecus -, conhecido apenas por fragmentos dos seus dentes e mandíbulas, viveu há 14 milhões de anos. Provavelmente apresentava mais semelhanças com os primeiros homens do que com os macacos.

O Australophitecus viveu na África Central, Oriental e Meridional, há cerca de 2 milhões de anos. As primeiras formas mediam apenas 1 metro e vinte de altura, mas acredita-se que caminhassem eretas; as formas mais recentes utilizavam pedras toscas como instrumentos.
O Pithecantropus erectus viveu na Ásia Oriental há mais de 500 mil anos. Caminhava ereto e vivia do que caçava e colhia. Seus restos foram encontrados na África e na Europa.


O Homem cria a Civilização: o caminho para a Solidão

O homem de Cro-Magnon apareceu na Europa mais ou menos no meio da última glaciação, há cerca de 40 mil anos. Apresentava já todas as características do homem atual (Homo sapiens). O homem veio se transformando, aprendendo e aperfeiçoando suas normas de convivência, mas esses progressos o levaram sempre a ter que se defrontar com novas questões.

Até cerca de 9 mil anos atrás, todos as populações humanas viviam da caça e em sua maioria, da pesca também, suplementada pela coleta de frutos e amêndoas e pelo desenterramento de raízes e tubérculos.

É possível que, na primeira divisão do trabalho entre os sexos, ao homem coubesse a caça e à mulher, a apanha de alimentos. A vida dependente da caça e da coleta de alimentos, exigia que os grupos se conservassem reduzidos e vagueassem por extensões consideráveis de terra, para não exaurirem a vida vegetal e animal de uma região limitada.

Sendo nômades, esses grupos não construíam habitações permanentes e levavam consigo apenas um pequeno número de utensílios. As suas edificações simples, como tendas, lhes serviam de abrigo contra o sol e a chuva e eram leves para carregar. A caça e a pesca foram se tornando tarefas mais fáceis, a medida em que o homem conseguia. fabricar implementos como o arco e a flecha, o anzol, a lança, redes e armadilhas.
A fartura de alimentos e a facilidade cada vez maior de consegui-los, proporcionava ao indivíduo mais tempo para pensar, criar e permanecer junto ao seu grupo.

A arte de caçar, exercitada durante milhares de anos, provavelmente desenvolveu muito algumas áreas do cérebro humano relacionadas com a agressão. Abater, defender-se e lutar contra os outros animais, transformou o homem-caçador num hábil predador. O homem saiu da condição de caçador e coletor de alimentos, quando passou a plantar e criar animais domésticos. A agricultura, a domesticação de animais, o cultivo de plantas alimentícias e medicinais, foram provavelmente descobertas por diferentes grupos humanos, em ocasiões diferentes, e em diferentes partes do mundo.

Os primeiros indícios que temos da arte de plantar nos vem de um povo que ocupava as cavernas do Monte Carmelo, no Wadi-en-Natuf, na Palestina. Os natufianos remontam aproximadamente a sete mil anos a.C. Entre os seus instrumentos de trabalho foram encontrados alguns tipos de foices primitivas, almofarizes e pilões de pedra.

O primeiro povoado agrícola do Oriente Médio que se conhece e no qual há provas diretas do cultivo de plantas, foi descoberto em Jarmo, no Curdistão, nordeste do Iraque. Ali foram encontradas foices, almofarizes, pilões, varas de cavar, lâminas de enxó e de machado. Criavam cabras, carneiros, porcos e bovinos. Esse povoado data de 5.500 anos a. C.

As atividades agro-pastoris obrigaram o homem a ter residência fixa e construir abrigos mais aperfeiçoados, para cuidar de suas plantações e animais domesticados. Sobrava cada vez mais tempo para permanecer junto ao grupo, pensar e inventar novos utensílios.

Parte desse tempo começou a ser empregado mais com suas criações artísticas (tecelagem, cerâmica, pinturas) e religiosas (rituais, danças e festas). Esse desenvolvimento aconteceu por volta do ano 4.000 a.C.

Foram os gerzeanos, povo que habitava no Egito Inferior, que alcançaram um grau elevado de perfeição técnica na época. Conheciam o cobre, o chumbo e a prata. Cultivavam oliveiras e cereais. Utilizavam uma escrita rudimentar, jogavam um jogo parecido com o de damas e inventaram uma espécie de calendário para auxiliar na agricultura. Foi entre eles que surgiu na história do homem o primeiro Rei.

Seguindo-se à cultura gerzeana, nota-se um firme desenvolvimento da civilização: crescendo demais, as aldeias se fizeram cidades autônomas, com os seus próprios funcionários; o uso do cobre e de outros metais se tornou mais freqüente; descobriu-se o torno do oleiro e, com o uso regular da escrita, a História da Civilização começou.

Falamos anteriormente do desenvolvimento dos instintos nos macacos e da evolução para a vida socializada em bandos. Os homens primitivos, usando seus instintos em proveito próprio e do grupo, alcançaram surpreendente desenvolvimento social. Até hoje esses instintos permanecem, mas a crescente necessidade de socialização que gerou a cultura civilizada, reprimiu os instintos primitivos do indivíduo (interesses individuais) em benefício do equilíbrio do grupo onde ele convive.
Isso foi obrigando o homem a mudanças de comportamento, cada vez mais restritivas do ponto de vista individual, para que pudesse se adaptar melhor à convivência social.

É comum a visão da cena do homem primitivo arrastando sua mulher pelos cabelos, vestido com peles de animais e segurando um porrete com a outra mão. Se algum dia essa cena aconteceu não sabemos responder.

Temos certeza, sim, que o comportamento humano sofreu muitas modificações no transcurso do tempo, para poder adaptar-se às circunstâncias e exigências do mundo atual.

A origem do comportamento reativo do homem, pelo que podemos concluir, coincide e se desenvolve junto com a necessidade sociológica da repressão dos instintos primitivos. Ou seja, cada indivíduo insatisfeito por não mais poder manifestar livremente seus instintos no meio social, passou a acumular essas tensões instintivas. Esse acúmulo passou a pressionar o psiquismo e manter uma reserva potencialmente explosiva que, em circunstâncias desfavoráveis, escapa em diferentes intensidades, provocando as mais diversas formas de comportamento anti-social (Comportamento Reativo).

Eis aí a relação intrínseca e histórica entre o comportamento individual e o continente familiar e social. A lei da Física que diz: “a toda ação haverá sempre uma reação, em sentido contrário e com igual intensidade”, não é aplicável somente aos fenômenos físicos. Ela também está presente nos fenômenos sociológicos e psicológicos e, sobretudo, na interação entre eles. Na verdade, todo indivíduo sente o mundo de uma forma simplificada: o que está do lado de dentro (ego) e o que está do lado de fora (limite do ego).
A vida civilizada nos cria um dilema: satisfazer a todos os instintos, desejos e fantasias do “ego” ou aceitar todos os limites impostos à plena satisfação deles, eis a questão.

Sendo assim, o Comportamento Reativo é, ao mesmo tempo, uma forte reação na direção da satisfação plena dos instintos, desejos e fantasias e uma sinalização individual ou grupal que denuncia muitas das distorções existentes na organização rígida e opressiva da sociedade e da família.

É portanto um fator positivo de reação no sentido de transformá-las, porém, provoca profundas alterações no psiquismo individual e nas relações socio-familiares. Seus efeitos, por serem perturbadores, nem sempre são compreendidos e, por isso, como resposta, recebem a incompreensão e a punição. É o psiquismo humano sendo esmagado pelo “dinossauro civilizatório” que ele mesmo produziu e que agora não suporta mais carregar.

É o indivíduo que acumulou muita riqueza material, vai ficando cada vez mais preocupado em administrá-la, reduzindo mais seu tempo para viver e conviver e se tornando cada vez mais pobre de espírito e de caráter, passando a sofrer da miopia social e da voracidade individual.


O Indivíduo e a Civilização: a experiência da Solidão

Vamos lembrar da vantagem de viver em bandos, aprendida pelos macacos. Da formação dos primeiros grupos sociais humanos e seu desenvolvimento.

Dissemos que os filhotes dos antropóides (transição do macaco para o homem ) agarravam-se às costas de suas mães, para não serem abandonados pelo grupo. Suas primeiras sensações de solidão e separação ficaram impressas nos seus cérebros e associadas ao desespero da fome e da morte.

Os filhotes e os bebês conhecem instintivamente esse perigo. O alto grau de dependência e a privação da convivência com o grupo, certamente lhes seria fatal.

A primeira informação de perigo registrada pelo cérebro é a solidão. Separar-se do grupo pode ser sentido como “morrer só”; estar no grupo pode significar viver, conviver e sentir prazer “junto com outros”.

Essa necessidade primária nos faz compreender porque choramos quando alguém, que convive conosco, se despede para viajar, quando um ente querido morre, quando rompemos o namoro ou o casamento, quando um filho ou filha casa e sai de casa. Uma sensação de vazio, de saudade, sinaliza na direção da sensação de perda ou separação de um elemento do grupo.

Temos que sofrer para podermos nos adaptar a realidade da nova situação. Algumas pessoas, nessas circunstâncias, sentem vontade de comprar roupas, sapatos ou animais de estimação, ou seja, incorporar alguma coisa que preencha esse vazio existente dentro de si e no grupo.

É possível que o choro da criança ao nascer, não sirva apenas para preencher seus pulmões e permitir que respire. Talvez sua intuição lhe informe que, naquele momento, está se separando de sua mãe para poder iniciar sua caminhada individual.

Já possuímos elementos suficientes para concluir que a vida humana está fortemente presa a sua origem - o grupo sócio-familiar. Suas aquisições como: identidade, inteligência, habilidades, talento, criatividade, entre outras, são resultado e conseqüência dessa original condição de dependência grupal, ou seja, do modelo cultural.

A mais desconcertante contradição do grupo familiar está contida no seu principal papel e na sua mais importante função: gerar, proteger, nutrir e educar o indivíduo com o objetivo de prepará-lo para a futura separação do grupo que o originou e formar um novo grupo (família).

Só assim é possível perpetuar a espécie e manter a vida humana em movimento.

Uma aparente contradição existente no meio social civilizado pode ser resumida numa questão: por que tantas pessoas sentem solidão numa cidade grande, posto que estão cercadas pela multidão ?


Individualismo e Patologia:
Quem sou eu ? Quem são vocês ?

Se o homem tem mesmo uma memória genética, deve lembrar de suas primeiras experiências grupais.

Essas experiências progressivas que o indivíduo foi adquirindo dentro do grupo, foram sendo arquivadas em seu cérebro como elementos de aprendizagem para a sua sobrevivência. Ele aprendeu também que não bastava sobreviver e viver no seu grupo. Era preciso conservar o equilíbrio do grupo, mantê-lo vivo e funcionante, para ter sempre um clima de harmonia favorável em seu próprio benefício. Compreendeu que era inevitável dividir seus próprios interesses com os interesses do grupo, isto é, identificar-se com ele e estabelecer a troca de favores e deveres com ele.

Um fato da vida mostra a evidência dessa necessidade. O fundamento maior dessa convivência se inicia na relação mãe-filho (proto-relação social), onde ambos, comprometidos pela simbiose natural, dão e recebem favores e ambos se obrigam a sacrifícios.
A mulher, suportando os incômodos da gravidez, do parto, da amamentação e da proteção, recebe em troca uma nova vida. Ganha prazer em vê-la, alimentá-la, protegê-la, como se fosse uma parte de si própria. Completa a sua necessidade psicológica de mulher-fértil e ganha o “status” social de mulher-mãe.

O filho, que aparentemente tudo ganha, é obrigado a deixar o morno e agradável recinto do útero e assumir, com o nascimento, seus primeiros deveres ativos: respirar, alimentar-se, sentir dor e frio e iniciar seus contatos com o mundo.

Essa troca de sacrifícios e benefícios se continua no processo familiar e se completa na dimensão social, encarregada de reiniciar esse ciclo de trocas. Esse intercâmbio é tão integrador, que podemos imaginar o indivíduo como unidade do grupo social e o grupo social como núcleo de grande representatividade no interior do psiquismo individual. Em ambos os casos está sempre presente o principio de dividir para conviver, somar para compor, multiplicar para reproduzir.

Esse dinamismo complexo deixa marcas profundas em todos e forma um conjunto de forças mobilizadoras que chamamos de Núcleos Afetivos. No indivíduo costumamos chamar de Auto-Estima ou Amor-Próprio; na família denominamos de Amor Paterno, Amor Materno e Amor Fraterno; no grupo social é conhecido como Etnocentrismo, Solidariedade Grupal ou Espírito-de-Grupo. O sentimento que possibilita esse intercâmbio é a Afetividade.

Podemos compreender a afetividade como o conjunto de forças mobilizadoras (sentimentos) do psiquismo individual que, permeando o grupo, são capazes de influenciar fortemente na estrutura e na qualidade das relações sociais. Essa é uma condição importante porque quando essas forças afloram no plano do comportamento, determinam a base dos atos construtivos e destrutivos.

Essas forças podem ir do amor até o ódio. Podem passar por fases intermediárias como: irritação, raiva, desprezo, indiferença, saudade, perdão, gratidão, generosidade, amizade, respeito, admiração, medo, etc.

Outras regras aprendidas pelo indivíduo em seu grupo, estão representadas pelo que conhecemos como Princípios. Estabelecem os direitos e deveres dos indivíduos no senso comum do grupo. O princípio da Ética é um bom exemplo de como um grupo se interessa em preservar seu equilíbrio. O estupro, o homicídio, o desrespeito com os mais velhos e o roubo, são exemplo da quebra desses princípios e, portanto, originam desequilíbrios no meio grupal.

Outros elementos da aprendizagem individual estão contidos nos Valores de cada grupo ou pessoas. Enquanto alguns se interessam mais por valores materiais - dinheiro, objetos, patrimônio - outros visam objetivos espirituais- sabedoria, conhecimento místico, artístico, etc.

Os valores de um grupo social ou de seus membros, variam segundo uma diversidade de interesses circulantes, hábitos e costumes que, reunidos, emprestam um sentido comum e determinam as características da estrutura cultural do grupo. Todas essas situações de interesse e diferenças da vida em grupo, estão impressas no psiquismo de cada indivíduo, ao mesmo tempo em que estão atuando ativamente através do seu comportamento.

Essa complexa rede de relacionamentos contendo as identidades, princípios, sentimentos, valores, hábitos e costumes, resulta na formação da consciência grupal, isto é, na síntese do seu Modelo Cultural.

O computador, embora possa reproduzir algumas das funções do cérebro humano ( por exemplo, a memória ), se diferencia dele, entre outras coisas, por não apresentar a faculdade dos Sentimentos, dos Princípios e dos Valores, nem o resultado final dessas faculdades - o Comportamento e a Cultura.

O comportamento representa o fio que interliga toda a malha social; dele resultam as diferenças e as semelhanças dos indivíduos e das culturas. É a base da harmonia e da desarmonia, da integração e da desintegração, da alegria e da tristeza, do desenvolvimento e da degradação, da vida e da morte de um indivíduo ou de uma cultura.

Até morto o indivíduo “se comporta” como um cadáver e mostra ao grupo que não pertence mais, fisicamente, a ele. Mesmo assim, pode continuar “vivo” na memória do grupo e se tornar, mesmo, um herói ou santo. Pode ainda provocar muitas emoções durante algum tempo.

O comportamento ritual do grupo em relação aos mortos é de tão grande importância que institui no grupo os fundamentos da religiosidade humana, mecanismo pelo qual torna-se possível lidar com as questões e mistérios da religiosidade.

Vimos, então, que o comportamento como forma de expressão dos indivíduos, inclui todos os fenômenos decorrentes da vida e da morte. Todo indivíduo reage a esses fenômenos de alguma forma.
Para resumir tudo isso, poderíamos imaginar um modelo bem simples, para entendermos o comportamento do homem. Vamos admitir que o conjunto de tudo o que é aprendido esteja contido numa casa (o psiquismo); que nessa casa, reunidos, estejam presentes os sentimentos, os princípios e os valores de cada indivíduo; admitamos também que esses três elementos, combinados, saiam da casa, de vez em quando, para passear no “espaço dos relacionamentos”, constituindo os comportamentos.
Vamos agora, para efeito prático, imaginar dois tipos de comportamento, baseados nos conceitos do Bem e do Mal, do Positivo e do Negativo, do Construtivo e do Destrutivo.
Se sentimentos negativos se associam a princípios e valores também negativos, o comportamento resultante será bastante perturbador para o grupo e para o próprio indivíduo. Se ocorrer o contrário, o indivíduo e o grupo se manterão em equilíbrio e se sentirão em harmonia.

O conceito de Comportamento Reativo é, portanto, um conceito que integra e analisa as dinâmicas do psiquismo individual na interação com seu grupo familiar e social. Serve para observar a posição e a reação do indivíduo em relação ao seu grupo e a si mesmo. Serve para avaliar em que nível de equilíbrio ou desequilíbrio se encontra o psiquismo, suas relações com o grupo e o significado das suas reações. Ao mesmo tempo observa o potencial patogênico ou saudável do indivíduo, do grupo e do modelo cultural, na determinação dessas reações.

A noção de Comportamento Reativo desatualiza os conceitos de “loucura” e de “doença mental”, porque estes últimos depositam apenas no indivíduo, a culpa e a origem desses desvios do comportamento; na sua pretensa fraqueza, labilidade, ou anomalia. Esses conceitos antigos e ainda arraigados, minimizam a dinâmica entre psiquismo, família e sociedade, isolando o psiquismo, para buscar apenas nele os “defeitos” do comportamento.

As concepções de normal e anormal, doente e sadio, “louco” e “gênio” limitam a observação e aprisionam tudo no campo do individual. Qualquer comportamento animal, já traz implícito no vocabulário o sentido de “relativo a”, ou seja de interatividade.

A anatomia e fisiologia de um organismo vivo suscitam claramente o princípio de “função”, que nada mais é que “agir de forma integrada com o todo”.

Essa lógica é encontrada na própria função cerebral onde o cérebro funciona com o todo do organismo de modo integrado; onde as funções sensoriais e psíquicas também necessitam de estar integradas, para internamente (no organismo e psiquismo) e externamente (nas relações socio-familiares), permitirem o duplo objetivo da vida humana: viver e conviver.

Vamos propor outro modelo simples e comparativo para compreendermos a “estrutura” do psiquismo.
Admitindo-se a mesma imagem da casa, nós veríamos o alicerce representado pela Personalidade; os tijolos, sendo representados pelos Princípios; o reboco pelos Valores; as cores da tinta pelos sentimentos e o telhado pela Religiosidade.

Eu era feliz e não sabia: as tentativas de retorno

Quando imaginamos que a humanidade iniciou a sua caminhada há aproximadamente quarenta mil anos atrás e que as primeiras formas de vida datam de cerca de um bilhão e oitocentos milhões de anos, podemos concluir que: acabamos de nascer e ainda não conseguimos nos erguer para andar. Durante essa caminhada de quarenta mil anos, o Homo sapiens sapiens deve ter encontrado um tempo em que vivia melhor.

O que nos faz pensar nisso é a observação do comportamento de algumas pessoas civilizadas, quando manifestam um desejo atávico de conviver de novo em pequenas comunidades levando uma vida simples, uma pacata aproximação com a natureza.
Os grupos “hippies”, o abandono das grandes cidades para passar fins-de-semana em sítios, chácaras ou clubes campestres, a formação de comunidades alternativas, isto é, a fuga para o campo ou para um lugar tranqüilo nos faz pensar nessa direção.
Será que a civilização cresceu demais e agora perturba a vida humana ? Será que ela se voltou contra os seus criadores ? Que rumo tomamos ? As tentativas de reequilíbrio estariam representadas pela obsessividade de inventar novas formas de conviver, criar novos acordos, produzir novas leis ou instituir novas religiões ?
Parece que o processo civilizatório, obra humana, continua criando dilemas cada vez mais complexos para o seu criador. Seria mais acertado, atualmente, que trocássemos a denominação de Homo sapiens sapiens, por outra mais nova e mais sensata: a de Homo perplexus perplexus.

Muitas civilizações foram tentadas antigamente e completaram o seu ciclo: nasceram, cresceram e desapareceram. Ou tiveram que se transformar e se mesclar.

Lembranças ainda restam das antigas civilizações dos egípcios, babilônios, persas, romanos e de tantas outras que passaram com o tempo. Como as pessoas, as civilizações também cumprem um ciclo, sofrem transformações e desaparecem.

Parece que a sociedade atual extrapolou seus limites e se desumanizou.


A poluição ambiental já atingiu limites críticos. As distorções sócio-economicas entre países e nos países dividiu o mundo entre ricos e miseráveis; a violência aumenta em progressão assustadora. As famílias se desorganizam e os indivíduos sofrem pressões para as quais não têm chances nem condições de se adaptar.

A concentração do poder nas mãos de alguns impossibilita a oportunidade de outros para uma vida digna e decente.

Sentimentos como generosidade, solidariedade, amizade, lealdade, já não circulam com freqüência e estão caindo em desuso.

A freqüência do Comportamento Reativo grave detectado nas pessoas e nos fatos noticiados pelos meios de comunicação, deixam muita reserva e pouca esperança para melhores horizontes no futuro.



A Ficção do Congelamento:
Quem é o culpado ?

O homem é o único animal na face da Terra que consegue criar situações novas. Grande parte das alterações existentes na sua cultura e no meio ambiente foram provocadas, conscientemente ou não, pela ação do seu comportamento.

Se suas ações resultam em avanços ou em problemas, fica a critério de cada leitor o privilégio da palavra final sobre esse assunto.

Resolvemos, no entanto, através de um pensamento fictício, imaginar o que aconteceria na Terra se o comportamento humano pudesse ser congelado e paralisado.

Seria mais ou menos assim: a partir de um determinado dia, o comportamento de todas as pessoas ficaria congelado, parado no tempo; como se todos, imobilizados, permanecessem trezentos anos nessa situação.

Ninguém envelheceria ou sofreria qualquer perda, apenas ficaria paralisado durante esse tempo, depois tudo voltaria ao normal.
Vamos pensar juntos: o meio ambiente se tornaria mais limpo, menos contaminado. Animais e plantas em via de extinção voltariam a crescer e se reproduzir, assumindo novamente suas populações originais e ficariam mais exuberantes. A violência, a miséria, a fome e todos os demais problemas humanos, ficariam também adiados durante esse tempo.

Quando as pessoas acordassem dessa paralisação, veriam uma situação ambiental bastante modificada. Essa situação poderia causar uma forte impressão e dar novas chances de reflexão para todos. Poderia ocorrer, também, que todos os problemas, após o congelamento voltassem e acontecer exatamente como eram antes e tudo iriam se repetir novamente.

Esse ensaio de imaginação serve apenas para demonstrar que não são os animais, vegetais e elementos da natureza, os responsáveis pelos problemas existentes.
Fica reforçada a idéia de que os seres humanos ainda não conseguiram se organizar e se comportar adequadamente para um convívio mais harmonioso com a natureza e com seus semelhantes.

Quisemos, propositadamente, através da ficção do congelamento, representar a necessidade atual de uma “parada para pensar”. Uma reflexão sobre as possibilidades de mudança.

Comportamento Reativo
no “dia-a-dia”

Entramos em contato com tantas pessoas na vida diária que, muitas vezes, não lembramos mais dessas pessoas e nem o que dissemos para elas. Pais e educadores falam diariamente com seus filhos e alunos. São tantas as solicitações, perguntas e respostas que, por força do hábito, elas se tornam contatos superficiais de pouca importância.

A vida agitada dos dias atuais nos condiciona a resolver tarefas o mais rapidamente possível e a fazer contatos pessoais cada vez mais breves e de forma desatenta. Fazemos os contatos usando apenas o lado informativo e prático, esquecendo da parte densamente humana e formativa, ou seja, da Relação de Qualidade.

Essa postura particularmente educativa e orientadora, só é lembrada quando o destinatário do contato (filho ou filha) apresenta, de forma avançada, comportamento problemático (reativo). É comum na família e na escola as crianças e adolescentes com “problemas”, receberem mais atenção do que as crianças e adolescentes “normais”, isto é, nós preferimos lidar com os problemas do que com as pessoas.

Já vimos anteriormente que é nessa fase da vida que os indivíduos apresentam as mais intensas transformações no seu corpo e na sua personalidade. Exigem mais atenção, solicitam mais, brigam mais. O seu psiquismo nesse período apresenta-se mais reativo porque busca, apesar e por causa da sua imaturidade, soluções internas para diferentes dúvidas, inseguranças e medos, próprios desse período de desenvolvimento.

Acontece nessa faixa de transição uma espécie de “arrumação” no interior da psiquismo para que o indivíduo possa adaptar-se e ajustar-se às situações da vida adulta.

Não existem crianças ou adolescentes absolutamente normais mas, sim, em formação. Os considerados “normais” são os que vão conseguindo lidar, bem ou mal, com suas situações internas. Os “problemáticos” são os que expressam essas insatisfações, medos e inseguranças através de comportamentos reativos que perturbam, irritam e preocupam.

Às vezes nos deparamos com situações surpreendentes: uma criança ou adolescente que ia vivendo normalmente, passa a apresentar condutas inesperadas, transformando-se em problema para a família e para a escola.

O afloramento do comportamento reativo, mostra que ela sozinha não conseguiu mais administrar adequadamente essa fase de transição, iniciando suas sinalizações para o lado de fora através do comportamento. Nesses casos pais e educadores reagem inadequadamente a essas situações durante um longo tempo e quando as coisas pioram apelam para os profissionais da área do comportamento.

Um grande número de pais e educadores ainda pensa que essas situações só possam ser resolvidas por psicólogos, psiquiatras ou psicanalistas. Puro engano. Esses profissionais só devem ser solicitados nos casos mais graves, mais adiantados, onde a prevenção não se fez presente.

Recordemos os indígenas com a formulação de duas perguntas:

• Por que nas sociedades indígenas não existem educadores, psicólogos, psiquiatras e terapeutas ?

• Existem pais, famílias biológicas e famílias extensas ?

Na verdade, o que chamamos de Relação de Qualidade é uma postura nova, diferente, diante de crianças e adolescentes; uma mudança real e espontânea originada da consciência de que os adultos são, durante as primeiras fases do desenvolvimento humano, os modelos fundamentais para o fortalecimento normal da personalidade de crianças e jovens. Como se fossem os joalheiros responsáveis pela “lapidação” da pedra bruta que formará as gemas de alto valor para as futuras gerações.

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MÚSICA

A música é um dos estímulos mais potentes para ativar os circuitos do cérebro. A janela de oportunidade musical abre-se aos 3 e fecha-se aos 10 anos. Não por acaso, conhecem-se tão poucos concertistas que se tenham iniciado no aprendizado musical depois de iniciada a adolescência. Em outubro de 1995, pesquisadores da Universidade de Konstanz, na Alemanha, estudaram o cérebro de nove músicos destros, do naipe das cordas de uma orquestra local. Graças ao exame de ressonância nuclear magnética, perceberam que as porções cerebrais relacionadas aos movimentos do polegar e do dedo mindinho da mão esquerda eram maiores do que entre os não músicos. Nessa diferença não importava a quantidade de horas dedicadas ao estudo musical, e sim, em que idade eles haviam sido apresentados aos instrumentos - sempre cedo.
Mas a música não serve apenas para incentivar as crianças a ler uma partitura, apreciar um concerto, (...). É capaz de imprimir no cérebro a compreensão da melodia das próprias palavras. (...)

A divisão melódica das obras clássicas exige um tipo de automatismo matemático acurado. Essa seria a razão por que as conexões nervosas acionadas ao se executar uma peça estejam tão próximas, no córtex cerebral esquerdo, daquelas usadas ao se fazer uma operação aritmética ou lógica. A música relaciona-se ainda a outros dons, como a capacidade de percepção de sons sutis. Os alunos de medicina habituados a ouvir música clássica têm maior facilidade para auscultar corações e pulmões. Num trabalho com dezenove pré-escolares, descobriu-se que, após oito meses de aulas de piano e canto, as crianças se saíram muito melhor na cópia de desenhos geométricos do que as que não tiveram aulas de música. Os pequenos músicos eram melhores na percepção espacial e muito mais eficientes, por exemplo, no jogo de quebra-cabeça.
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Resumo dos Conceitos Básicos


Vamos agora fazer uma revisão dos conceitos básicos que passaremos a empregar dentro e fora de casa. Faremos nessa fase do treinamento algumas experiências, respondendo de forma DIFERENTE às reações das crianças, jovens e, também, adultos.

A Relação de Qualidade se fundamenta em dois procedimentos que, com o uso continuado, acabam por se tornar um hábito pelo treinamento e aprendizagem dos mesmos. São eles:

• Leitura Profunda

• Linguagem dos Sentimentos

Sabemos que por trás do comportamento estão, entre outras coisas, os sentimentos, princípios e valores de cada pessoa. Que as palavras e gestos nem sempre expressam a verdade do que as pessoas sentem, ou seja, que elas sinalizam através de códigos. Ler com profundidade seria o mesmo que ler ALÉM das palavras e dos gestos. Seria perceber verdadeiramente a mensagem impregnada do seu conteúdo emocional. E todos já nascemos com essa capacidade, basta treinar.

comportamento ativo
Todo comportamento humano positivo e construtivo, que produz apenas harmonia e equilíbrio interno (no psiquismo) e externo (na família e no ambiente) e que contém altos níveis de sentimentos, princípios e valores das pessoa que o originaram. Ex: A invenção da vacina contra a paralisia infantil por Albert Sabin e sua equipe de pesquisas.

comportamento reativo
Todo comportamento humano negativo e destrutivo, que produz apenas desarmonia e desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (no ambiente e Todo comportamento humano negativo e destrutivo, que produz apenas desarmonia e desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (na família) e que contém baixos níveis de sentimentos, princípios e valores das pessoa que o originaram. Ex: O tráfico de drogas.

homossintonia
Também chamada Sintonia Familiar ou Sintonia Adequada, é o equilíbrio resultante das relações positivas e construtivas entre os indivíduos que beneficiam o próprio indivíduo, a família, o grupo social e o meio ecológico. É fator determinante para a manutenção do desenvolvimento equilibrado do psiquismo, da estabilidade familiar e do modelo cultural.

heterossintonia
Na Heterossintonia (sintonia inadequada) ocorreria o contrário. A sintonia desejável que deveria haver com o circuito primário (família) através de uma relação de qualidade, é feita através de comportamentos reativos de caráter destrutivo e que aumentam os conflitos e deterioram as relações.
Na verdade a SINTONIA é a verdadeira expressividade, ou seja, a forma fiel e espontânea de unirmos palavra e voz ao sentimento e pensamento de forma aberta, sem constrangimento ou mentira. Um jeito livre de expressão que conduz a emoção e a idéia para ser compreendida pelas outras pessoas.

núcleos afetivos ou grupos afetivos
O primeiro núcleo afetivo é a família, grupo que nos gerou, com o qual exercitamos nossas primeiras relações e que estará fortemente gravado em nosso psiquismo para toda a vida. A qualidade dessas relações e do “clima familiar” será sempre de grande influência sobre nós. Fazemos a maioria das coisas em grupos e nos sentimos mais seguros quando pertencemos a um ou mais deles.

sinalizações
Códigos complexos de difícil compreensão pelos familiares. A dificuldade de detectá-las está no fato de se mostrarem camufladas, sutis, como se fos¬sem “mensagens secretas” de difícil interpretação. Na realidade são sinais que mostram que algumas dificuldades estão ocorrendo no interior do psiquismo.

engrama
Um engrama é como se fosse um minúsculo grão contendo dentro de si tantas informações (emoções, sentimentos, percepções, etc.). Contêm mensagens em código. Essas mensagens são difíceis de entender porque não são explicadas com palavras comuns e são compostas de conteúdos emocionais inconscientes e em código. São arquivos guardados na mente.

mimetismo psicossocial
Mecanismos de defesa usados pelos adultos civilizados que se refletem para o continente sócio-familiar e cultural. São aprendidos pelas crianças e jovens que passarão a usá-los no futuro. Ex. mentiras, chantagens, dissimulações, etc.
relação de qualidade
(leitura profunda/linguagem dos sentimentos)
Capacidade de captar interpretar, compreender e responder com qualidade às sinalizações (manifestações) do comportamento reativo.

 Leitura Profunda: ler o que está por trás das palavras e dos gestos.

 Linguagem dos Sentimentos: responder após perceber que sentimentos geraram as palavras e gestos.

Já vimos que os comportamentos se originam do psiquismo. Que tudo o que é guardado na memória é emotizado (impregnado de sentimento ou emoção). Falar direto com os sentimentos que geraram as palavras e os gestos da pessoa é a mesma coisa que falar com sua emoção. Não com suas palavras e gestos, que são apenas códigos que camuflam a verdadeira mensagem emotiva que ela quer comunicar. Falar com sua emoção é despertar nela outra forte emoção: a de que a compreendemos PROFUNDAMENTE.



Compreendendo as Mudanças
que acontecem

A menina do sofá

Num dos grupos de treinamento familiar, uma das participantes trouxe um problema que estava tendo com sua filha de seis anos. Era uma mulher que trabalhava durante a semana. Aos sábados ia para a sala, espalhava seus livros e cadernos sobre a mesa, sentava-se no tapete e concentrava-se no estudo e anotações que fazia.

Nesses momentos sua filha, com os sapatos sujos, costumava pular sobre o sofá branco. Essa cena já havia se repetido muitas vezes e estava enlouquecendo sua mãe. Ela gritava, ameaçava, batia.

Choros, gritos, castigos, surras, e tudo se repetia de novo. O marido discutia com ela mas também não encontrava uma forma de solucionar o problema. Conversas, conselhos, presentes não impediam que tudo voltasse a acontecer na semana seguinte.

Após algum tempo os membros do grupo sugeriram que a mãe reagisse de forma diferente partindo da hipótese que aquilo era uma sinalização que não estava sendo compreendida. Após algumas perguntas à mãe fizeram a seguinte interpretação do fato:

 A menina estava sentindo falta do contato com ela (falta de tempo).

 Foi uma maneira encontrada pela filha de chamar sua atenção (sinalização).

 A mãe não estava entendendo aquele tipo de mensagem.

 Crianças nessa idade precisam muito da proximidade dos pais.

 Aquela estava sendo a única forma de receber atenção e contato físico da mãe.

 Os gritos, ameaças e punições não faziam desaparecer a necessidade de receber afeto.

Propostas do grupo:
 Fazer um acordo verbal com a filha marcando um horário para ambas ficarem juntas, brincando, conversando, desenhando, pintando, etc.

 Falar abertamente sobre o sentimento do qual a criança sentia falta, dizendo que também sentia falta desse contato.

 Dizer que entendia o que a filha queria e que agora dividiriam o tempo entre brincar, estudar e trabalhar.

 Não gritar, ameaçar ou punir.

 Ensinar a sua filha a falar (com todas as letras) dos seus sentimentos. Nada de códigos (sinalizações).

 Repetir sempre a mesma forma de reagir (relação de qualidade) mesmo que a filha voltasse a pular no sofá. Nunca mais voltar a reagir como era antes.

Na semana seguinte a cena se repetiu e aconteceu assim:

 Mãe  Levantou-se calmamente do tapete e dirigiu-se à filha.

 Filha  Encolheu-se fechou os olhos esperando pelas palmadas.

 Mãe  Beijou a testa da filha e falou: - “Eu sei que você gosta de mim e eu não tenho tido tempo para ficar com você. Vamos combinar uma coisa ? A partir de hoje nos vamos ter o nosso tempo para ficarmos juntas, uma hora está bem ? Depois eu volto a estudar, certo” ?

 Filha Olhos arregalados e perplexa responde: - “Tá bem...”!

Apesar do acordo ter sido cumprido o tempo todo, a menina ainda testou sua mãe por algum tempo mas acabou desistindo porque as reações antigas não vieram mais. Agora elas estavam aprendendo a conviver de uma maneira nova.
Semanas depois essa mãe comunicou ao grupo três ocorrências novas no comportamento da filha:

 Passou a chamá-la de “minha amiga”.

 Ajudava a mãe a trazer e guardar os livros e cadernos.

 Ficava desenhando ou olhando para a mãe enquanto essa estudava. De vez em quando ganhava um sorriso “de brinde” e correspondia com outro.

 Parou de pular no sofá.

Comentário:
Nesse caso o comportamento reativo (reações pela falta de atenção da mãe) que era sinalizado pelo ato de “pular no sofá”, com a ajuda da mãe, foi substituído por um comportamento ativo através do acordo cumprido, do diálogo e da atenção afetiva. Repetiu o mesmo ato várias vezes e recebeu a mesma resposta nova (relação de qualidade). Desistiu pelo fato de ter recebido o que queria e por ter experimentado um contato mais agradável. A reaprendizagem se deu com ajuda da mãe e não a de um terapeuta.

O menino que não gostava
de tomar banho

Outro “problema” trazido para o grupo foi o de Renato, o menino de dez anos que “enrolava” para tomar banho. Só que dessa vez sua mãe e o grupo chegaram às seguintes conclusões:

 O menino sentia falta do contato com ela (ela dava mais atenção para o filho caçula)

 Foi uma maneira encontrada pelo menino de chamar sua atenção (sinalização)

 A mãe não estava entendendo aquele tipo de mensagem

 Crianças nessa idade ainda precisam muito da proximidade dos pais

 Aquela estava sendo uma das formas de receber atenção e se comunicar com sua mãe

 Os gritos, ameaças e punições não faziam desaparecer a necessidade de receber atenção

Propostas do grupo:
 Fazer um acordo verbal com o menino delegando a ele a administração de cuidar do seu próprio corpo. Ela não mais tocaria no assunto “banho”, assunto pessoal e intransferível.

 Falar abertamente sobre o sentimento do qual o menino sentia falta, dizendo que poderiam encontrar outras formas de contato afetivo.

 Dizer que ela percebeu que não tinha o direito de interferir nesse assunto tão pessoal e que poderiam falar e trocar idéias sobre outras coisas e sair juntos de vez em quando.

 Não gritar, ameaçar ou punir.

 Ensinar o menino a falar (com todas as letras) dos seus sentimentos. Nada de códigos (sinalizações).

 Repetir sempre a mesma forma de reagir (relação de qualidade) mesmo que o menino voltasse a não tomar banho. Pedir que ele ficasse longe dela quando estivesse fedorento. Nunca mais voltar a reagir como era antes.

Nas semanas seguintes a falta de banho se repetiu muitas vezes e aconteceu assim:

 Menino  (provocando a mãe) – “Vou ficar toda essa semana sem tomar banho...”! .

 Mãe  (calmamente) Já fizemos um acordo. Agora você é o novo dono do seu corpo. Tenho certeza que um dia irá conseguir tratar bem dele.

 Menino  (perguntando) – “Mas você não se aborrece quando eu fico sem tomar banho...”?.

 Mãe  Beijou o rosto do menino e falou: - “Eu sempre vou gostar de você, sujo ou limpo. Mas eu tenho interferido muito na sua vida. Cada um deve cuidar do seu corpo e isso não impede que possamos nos entender em outros assuntos”.

 Menino  (chateado) – “Eu tô achando você diferente depois que começou a fazer essas reuniões de grupo..”. O que é que vocês falam lá, responde...Tá bem...não precisa responder , mas que tá diferente, tá”! “Mesmo assim eu vou ficar sem banho, tá legal “?

 Mãe  “Eu acho que você ainda quer que eu cuide dos seus assuntos, mas eu vou cumprir a minha parte nesse acordo e ponto final”.

Apesar do acordo ter sido cumprido pela mãe o tempo todo, o menino ainda testou sua mãe por algum tempo mas acabou desistindo porque as reações antigas não vieram mais. Agora eles estavam aprendendo a conviver de uma maneira nova.

Semanas depois essa mãe comunicou ao grupo três ocorrências novas no comportamento do menino:

 Passou a tomar banho com mais freqüência.
 Perguntava à mãe se estava cheiroso.
 Melhorou seu diálogo com ela.
 Parou de falar no assunto.

Comentário:
Nesse caso o comportamento reativo (reações pela falta de atenção da mãe) que era sinalizado pelo ato de “ficar sem banho”, com a ajuda da mãe, foi substituído por um comportamento ativo através do acordo cumprido, do diálogo e da atenção afetiva.

Repetiu o mesmo ato várias vezes e recebeu a mesma resposta nova (relação de qualidade). Desistiu pelo fato de ter recebido o que queria e por ter experimentado um contato mais agradável. A reaprendizagem se deu com ajuda da mãe e não de um terapeuta.

O rapaz muito educado

Todas as vezes que falamos que um terapeuta não é a melhor solução para os problemas da convivência, algumas pessoas nos olham de forma “atravessada”. Mas não é mesmo ! O terapeuta não pode substituir os pais e educadores.

Vivemos numa sociedade confusa mas não devemos misturar nossas idéias com dinheiro. Se fizermos isso não estaremos contribuindo para uma melhor convivência. Um terapeuta ou um cidadão consciente têm a mesma responsabilidade com a comunidade onde vivem. Todos somos iguais perante a vida. Mas vamos falar do caso do rapaz.

Chegou no consultório com a camisa branca abotoada até a gola. Era um rapaz de 19 anos, aparência distinta. Era impressionante, sem exagero ! Sentou-se no divã e perguntou o que deveria fazer. Era estudante, gostava de detalhar tudo e se preocupava em não errar. Era muito elogiado por seus pais e tido na família como “um exemplo de rapaz”. Fazia de tudo para agradar seus pais e era muito prestativo com todos.
Algum tempo depois passou a apresentar crises depressivas e a trancar-se em seu quarto durante muitas horas. Começaram a aparecer na sua pele manchas vermelhas que algumas vezes tomavam o corpo todo. Sentia palpitações no coração com sensação de que iria morrer. Sentia dores no estômago e perdia o apetite com freqüência. Começou a emagrecer.
Seu pai, preocupado o levou em vários médicos que, após os exames, chegavam a mesma conclusão: “ele não tem nada, só precisa descansar”!

Após longa conversa indicamos uma psicoterapia individual para o rapaz e um grupo de apoio familiar para quatro membros da família, incluindo os pais. Isso foi feito por três razões:

1. O comportamento do rapaz estava fortemente vinculado ao comportamento da família.

2. Os sintomas apresentados eram reais no seu psiquismo (ele sentia mesmo) e tinham correspondência física (somatismo). Eram sinalizações direcionadas para órgãos do corpo (para dentro) e não para o comportamento (para fora).

3. Os sintomas, suas manias e outras coisa que comunicou mostravam sinais de tensão psíquica que ele não conseguia expressar pelo comportamento e as “engolia” para não mudar sua imagem de rapaz educado e bonzinho. Seus sonhos mais freqüentes eram de brigas e violência. Ao invés de expressar sua raiva mostrava apenas manchas vermelhas na pele. Sempre se comportou como adulto e não como adolescente.

Enquanto sua terapia evoluía íamos conhecendo melhor sua linguagem emocional e, em conseqüência, os significados dos sintomas e das suas atitudes diante da família. Seu papel de “educado” impedia que se comportasse normalmente como um adolescente, prejudicando o uso da agressividade normal e de outras funções em desenvolvimento. Temia mudar porque, na sua imaginação, perderia sua imagem e, junto com ela, tudo o que lhe fazia ser admirado pelos outros, ou seja, o afeto e a atenção familiar. Havia esquecido de si mesmo, das suas vontades e desejos. Copiava o que seus pais gostavam mas não se sentia satisfeito consigo mesmo.

No grupo de apoio familiar as pessoas aprendiam como reage o psiquismo diante de diferentes situações. Não entenderam, no início, a necessidade de se fazer um grupo com familiares para ajudar a psicoterapia individual. Falamos que o terapeuta, o rapaz e as pessoas do grupo, na verdade eram um só grupo que seria chamado de Grupo de Ajuda. Os vínculos afetivos com seus familiares eram muito mais importantes, pois o terapeuta era um elemento novo e desconhecido (sem vínculo) até então. Passaria a ser um “tradutor” entre a linguagem emocional do rapaz e as relações afetivas com os familiares. Mesmo assim a família só passou a compreender os objetivos a partir do segundo mês de reuniões.

A Relação de Qualidade, isto é, as novas relações passaram a funcionar quando os familiares começaram a mudar suas atitudes antigas e substitui-las por novas formas de reagir, que foram as seguintes:

 Não mais estimular o papel de “rapaz comportado”. Passar mensagens de que todos continuariam a admirá-lo independentemente do fato de ser ou não “bonzinho”.

 Estimular o uso da linguagem dos sentimentos falando o que sentisse, mesmo estando com raiva. Isso não mudaria o conceito que tinham dele.

 Falar que ele ainda tinha dezessete anos e não precisava ser tão adulto pois adolescência só se tem uma vez, ela não se repete depois. Precisava aproveitá-la.

 Não tratá-lo como rapaz doente e frágil.

 A família tinha que preparar-se para conhecer seu lado irritado, agressivo e irreverente que ele “engolia” e tinha medo de mostrar. Esse lado aparecia nos sonhos e se expressava em códigos através do estômago, da cabeça, do coração e da perda de apetite. O emagrecimento era o resultado de tanta perda de energia (tensões) que não conseguiam uma solução satisfatória no psiquismo.

Apesar da ajuda do grupo o rapaz ficou por algum tempo mantendo o mesmo comportamento mas acabou desistindo porque as reações antigas da família não vieram mais. Começou a se irritar com freqüência. Certo dia despejou grande parte da sua insatisfação sobre todos. Xingou todo mundo acusando-os de querer que ele fosse um “escravo obediente”. Assustados, os membros do grupo pediram para fazermos uma reunião em dia antecipado. Descreveram a fúria e os termos obscenos usados pelo rapaz. Parecia um louco, disseram. Perguntaram se ele não estava piorando na terapia. Falamos com calma sobre o que estava acontecendo no seu psiquismo e que muita coisa ruim ainda iria acontecer. Mas era uma questão de tempo, Geraldo ainda tinha muita coisa guardada e precisava se livrar de todo aquele “lixo tensional”.

Certa madrugada chegou bêbado e colocou o som bem alto. Ficou esperando a reação de alguém mas todos continuaram deitados e pela manhã ninguém tocou no assunto. Ele ficou deprimido o dia todo mas à noite pediu desculpas pelo que tinha feito ao seu pai. Seu pai falou: “Estamos do teu lado e vamos permanecer assim. Queremos que você seja feliz.” Geraldo foi para o seu quarto e chorou muito. A família estava se acostumando com as descargas do rapaz mas sabia o que estava acontecendo e como reagir.

O grupo de apoio familiar estava chegando ao fim e todos estavam treinados sobre os conceitos de Comportamento Reativo e Relação de Qualidade. Estavam satisfeitos porque já sabiam o que fazer na maioria das vezes e seria de grande valor continuarem reagindo assim até o término da psicoterapia individual. No último dia do grupo comunicaram quatro mudanças novas no comportamento do rapaz:

• Estava mais animado e já falava sobre seus projetos pessoais, iria fazer um curso.
• Os sintomas tinham diminuído e voltou a comer normalmente.
• Seu quarto agora já estava ficando colorido, cheio de “posters” de artistas e ídolos do automobilismo.
• Parou de xingar mas sabia defender com firmeza suas idéias.
Encerrada a terapia Geraldo sabia o que queria e como conviver com todos. Seus sintomas sumiram por completo após um ano de trabalho, mas foram necessários mais dois anos para que completasse o processo de cura.

No dia da alta ganhamos de presente a seguinte frase: “A família é coisa muito boa, só que a gente às vezes se perde dentro dela e se esquece de quem a gente é”.

Comentário:
Nesse caso o comportamento reativo (desejos criados por ele para receber atenção) que eram sinalizados pela conduta de “agradar a todos”, com a ajuda do grupo, foi substituído por um comportamento ativo através do apoio familiar, do diálogo e da atenção afetiva. Repetiu o mesmo comportamento várias vezes e recebeu a mesma resposta nova (relação de qualidade). Desistiu pelo fato de ter recebido o que queria e por ter experimentado um contato mais agradável. A reaprendizagem se deu com ajuda do grupo e não apenas a do terapeuta. Este atuou como um “tradutor” de códigos.


O Efeito Vitrine


A estória do homem que não sabia ver

Era um homem rico, culto e inteligente que não tinha problemas visuais. Era normal.
Toda vez que passava naquela rua, parava em frente a loja, olhava para a vitrine e não conseguia ver nada. Só os reflexos dos carros e das pessoas passando na rua. As outras pessoas que estavam ao seu lado comentavam deslumbradas: - “Que bela pedra. Deve ser uma jóia muito cara. É bonita demais...!”

O homem ficava intrigado e, por mais que se esforçasse, não conseguia enxergar nada no interior da loja. Só os reflexos no vidro. Saía irritado, desconfiado e confuso, imaginando que as outras pessoas estivessem brincando com a sua cara.

Certa vez o homem parou em frente a loja e mirou a vitrine com grande desejo de ver o brilhante desconhecido de que tanto ouvira falar. Do seu lado havia um mendigo, já velho, que franzia a testa para admirar melhor a beleza da pedra. O homem, dessa vez, perdeu a timidez e o orgulho e perguntou ao mendigo: - “Onde esta esse brilhante de que tanto falam ? Você está vendo ?”.

O mendigo sorriu e, apontando com o dedo, falou: - “Estou sim. Está ali, você não está vendo ?” O homem falou: - Eu só consigo ver o reflexo das luzes e das coisas que se movimentam na rua. “O mendigo ensinou: - “Aprofunde o olhar, faça de conta que os reflexos não são a coisa mais importante. Concentre sua atenção além da vitrine e olhe para o interior da loja, assim como eu estou fazendo.” O homem compreendeu e assim fez. Ficou emocionado e, pela primeira vez, conseguiu ver o conteúdo mais raro e admirável que aquela loja, sua velha conhecida, guardava no seu interior há muito tempo. Dessa vez a sua caminhada não foi em vão, pois tinha acabado de conhecer o mistério mais importante daquela rua.

Nessa estória a “rua” representa a Vida, o caminho que percorremos; o “homem” somos nós mesmos, as pessoas; a “loja” representa nossos filhos, amigos e parentes; a “vitrine” é o limite que separa o comportamento do mundo interno das pessoas; os “reflexos” na vitrine são o comportamento problemático das pessoas e o valioso “brilhante” representa a sintonia afetiva, a relação de qualidade, a visão nítida do outro como pessoa humana, com seus sentimentos, princípios e valores individuais.

Essa narrativa, breve e simples, traduz com relativa fidelidade a qualidade das relações entre as pessoas no mundo atual. Mostra também, de forma singular, como é fácil fazer uso da convivência diária para permitir contatos significativos, restabelecendo a sintonia afetiva humana, tão necessária e tão pouco valorizada no contexto materialista dos nossos dias. Vamos agora dar uma idéia de diferentes situações nas quais o Comportamento Reativo possa estar ligado mas, antes, é necessário falarmos das diferenças intensas com que pode se manifestar. Tentaremos demostrá-las através do seguinte quadro:

Comportamento Reativo-Resultado-Psiquismo

C. reativo leve - alterações leves
Pequenos distúrbios do comportamento, dificuldades de aprendizagem, agressividade aumentada, períodos de isolamento, etc.
C. reativomédio - alterações aumentadas Uso de drogas, doenças psicossomáticas, depressões, furtos, fugas de casa, dificuldades de relacionamento.

C. reativo grave - sinais de desorganização da personalidade
Delitos contra a vida e contra o patrimônio, tentativas de homicídio e suicídio, neuroses graves e crises psicóticas.

C. reativo instalado - desvios graves do psiquismo
Psicoses, homicídios, suicídios, crimes hediondos.

Comportamento Reativo significa reação do Psiquismo em relação a pessoas, objetos e situações.
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CASTIGOS
Não são apenas as experiências agradáveis que promovem a conexão neural. As ruins também, e como. As surras, por exemplo, são experiências capazes de deflagrar regiões do cérebro, a amígdala. Essa pequena estrutura inunda a rede cerebral com substâncias químicas inibitórias. Se os castigos físicos forem constantes, a simples imagem do agressor é capaz de ativar os circuitos neurais.

A inibição pode durar dias. Mesmo a insegurança decorrente da separação dos pais é capaz de ligar esses mecanismos. Isso explica, diz o neurologista Bertolucci, por que alguns filhos de pais separados apresentam problemas escolares durante o período mais conturbado das desavenças conjugais. A criança perde a capacidade de prestar atenção, de se entreter com brincadeiras e de se relacionar socialmente. Se esses estímulos negativos cessam em um prazo curto, não chegam a consolidar-se em conexões nervosas. Nesse caso, apagam-se da memória. Costuma-se dizer que, se não esquecesse, o cérebro de uma criança seria um museu de horror. É esse museu de horror que fica cristalizado quando os estímulos negativos duram um tempo maior. Os meninos ficam assustadiços, nervosos, ansiosos.(*)



Comportamento Reativo
Auto-Orientado:
Solidão e Autodestruição


Já falamos da importância que tem para a natureza humana o processo de identificação. Falamos que somos identificados pelo grupo e que também identificamos os elementos do grupo com os quais convivemos. Que intercambiamos os nossos sentimentos, princípios e valores com o grupo. Que os nossos desejos podem estar tão diluídos no vivenciar o grupo, que às vezes pensamos serem nossos os desejos do grupo e vice-versa. Essa é uma sensação análoga ao da sensação do bebê com sua mãe: não sabe exatamente onde ele próprio começa e onde sua mãe termina ou se ambos são a mesma pessoa ou pessoas distintas.

A simbiose do bebê com sua mãe é tão intensa, que ele freqüentemente chora quando ela se afasta. Está querendo ficar sempre perto dela para se sentir inteiro. Pode “morrer” de medo na ausência dela. Ou, então, chora quando é retirado do seio - mesmo estando de estômago cheio - porque tem a sensação de que o seio é parte do seu corpo e pode ficar sem uma parte importante do seu próprio corpo. Se dorme após a mamada, não chora mais porque não vê sua mãe se afastar.

Essas primeiras experiências da emoção humana caminham com o indivíduo até sua morte, porque estão registradas fortemente no seu psiquismo. Na fase infantil e na adolescência elas continuam de formas diferentes.

É comum as crianças quererem dormir na mesma cama com os pais. Ou choram quando têm que ficar a primeira vez sozinhas na escola e quando os pais vão sair ou viajar sem elas. Muitas vezes voltam a urinar na cama depois de já terem aprendido esse processo natural de contenção.

Os adolescentes e os adultos algumas vezes se comportam como crianças, sentando no colo dos pais (ou apenas desejando fazer isso). Os jovens fazem “birra” ou se rebelam contra os pais porque sentem ciúmes dos mais novos e já não ganham tanta atenção como quando eram crianças. Acabam tendo que namorar para encontrar em outra pessoa (o namorado ou namorada) a atenção e o carinho perdidos.

É comum nos adultos, marido e mulher, se tratarem com expressões como: “pai”, “nêgo”, “nêga”, “filho” ,”filha”. São expressões carinhosas que guardam nexo e semelhança com experiências de sentimentos anteriores, todos ligados às primitivas vivências com o grupo familiar.

Em geral sentimo-nos envergonhados quando a nossa conduta infantil inconsciente escapa e tomamos consciência dela. Quando alcoolizadas as pessoas podem se comportar como crianças em suas diferentes formas. No dia seguinte, lembrando-se disso, sentem-se constrangidas, encabuladas. As outras pessoas riem porque também são depositárias da mesma experiência constrangedora.

Durante o Carnaval muitas são as pessoas que se fantasiam de bebês com a respectiva chupeta na boca.

Certa vez encontramos num parque de diversões um amigo nosso. Ele estava no carrossel, montado num cavalinho, ao lado do seu filho pequeno. Na saída, falamos em tom de gozação: Relembrando a infância ?”. Ele, todo atrapalhado, procurou explicar-se para justificar o seu comportamento.

A natureza dos homens experimenta os ensinamentos do amor, da separação e da solidão para poder reproduzir suas emoções no continente social e sobreviver na convivência. Dizemos reprodução no sentido de re-compor, re-unir e re-lembrar seu primeiro grupo (grupo familiar) e todos os outros grupos (profissionais, religiosos, esportivos, etc.) que representam, em última análise , o seu “ser-no-social” . A história da vida é a história social.

Dizem que o eremita ou ermitão é um personagem humano, criação ou fantasia do convívio tranqüilo com a solidão. Não acreditamos nisso! O eremita ou ermitão deve ser um exibicionista que, por viver só, atrai para si uma multidão para assisti-lo e dar-lhe atenção; ou é um tolo egoísta que, ao se excluir do grupo negando-o, acaba valorizando-o, por se constituir no único ator do espetáculo grupal. Essa negação esta subentendida na fábula de Esopo: “A Raposa e as Uvas”. É a dissimulação de um sentimento existente e real. A sabedoria popular percebe bem essa posição através do ditado: “quem desdenha quer comprar”.

O amor, a separação e a solidão, quando bem elaboradas pelo indivíduo, podem sublimar-se em músicas, peças de teatro, livros e outras obras, como a seguinte poesia:



As Flores

És muito poderosa nas tuas fantasias,
mas te sentes fraca na tua solidão,
porque, nas tuas fantasias, guardas avaramente todo o amor para ti.
E quando estas só, percebes que nada te sobrou.
Se as flores se abrem belas e perfumadas,
generosamente, sem nada pedir,
é porque a Vida para elas significa
um gesto espontâneo de amor.

Alguém seria capaz de compreender as experiências e os sentimentos do autor que produziu esta poesia ?

Da mesma forma que as experiências do psiquismo podem, quando orientadas, produzir e criar, podem também seguir os rumos da autodestruição.

As pessoas que se deparam com o comportamento suicida ficam geralmente assustadas e perplexas. Por que se matou...? É a primeira questão que formulam.

O comportamento reativo suicida, forma gravíssima de desequilíbrio psíquico tem suas raízes mais profundas cravadas na relação psicossocial. É uma implosão de ódio. Destruidora. Um gesto extremo de lidar com o mundo interno e externo. Uma fuga dramática e desesperada da vida grupal. Onde o autor da destruição se escolhe para alvo. Se identifica como elemento mau do grupo. Esquecido, solitário, rejeitado, abandonado. É a parte do grupo que precisa ser eliminada para que o grupo sobreviva saudável e bom. Não agride o grupo porque o grupo é bom e precisa viver bem.

A sua auto-exclusão, obediente e trágica, envolve uma mensagem clara: “...não posso matar vocês sem morrer junto. Eu e vocês somos um só Ser. Eu sou a parte má de vocês. Devo ir !”

O ato suicida envolve dois dos mais importantes instintos do animal: o instinto agressivo e o gregário; o primeiro relacionado com a sobrevivência individual e o segundo com a sobrevivência grupal. Está também vinculado aos dois sentimentos mais fortes do homem: o amor e o ódio. O amor ao grupo e o ódio a si mesmo. O ódio ao grupo, que poderia transformá-lo num homicida, reverte e atua no sentido contrário, transformando-o num suicida.

Quando amor e ódio colidem e formam um “mistura estranha” à nossa compreensão, transformam-se numa força destrutiva que mata e morre num só ato. Por que esse ato solitário assusta tanto ? Por que as leis e o bom-senso o deploram ? Por que as religiões o exorcizam ? É simples: porque todos conhecemos, intuitiva e profundamente as experiências do amor e do ódio.

Nós a tememos porque estão dentro (e fora) de nós. O suicida quando se mata, mata (dentro de si) o seu grupo e a sua sociedade de um só golpe. É, ao mesmo tempo, vítima e predador.

Pedimos licença a Eduardo Kalina, Santiago Kovadloff e Fernando Py para citar o resumo contido na obra “As Cerimônias da Destruição”. Não podemos deixar de citar aqui um conhecimento escrito de forma tão competente e esclarecedora sobre o assunto. Resumidamente diz o seguinte:

“Vivemos num mundo permanentemente angustiado pela possibilidade de um extermínio total da espécie humana. As guerras passadas pouco ou nada valem em comparação com a perspectiva de um holocausto nuclear. Mais ainda, e disso nem todos se dão conta, vivemos num planeta crescentemente poluído, um planeta que aos poucos vai se tornando inabitável, seja pelas constantes agressões do homem, seja pelo desordenado aumento demográfico que suporta. Tanto o holocausto nuclear como a poluição ambiental são dados básicos para a compreensão daquilo que neste livro se denomina “existência tóxica”, ou seja, a existência que “envenena” o homem. Para escapar a esse envenenamento cotidiano a libertação está, muitas vezes, no suicídio.

O suicídio se define, essencialmente, como diz Durkheim, por uma “trágica denúncia individual de uma crise coletiva”, pois o suicida não só abdica da vida como da sociedade a que pertence. Assim, seja qual for o fato que motivou o suicídio, este reflete não apenas um desajuste em relação à vida mas também um estado de crise com a sociedade. Isto, quanto ao suicídio considerado em seu aspecto individual. Por outro lado, a autodestruição coletiva provém de comportamentos sociais autodestruidores e traduz uma compulsão suicida que assenta suas raízes na tendência autodestrutiva da civilização humana.

Em “As Cerimônias da Destruição”, Kalina e Kovadloff expõem lucidamente as condutas sociais autodestrutivas, ensaiando uma interpretação do suicídio contemporâneo, tentando delinear com a maior clareza os antecedentes histórico-sociais mais destacados da atual conduta suicida.

De fato, o homem sempre foi o seu maior inimigo: as tendências autodestruidoras da “psique” humana deitam suas raízes na pré-história. Mas é nos últimos cinqüenta anos que o fenômeno assumiu proporções de crise universal.

Indagam os autores dos motivos pelos quais somos induzidos todos os dias à prática de ações autodestruidoras. “E por que agimos como se defendêssemos a vida, quando na verdade não fazemos outra coisa a não ser atentar contra ela ?” As respostas são várias, e uma delas, e não a de menor relevância, que aqueles que pensam em defender seus privilégios acabam por criar uma realidade perniciosa que promove a devastação da Terra, a qual, por sua vez redunda em miséria material e espiritual para todos.

Explicando melhor: o impulso gerado pela busca, a qualquer preço, de um maior nível tecnológico de civilização e progresso termina por se revelar aniquilador, pois uma “corrida tecnológica” seria tão ou mais danosa ao homem que o seu paralelo, a corrida armamentista. E o homem se mostra incapaz de “reverter o processo”, pois nega sua essência de apocalipse, argumentando que os benefícios são maiores que os prejuízos. Nega, em suma, a evidência da catástrofe ecológica, demográfica, social e espiritual que estamos intensificando e preparando para as gerações futuras. E é nessa negação obstinada que reside o impulso autodestrutivo do homem de hoje.

O suicídio coletivo, ou melhor, a tendência coletiva para a autodestruição tem uma componente visivelmente psicopatológica.”

Simbiose Familiar:
solidão em Família

“Viver eu quero. Conviver é preciso !” Esta expressão resume a aspiração mais essencial da natureza humana: a existência individual e a convivência com o grupo social primário (a família). A primeira afirmação resulta da consciência do bem supremo - a Vida. A segunda, completa e enriquece a primeira - a necessidade de manter-se vivo, conviver e conquistar seu lugar social no grupo.

Gibran Kahlil Gibran representou, com verdade e poesia, os papéis do Filho e da Família, como sendo uma flecha e um arco. A mensagem dessa representação pode ser interpretada assim: cabe ao Arco (família) lançar a Flecha (filho) com força (formação, educação) suficiente para que ele, sozinho, alcance o alvo (papel social).

É interessante notar que, nessa mensagem, fica claro que o papel da Família se limita ao primeiro e bom impulso; o resto do percurso (experiência, opções e escolhas) é de responsabilidade do indivíduo.

Utilizando essa representação, temos observado que é possível dividir as Famílias em quatro categorias:


Família Simbiótica A que se recusa a lançar (preparar) os filhos para o futuro da vida social.

 Família Hiposintônica A que lança o filho com fraco impulso.

 Família Homosintônica A que lança com impulso suficiente.

 Família Hipersintônica A que lança com forte impulso.
O que chamamos de “Impulso” ?
Ora, o Impulso é a síntese de tudo o que o ambiente familiar pode proporcionar ao indivíduo. As condições materiais, físicas, intelectuais, morais, emocionais e espirituais; tudo o que um indivíduo possa receber para desenvolver uma personalidade forte, um psiquismo equilibrado e, portanto, um bom desempenho social.

Família Simbiótica:
“gruda que eu gosto”

É a família que cria os filhos para si, que (inconscientemente) não quer que os filhos cresçam, namorem e casem para constituírem suas próprias famílias. É a que nega a independência dos filhos e trabalha no sentido de torná-los dependentes do grupo familiar. Sente medo de perder os filhos.

Essa aprendizagem fatalmente produzirá pessoas dependentes, inseguras e medrosas, homens e mulheres despreparados para conduzirem seu futuro de pais e mães adultos. Não são estimulados desde pequenos para atuarem progressivamente assumindo deveres, responsabilidades e decisões compatíveis com a sua idade e com o seu crescimento, resultado: serão os futuros adultos com personalidade infantil. Não foram encorajados para o destino social.

Já vimos anteriormente a relação do bebê com sua mãe. A forte simbiose (colagem) existente nessa fase, faz com que o bebê e depois a criança, ainda sinta forte necessidade de proteção. O desenvolvimento do corpo e das experiências vividas obrigará a criança, com o tempo, a crescer nos dois sentidos (físico e emocional) para poder conquistar e desfrutar da sua liberdade e construir sua identidade plena. Assim, o indivíduo adulto se sentirá apto e seguro para viver e conviver com todos, incluída a sua própria família, sem perder a sua identidade.

Muitas pessoas acham que o Impulso familiar é o suficiente e deixa o adulto pronto e acabado para a vida em sociedade. Não é assim que acontece. O impulso familiar representa apenas o “primeiro impulso”; o impulso que foi originado pela família e não o do próprio indivíduo.

No meio social o indivíduo adulto já tem que ter aprendido, desde cedo, a se auto-impulsionar, isto é, gerar seus próprios impulsos através de suas experiências pessoais e lidar com o seu desejo e com a sua vontade nos limites e espaços do ambiente. Vamos ver alguns casos:

“Não posso crescer porque sou doente”

Certa vez fomos chamados para um atendimento à domicílio. A informante (mãe) dizia pelo telefone que seu filho (o enfermo) não podia andar e precisava de cuidados médicos. Quando chegamos a sua casa fomos conduzido por ela até o quarto do “doente” e lá deparamos com a seguinte cena: um homem de aproximadamente quarenta e cinco anos, deitado na cama e coberto com lençóis, estava imóvel e com expressão de sofrimento. Sua mãe, ansiosa, falava sem parar descrevendo todos os sintomas do filho como verdadeira porta-voz do corpo e dos sentimentos dele. Depois ela trouxe alguns quilos de receitas, exames de laboratório, radiografias e remédios dos mais diferentes tipos.

Tentamos algumas vezes falar com ele mas sua mãe, detentora das informações, logo explicava com detalhes tudo sobre a doença do filho, inclusive sobre prováveis diagnósticos. Falou, entre outras coisas, que ele sempre foi uma “criança doentia” desde pequeno. Era uma pessoa sensível, ás vezes sentia tremor nas pernas, não conseguia trabalhar. Nunca encontrou uma namorada que o compreendesse.

Estava sendo alimentado com líquidos (leite, sucos e canja) de três em três horas. Sentia dores de barriga quando precisava viajar ou tomar decisões.

Ao sairmos, sua mãe falou mal dos médicos e remédios que não conseguiam resolver o “seu” problema e, de outros médicos, que disseram que ele era uma pessoa saudável, não tinha qualquer doença que pudesse ser comprovada clinicamente.
No final da conversa, pediu que fossemos fazer sempre os atendimentos em sua casa, pois ele não podia levantar-se e ir ao consultório. Ademais, ele sentia medo quando tinha que sair à rua.

Comentário:
Estávamos diante de um caso tradicional de regressão à infância. Dentro de um corpo adulto estava funcionando um psiquismo infantil. Depois de pacientemente observado, conseguimos decodificar as situações emocionais responsáveis pela “doença” do filho e pela “preocupação” da mãe.

Desde o início de sua vida, o referido senhor, fora tratado com superproteção e cuidados maternais que mais pareciam o trabalho de uma enfermeira dedicada com paciente muito frágil. Desde criança sua mãe tinha medo que ele caísse quando começou a querer andar (tremor nas pernas); fazia tudo para ele, pois sempre achou que ele não sabia fazer tão bem quanto ela (dificuldade de trabalhar); não conseguia namorar (sua mãe não queria dividi-lo com ninguém); só estava aceitando líquidos (lembrança de alimentação infantil); sentia dores de barriga (medo de se separar da mãe e pretexto inconsciente para ficar perto dela).

Se essa mãe e esse filho pudessem falar pela voz do seu inconsciente, diriam assim:

Mãe: “Não posso viver sem meu filho. Ninguém sabe cuidar dele melhor do que eu. Se ele crescer eu vou “morrer” de saudade. Prefiro que ele fique doente, mas fique comigo.”

Filho: Não posso viver sem minha mãe ninguém sabe cuidar, de mim só ela sabe. Se eu crescer posso perdê-la. Prefiro ficar doente mas perto dela.”

Conclusão: Aquela pobre senhora não queria que o seu filho melhorasse ou curasse. A cura representaria a separação, o medo da solidão. Não aprenderam que mãe e filho têm que se separar um dia. Que o papel da mãe é lançar o filho para a frente, para a Vida; que o destino do filho é ser homem e pai.

É comum encontrar homens que, após abandonarem a casa materna para se casarem, são verdadeiramente adotados pelas esposas, que passam a representar a sua segunda mãe. São os que tratam suas mulheres exigindo delas toda a atenção e se sentem perdidos quando, por qualquer razão, tem que ficar alguns dias cuidando de si próprio, preparando os alimentos, escolhendo suas roupas e tratando dos filhos.

Há mulheres, também, que adoram cuidar dos maridos como se eles fossem crianças inexperientes, que precisassem sempre de cuidados especiais.

“Por favor deixem-me viver”

Fomos procurados por uma mulher de vinte e sete anos. Ela dizia assim: “Eu já não agüento mais. Todo mês eu tenho que me internar no hospital. No primeiro dia de menstruação sinto cólicas terríveis, com vômitos e depressão. É uma crise que dura três dias e que volta a se repetir todo mês, desde os doze anos de idade. Minha mãe vai para o hospital e fica do meu lado. Quando fico boa eu brigo muito com minha mãe e quando estou doente ela me trata com o maior carinho e até me abraça.

Não gosto do egoísmo dela, ela está sempre com a razão. Por que ela é mais forte do que eu ? Gosto de fazer o meu pai de escravo. Peço para ele resolver as coisas para mim e ele obedece sempre. Mas fica me vigiando, quer saber o que faço, com quem e para onde vou. Tenho medo de trair os meus pais.

Não consigo me relacionar com os amigos e nem arranjar namorados. Algumas amigas desconfiam que eu seja sapatão. O que eu faço para viver bem ?

Comentário:
Após algum tempo fomos descobrindo os “códigos secretos” deste caso. Pai e mãe, unidos e inconscientemente, agiam para não permitir a passagem da sua linda menina (ela tinha corpo e jeito de menina) para a vida adulta. Aos doze anos sua mãe falara que a menstruação provoca as dores mais terríveis que uma mulher experimenta. O pai sempre deixou claro que a gravidez é o resultado do namoro. Nem pensar de ter uma filha grávida dentro de casa.

Sua mãe tinha “crises nervosas” e seu pai tinha “problemas de coração”. A jovem, embora percebesse vagamente que as “crises” dos pais coincidiam com suas decisões de viajar ou participar de festas, tinha medo de que acontecesse o pior - a morte deles.

Conclusão: Estávamos diante de mais um caso de pais simbióticos (grudentos). A jovem era constantemente vigiada para não crescer e se tornar mulher adulta. “Assinava ponto” todo mês no hospital para provar que não estava grávida e iria permanecer menina. Não podia ter amigos, passear ou viajar para não correr risco de sair de casa, encontrar alguém e descobrir novo vínculo afetivo. Embora se rebelasse de vez em quando, tinha medo de causar a morte dos pais (separação) e se sentir sozinha (solidão). Estava num dilema: “se crescer eu perco os pais, se não crescer eu continuo menina e nunca vou me tornar mulher”.

Após um ano de trabalho analítico, ela já havia conseguido ficar durante três períodos menstruais sem crises dolorosas e sem internações hospitalares. Seus relacionamentos dentro e fora de casa tinham melhorado, quando ela interrompeu o tratamento. Por sugestão dos pais ? Por medo de encontrar-se face a face com a sua liberdade ? Por dificuldades financeiras ? Não sabemos. Talvez algum dia possamos saber.

A ocorrência de problemas na infância e a rebeldia dos adolescentes são, com freqüência, sinais de alerta para os pais; se esses sinais não são percebidos e compreendidos a tempo, isso é outro problema. Como nesse caso, por exemplo:

“Mamãe tenho medo.. .filha, eu também...”

Fomos chamados por um pediatra para ver uma menina de oito anos. Estava em observação na clínica e tinha chegado naquele dia. Estava levemente deprimida e queria ficar internada com sua mãe perto dela. Tinha medo de voltar para casa porque seu pai estava viajando e podia entrar ladrão em casa.

Sua mãe também sentia medo e, quando o marido viajava, ela costumava tomar tranqüilizantes e os dava para a sua filha. Na ausência do pai, mãe e filha costumavam ficar juntas e por isso a filha faltava às aulas. A mulher se sentia abandonada pelo marido e se agarrava à filha para não ficar só.

Depois de conversar com o pediatra concordamos que a menina deveria sair da Clínica e retornar a casa. Conversamos com as duas (mãe e filha), tranqüilizando-as no sentido de retornarem e aguardarem a volta do pai-marido. Indicamos para a mãe que procurasse um terapeuta, coisa sobre a qual ela já havia pensado.

Comentário:
Mais um caso que sinaliza para o apego, a colagem, a simbiose. A mãe, na ausência do marido (representação do pai ausente), ficava com medo da solidão e transmitia esse medo para a filha. A filha agarrava-se à mãe com medo do ladrão (figura aterrorizante do pai fugitivo). Ambas foram para a Clínica procurar proteção com o pediatra (figura do pai presente e protetor) e pedir a ele que cuidasse delas. O terapeuta fez o papel auxiliar de pai compreensivo (que dialoga e acalma). Os comprimidos tranqüilizantes não compreendiam e nem dialogavam mas acalmavam quando, nem o terapeuta nem o pediatra, pudessem estar presentes.

É interessante notar que, nos três casos citados, o pai ou estava ausente ou sua presença era fraca e não ajudava o filho ou a filha a se desembaraçar do apego à mãe. Outro fato: a mãe sempre aparece em primeiro plano no “agarramento” e o pai, ou se torna “aliado” desse agarramento ou permanece como espectador passivo.

Vamos lembrar um pouco dos animais “irracionais”, como se costuma dizer. Quem mora em fazendas, sítios ou chácaras, pode observar melhor o comportamento de animais como a galinha, o gato, o cachorro, etc.

Esses animais aprendem desde cedo (por instinto) que os filhotes precisam crescer logo para se tornarem autônomos, para poderem sobreviver. As mães costumam bicar ou morder com força os seus filhotes já bem crescidos, para obrigarem-nos a procurar alimento sozinhos e se defenderem dos outros animais. Os mais fracos correm o risco de definhar e morrer. É a própria natureza que determina esses comportamentos.

Com o homem não poderia ser diferente embora, na escala zoológica, seja o animal que mais tempo depende do grupo familiar para se desenvolver. A função da família é, pois, uma função centrífuga (de dentro para fora); quem quiser formar uma família, não pode permanecer eternamente na sua. Tem que sair. E é melhor que saia bem preparado.

Quando vemos urna família trazer para morar no fundo do seu quintal, na mesma rua ou no mesmo bairro, todos os seus filhos e filhas, genros e noras, netos e bisnetos, ficamos na dúvida: será mais um caso de simbiose familiar ? Ou será que a memória primitiva está tentando ensaiar a reconstituição de uma “família extensa”, como a dos indígenas ? Geralmente temos ficado com a primeira hipótese, até que se possa provar o contrário.

Família Hiposintônica:
“Não sei se vou, não sei se fico...”

Algumas famílias, embora transmitam mensagens, estimuladoras para seus filhos, nem sempre o fazem com força e clareza suficientes. Os filhos normalmente observam o comportamento dos pais e copiam ou assimilam algumas de suas características, exemplos, desejos e outras tantas mensagens inconscientes. Essa evidência está demonstrada nos ditados populares: “Tal pai, tal filho”, “Tal mãe, tal filha” ou “O homem é o produto do meio”.

Se os pais são inseguros, indecisos ou mudam de comportamento e de humor com facilidade (pais instáveis), é de prever-se que estejam transmitindo esse modelo para os filhos. Se mandam mensagens alternadas de que o filho ou filha deve crescer e depois, que não deve crescer, deixam-nos confusos e desorientados. Vejamos um caso desse tipo:

“Eu devo me arriscar, ou não...?”

Fomos procurados pela mãe de um adolescente de quatorze anos que estava com problemas. Depois de varias sugestões da mãe resolveu nos ver e falou: “Tenho medo de sair de casa e ao mesmo tempo não gosto de ficar lá dentro. Há pouco tempo, na escola, fiquei nervoso e caguei nas calças. Os colegas riram muito e zombaram de mim: Cagão...! Cagão...!

Fiquei com tanto vergonha que não quis mais ir às aulas. Prefiro perder o ano. Estou na sétima série, mas não sei qual a profissão que quero escolher. Às vezes namoro com uma garota e depois de urna semana, fico de “saco cheio” e procuro outra. Já tive várias, mas nenhuma me agradou. Fico muito indeciso com tudo. Não sei nem se deveria ter vindo aqui hoje..!

Comentário:
Após algumas entrevistas passamos a conhecer melhor os pais desse jovem. Ambos perguntavam o que era certo ou errado, o que deviam ou não deviam fazer com o filho. O pai não parava no mesmo emprego. Mudavam sempre de casa. Faziam e desfaziam negócios, acordos e compromissos. Gritavam e brigavam entre si. Xingavam os filhos e, dai a poucos minutos, os estavam adulando.

Pensaram muitas vezes em mudar de cidade, mas nunca se decidiam. O jovem telefonava para o consultório muitas vezes fazendo perguntas e pedindo sugestões para diferentes assuntos, sobretudo a respeito de viagens que gostaria de fazer. Numa mesma entrevista com ambos os pais, os vimos rirem chorarem e se irritarem um com o outro.

Conclusão:
O jovem era a cópia dos pais. O episódio que o envergonhou muito (incontinência fecal) representou uma regressão à condição infantil, um pretexto contra a situação difícil na qual estava vivendo, uma tremenda insegurança de crescer sem ter um rumo definido. Queria mudar para uma situação mais organizada e orientadora, uma base tranqüila e estável.

Família Homosintônica:
“Sou dono do meu nariz” !!!

É a família que consegue conviver relativamente bem. Administra seus conflitos e diferenças. Seus membros dialogam e expressam seus sentimentos, princípios e valores com facilidade e de forma espontânea. O clima familiar permite, limita, estimula, encoraja e compreende as diferenças individuais.

Nessa família os pais atuam democraticamente, permitindo a livre expressão de todos, permitindo a divisão dos direitos e deveres, a emergência dos pensamentos e sentimentos e, com isso, o desenvolvimento da personalidade adulta.

Raramente somos procurado por pessoas pertencentes a esse tipo de família e, quando somos, observamos que as questões apresentadas são de natureza circunstancial e fáceis de resolver. Quase sempre não indicamos tratamento e apenas orientamos.

Família Hipersintônica:
“Águas passadas não movem moinhos”

É a família que já não encontramos mais na civilização ocidental. Nos nossos encontros com os índios da Amazônia constatamos que era esse o tipo de família existente entre eles - a família extensa, a própria família hipersintônica.
Esse tipo de família só existe ainda nas pequenas sociedades naturais que conseguiram manter a integridade de um modelo cultural milenar e equilibrado, não atingidas ainda pelos vícios da civilização branca. É a família protegida por várias camadas de identidade grupal interligada, sistema econômico, político e re1igioso voltados exclusivamente para a qualidade da convivência e para o seu principal objetivo – a figura humana.

A destruição do meio ambiente e as chacinas freqüentes que esses grupos humanos sofrem, nos faz acreditar na extinção desse tipo de sociedade e de organização cultural e familiar.
Não é necessário falarmos mais sobre ela pois já o fizemos em comentários anteriores.

Abordamos o aspecto familiar usando o critério formativo, isto é, que tipo de mensagens ela passa (consciente ou inconscientemente) para os filhos.


Comportamento Reativo e Família

A família na sociedade civilizada é a unidade receptora e transmissora de informações e conhecimentos. Os sentimentos, princípios e valores circulantes na sociedade, são reproduzidos no seu interior e irradiados para todos os membros que a compõe. As crianças e adolescentes recebem esses sinais através da palavra e do comportamento dos adultos. As palavras podem não ser coerentes com o comportamento. Nesses casos os filhos percebem e, usando o seu próprio discernimento, podem julgar se estão sendo convenientemente usadas ou não.

Assim como os adultos julgam seus parentes, amigos, chefes, grupos ou governantes, os filhos também observam e julgam as palavras e o comportamento dos pais. Ficarem apenas calados e observando, pode ser uma forma silenciosa de julgamento e compreensão.

Muitos pais não sabem que representam para os filhos os principais papéis que estão presentes na sociedade em geral. Podem ser além de pais: professores, juizes, promotores, advogados, médicos, sacerdotes, governantes, ídolos, artistas, namorados, policiais, etc.

A família é o resumo da sociedade. A sociedade atual é materialista e não humanista. Vejamos um exemplo disso:

O caso do tapete:
“Meu tapete é mais importante do que você.”

Uma distinta senhora levou seu filho de cinco anos a um terapeuta. O garoto estava infernizando sua vida.

Além de bagunçar a casa toda, estava quebrando vários objetos de estimação da referida senhora. A última descoberta dele deixou-a enfurecida. Ia ao quintal
sujar os pés com lama e vinha esfregá-los no tapete novo, um tapete – segundo ela - valioso e caro.

Após esgotar todos os recursos, incluindo surras, foi procurar auxílio externo.

O terapeuta, após compreender a situação, mostrou para a senhora o que estava acontecendo. Em resumo: Ela sempre colocou os objetos em primeiro plano no seu afeto e atenção; o filho vinha depois. Aconselhou-a a reconsiderar a situação e trocar a ordem dos valores e dos sentimentos, dizendo: “Quando o seu filho estiver recebendo o carinho e a atenção necessários, ele se sentirá mais valorizado e mais querido do que os objetos e lhe ajudará a cuidar bem deles, inclusive do tapete.”

Já dissemos em comentários anteriores que os adultos (pais e educadores) estão cercados pelos sentimentos, princípios e valores circulantes na sociedade. Nem sempre, porém, são experiências de boa qualidade e por isso criticadas e repelidas pelos pais. Mas, às vezes, sem querer (inconscientemente) elas são transmitidas para as crianças e adolescentes que estão sob os seus cuidados. Parece ser mais fácil criticar os outros do que refletir e fazer autocrítica ?

Nós os adultos, passamos muito tempo justificando nossas atitudes, explicando nossos erros e nos defendendo das nossas falhas. É por essa razão que dissimulamos e mentimos com muita freqüência. Quem nos ensinou tudo isso ? Foram nossos pais, educadores e a sociedade em que vivemos ?

Somos o retrato fiel da nossa família e da nossa sociedade. Mas, por incrível que pareça, somos dotados da capacidade de provocar mudanças em nós mesmos e ao redor do ambiente em que vivemos.

O homem cria, transforma e se transforma; se submete e se escraviza, submete e escraviza outros; provoca a vida e pode tirá-la. Se adapta às mais diferentes situações para continuar vivo ou morrer.

Imaginamos o comportamento do indivíduo em diferentes situações: na idade que tem, (crianças, adolescente, adulto, idoso); no local onde vive (cidade, floresta, montanha, rio, gelo, deserto, mar, etc.), na cultura em que nasceu, no tempo em que viveu e nas situações que enfrenta dentro da família, da sociedade e de si mesmo.

Um caso estranho

Tratamos uma vez de um caso que nos ensinou muito. Nunca tínhamos imaginado a enorme força que a emoção e o sentimento exercem sobre o corpo e o comportamento das pessoas.

Trabalhávamos como médico do governo em uma penitenciária agrícola situada num bairro da periferia da cidade. Éramos responsáveis pelo atendimento de cento e vinte detentos e atendíamos também as famílias pobres daquele bairro.

Certo dia chegou ao consultório um detento. Era um negro alto e forte. Queixava-se de fortes dores abaixo do umbigo, um pouco à direita. Tinha febre e gemia colocando a mão no local. A dor apareceu de repente à noite depois de um pesadelo que teve.

Depois de examiná-lo bem, concluímos que não se tratava de uma apendicite porque as manobras que foram feitas no local da dor mostravam-se sempre negativas. Mandamos fazer exames de laboratório e receitamos comprimidos para dor.

No dia seguinte continuava do mesmo jeito e dizia que a dor não tinha melhorado. Os exames apresentaram resultados negativos para infecção. Foi novamente examinado e pedimos mais exames. Os resultados foram os mesmos, todos negativos.

Telefonamos para o hospital e pedimos a um colega cirurgião que o examinasse e remetemos um parecer junto com os exames já feitos. Após dois dias o detento retornou do hospital com as mesmas conclusões feitas pelo cirurgião: não era portador de qualquer doença física.

Fomos informados que o detento tinha passado a noite gritando e gemendo em sua cela. Pedia para que cortassem a sua barriga para “tirar a dor”. Compareceu de novo ao consultório da penitenciária pedindo para voltar ao hospital pois já não suportava a dor, embora continuasse tomando analgésicos cada vez mais fortes.

Voltamos a ligar para o mesmo colega solicitando dele um reexame, agora através de uma junta médica. Quatro colegas o reexaminaram e pediram mais exames. Nada encontraram. O cirurgião voltou a ligar dizendo que o detento queria ser operado e estava insistindo muito. Sugeriu que fosse operado e que, mesmo se nada fosse encontrado, extirparia o apêndice para examiná-lo.

Após autorização por escrito do paciente, da administração da penitenciária e da direção do hospital, ele foi finalmente operado. Após alguns dias ele voltou com um vidrinho onde estava contido o apêndice mergulhado em formol e o parecer da junta médica. Nada foi encontrado, o apêndice estava em perfeito estado e todos os exames continuavam negativos. A dor no local não desapareceu e o detento gemia.
Lembramos então de consultar a sua ficha criminal e iniciamos uma série de sessões diárias onde ele passou a ter longas conversas conosco.

Contou sobre sua vida criminal e sobre o fato que o levou a ser preso. Falou sobre o sonho que provocou o aparecimento da dor. Tinha muita dificuldade de falar sobre esses assuntos, mas o estimulávamos e encorajávamos. Demos a ele remédios para que dormisse melhor e atenuasse a sua agitação.
Depois de muitos dias percebemos que as dores estavam diminuindo e ele já se sentia melhor.

Em sua ficha criminal estava escrito que ele matara um amigo com uma facada no mesmo lugar onde sentia a dor. Ele confirmou o que estava escrito na ficha e contou mais detalhes do crime. Contou também sobre o sonho que tivera na noite em que a dor começou. No sonho o amigo implorava que ele desse um jeito “naquele buraco que sangrava”; que ele não suportava mais a dor daquela facada. Disse que naquela noite acordou assustado e com a dor embaixo do umbigo. O resto nós já sabíamos.

Comentário:
Esse caso nos mostra como o sentimento de culpa pode afetar com tanta intensidade uma pessoa.
A culpa era tão forte que, ele mesmo, pediu ao cirurgião que lhe desse uma facada (o ato cirúrgico). Após a cirurgia a dor continuava porque ela não existia no corpo mas, na alma do detento, na sua emoção. Ele precisava reparar aquele erro, pois tinha medo de dormir e voltar a sonhar com a sua vítima que o acusava e aterrorizava.

A dor cessou e ele continuou um bom tempo fazendo as sessões. Chorou bastante em algumas ocasiões e os remédios foram retirados.
Vimos com esse caso, e com outros tantos, que nem sempre o que sentimos no corpo se origina do próprio corpo. Muitas vezes o corpo é usado para expressar situações, sofrimentos e experiências emocionais. Um sintoma ou um sinal físico pode também ter suas raízes (causas) encravadas na emoção, no sentimento, no compartimento extra-físico do psiquismo.

Medicina de branco X medicina de índio

Nunca conseguimos entender porque os índios, desprovidos de infra-estrutura de saúde e de conhecimento científico, são tão fortes, tão bem nutridos e quase não apresentam doenças. As doenças que possuem geralmente são transmitidas por civilizados.

Tratamos de vários casos de tuberculose pulmonar, pneumonias, doenças de transmissão sexual, etc. Eles não gostam da presença do branco na aldeia e só os considerados amigos são bem recebidos. Têm medo das doenças e do comportamento “pouco civilizado” dos brancos, que querem transar com suas mulheres e comprar com dinheiro todos os seus objetos. Os brancos – segundo eles - falam como papagaios, são agitados como os micos e fedem como a guariba (macaco grande da floresta amazônica).

Os índios usam plantas e rituais religiosos para curar as doenças do corpo e da alma (físicas e emocionais). Não separam os dois tipos de tratamento e acreditam que o corpo é a morada da alma. Se o espírito abandona o corpo, ele adoece e pode morrer. Manter a alma sempre confortável dentro do corpo é a mesma coisa que evitar as doenças. Não compreendem como os brancos podem separar essas duas coisas e tratá-las de formas diferentes.

O Mito da Doença entre os brancos

Só podemos compreender melhor essas diferenças de concepção quando passamos a prestar mais atenção ao comportamento dos civilizados. Os grandes desejos de poder, de dinheiro e de prestígio arraigados no comportamento branco, passou a significar para nós focos importantes de observação. O autoritarismo, a ganância e o exibicionismo representam verdadeiros motores que impulsionam grande parte dos nossos comportamentos diários.

Compreendemos que a mentira, a hipocrisia, a dissimulação, a chantagem e outras condutas dessa natureza, são elementos de aprendizagem da vida civilizada e se encontram consolidados no plano do relacionamento. Facilitam o nosso desejo, controle e poder sobre outras pessoas. É um procedimento largamente utilizado por políticos (demagogia), patrões e empregados, professores e alunos, pais e filhos e entre amigos ou inimigos. É a prática utilizada entre exploradores e explorados, fortes e fracos, espertos e bobos. A ganância e a avareza passam a representar, nessa linha de compreensão, as bases que explicam a existência, entre nós, da opulência e da miséria.

O exibicionismo desenfreado mobiliza o desejo de muitas pessoas, no sonho de se tornarem famosas a qualquer preço, de se escravizarem e se violentarem no caminho para o sucesso. Reunindo todos esses anseios, percebemos que são uma coisa só; que juntos alimentam o individualismo, o egocentrismo dominante. Podemos mesmo acreditar que esse é o comportamento mais estimulado e o mais comum entre nós os civilizados. Perdemos o senso coletivo.

Precisamos ser ricos, famosos e controlar os outros para nos sentirmos seguros e amados. Precisamos mentir e enganar para auferirmos mais lucros e nos tornarmos poderosos. Precisamos imitar o camaleão (mimetismo psicossocial) para não mostrarmos aos outros o que realmente somos, para podermos através do disfarce conseguir os nossos objetivos nem sempre muito louváveis.

É lendo alguns livros dos brancos que conseguimos compreender como e porque suas instituições civilizadas estão impregnadas pelos mesmos objetivos: o lucro, o prestígio e o poder.
A medicina, a política, a economia, a religião e outras tantas atividades humanas são praticadas por homens e mulheres civilizados. Estão sujeitas, portanto, a uma série de anomalias e intenções próprias da nossa civilização materialista e paranóica. Portanto, não podem ser inteiramente confiáveis. Vamos citar dois exemplos que confirmam essa avaliação:

1º Exemplo:
Lemos em vários livros de Imunologia (estudo das Defesas Naturais do Organismo) os processos de autodefesa do corpo contra as doenças. Dizem esses livros que o nosso organismo, através de milhares de anos de evolução biológica, “aprendeu” a se defender dos agentes causadores de moléstias sem necessitar de medicamentos fabricados pelo homem. Aliás, a indústria farmacêutica moderna só alcançou maior desenvolvimento após a segunda grande guerra mundial.

O Sistema Imunológico - como assim é chamado - representa na verdade a nossa maior defesa, curando cerca de 95% das doenças conhecidas. Não só nos defende como previne (imuniza) contra a maioria das doenças naturais.

Já ouvimos falar muito da AIDS, doença produzida por um vírus que ataca justamente o Sistema Imunológico, enfraquecendo-o. Por isso tememos tanto essa doença.

Sabemos porque a divulgação maciça e pública dessas informações verdadeiras sobre o funcionamento natural das defesas do organismo não são feitas nos consultórios, nos livros e através dos meios de comunicação de massa. Elas não são lucrativas, não movimentam dinheiro.

Ora, por que um grande número de indivíduos consome tantos remédios e sente necessidade de viver percorrendo os médicos, ambulatórios e hospitais ? Por que a grande maioria se automedica e gosta de medicar outros ? Por que e como os seres humanos conseguiram sobreviver e aumentar suas populações durante 39.900 anos antes da descoberta das drogas modernas ? Será que a doença transformou-se em mercadoria, prazer ou esconderijo, por meio do qual as pessoas se refugiam para não enfrentar suas dúvidas e inseguranças ?

A publicidade da indústria farmacêutica tem como alvo o lucro e sabe como manipular habilmente o mecanismo psicológico dos hipocondríacos (pessoas que tem medo das doenças), dos profissionais inescrupulosos e imediatistas que provocam a Iatrogênese (doenças provocadas por uso excessivo de remédios) e a cabeça das pessoas solitárias que usam remédios para se sentirem protegidas.

Será que é necessário estimular a “indústria da doença” para que o comércio dos remédios, das clínicas e dos hospitais continue a florescer ? Se essa lógica estiver correta teríamos que admitir que: “o ideal seria que todos os indivíduos ficassem cada vez mais doentes para manter os lucros sempre em alta.”

O Estado não consegue ou não se interessa em organizar esse mercado de consumo porque é parte interessada nele, ou seja, aumenta também sua margem de arrecadação através dos impostos e outras obrigações por ele geradas.

Ficamos pensando por que, até determinados grupos religiosos, se aliam e aderem a essa prática desonesta prometendo curas milagrosas e incitando seus adeptos a acreditarem em milagres. É através de “doações”, “dízimos” e “colaborações espontâneas” que essas instituições se auto-sustentam ? É esse “filão” do medo da doença, da obsessão por “demônios” ou da perda da “salvação” da alma que mantêm o lucro em dia ?

Entre os índios nunca vemos um pajé ou xamã cobrar pelos serviços prestados, incitando ao medo e à insegurança os beneficiários de seus préstimos. Quando muito os vemos ganharem prestígio, comida a vontade e alguns charutos de “tauarí” (cigarros rituais dos índios) para cumprirem as suas obrigações religiosas diante do grupo.

As Companhias de Seguros (seguro desemprego, seguro doença, seguro acidente, seguro contra incêndio, seguro contra roubo, etc.) e as instituições de Previdência do Estado atuam no mesmo “nicho da insegurança” das massas, prometendo a salvaguarda eficiente dos seus futuros e prováveis prejuízos materiais. Os planos de saúde florescem e se multiplicam num mundo onde ninguém pensa em fazer, desde cedo, uma reserva para prover suas necessidades futuras. Preferimos pagar para empresas que vivem da insegurança e do medo dos seus clientes.

As instituições religiosas, políticas, públicas e privadas atuam reunidas, prometendo ao homem civilizado a “salvação” do seu corpo, da sua alma e dos seus bens materiais “no futuro”. No presente só lhe resta acreditar nessas promessas.

Às vezes imaginamos que o homem branco passou uma procuração com plenos poderes para as suas instituições; delegou seus direitos e decisões de cidadão livre e se alienou, transformando-se em espectador passivo (e revoltado) da sua própria cidadania.

2º Exemplo:
O livro de Terapêutica de Otto Miller traz em seu prefácio alguns trechos que referimos a seguir:
“Além dos efeitos benéficos, os medicamentos são capazes de causar danos ao organismo. Os fenômenos de resistência bacteriana aos antibióticos é uma das trágicas conseqüências do seu emprego abusivo.

É muito freqüente o clínico ver-se submetido a fortes pressões no sentido de lançar mão de recursos terapêuticos enérgicos antes de dispor de qualquer indicação diagnóstica precisa, e nem sempre consegue resistir a tais pressões.

A propaganda intensiva dos laboratórios farmacêuticos junto à classe médica, baseada essencialmente em interesses comerciais, contribui para aumentar o consumo indevido de medicamentos.

A possibilidade dos próprios doentes adquirirem livremente nas farmácias e drogarias os medicamentos de que necessitam e, o que é mais comum, de que não necessitam absolutamente, vem conferir proporções ainda mais vultosas ao problema do consumo abusivo de drogas.

Os remédios supérfluos constam, em sua maioria, de associações medicamentosas quase sempre inúteis e muitas vezes prejudiciais, pois ao lado de um aumento problemático da atividade terapêutica exibem freqüentemente um risco muito maior de toxidade. Tais remédios são, entretanto, sedutores à uma analise superficial e os chefes de departamentos de promoção de vendas utilizam com maestria esse fato psicológico, ao qual a classe médica deveria saber resistir.

A despeito desses descaminhos e de seu desenvolvimento um tanto deformado, desempenha a indústria farmacêutica um papel de extrema relevância no mundo moderno, em sua luta contra a doença, o sofrimento e a morte.

Caberia a nós, médicos, orientar a indústria farmacêutica de acordo com os verdadeiros interesses dos doentes, pois na realidade os laboratórios só produzem o que receitamos e, se fôssemos capazes de resistir às influências de seus departamentos de promoção de vendas (desvinculados sempre dos departamentos de pesquisa), muitas das distorções do comercio de medicamentos tenderiam rapidamente a corrigir-se.

O esclarecimento, nesse sentido, da classe médica e dos poderes públicos deveria constituir uma das metas das associações médicas e das Universidades. Tal atitude concorreria, sem dúvida, para manter a dignidade da nossa profissão.”

O conteúdo das questões levantadas anteriormente nos faz pensar sobre o comportamento humano e o futuro da civilização ocidental. Com relativa freqüência nos esforçamos para ter uma resposta e uma postura diante dos problemas essenciais, assumindo três posições reflexivas:

• Quem somos nós e o que podemos fazer dentro da nossa possibilidade individual ?

• Quem somos nós e o que podemos fazer dentro das limitações humanas que essa condição nos impõe ?

• Que opções deveremos fazer para que a nossa organização social nos recoloque, como pessoas plenas de dignidade, no centro da história da humanidade ?

No convívio com os índios observamos que eles optaram por se posicionarem como indivíduos ativos e centrais da sua própria cultura e de se utilizarem dos seus bens e objetos em proveito estrito da sua convivência.

Nossa civilização “inteligente e culta” escolheu subordinar a nossa própria individualidade ao valor dos objetos e bens que produzimos e a nos condicionar ao papel de usuários, a serviço da fantasia de consumir e competir. Chamamos a isso de “mundo civilizado”, “mundo desenvolvido” ou “civilização humana”.

O Papel dos Adultos

No mundo atual sentimos medo quando somos impelidos pelo instinto sexual a cumprir o destino da reprodução da espécie. Sabemos que os efeitos desse ato implica numa série de mudanças e na inserção definitiva na nossa vida dos papéis sociais de pai e mãe que nos estão reservados.

É sabido que o desejo e o amor levam ao sexo, que o sexo leva à Vida, que a vida exige e determina a organização de uma Família. Não temos alternativa: ou ficamos sós ou produzimos uma Família.

É comum nos sentirmos indecisos quanto a essa questão. Costumamos pensar nos filhos como elementos de perda ou restrição da nossa própria liberdade individual. Se, quando crianças e adolescentes, não gozamos plenamente essas fases porque estávamos produzindo muito (estudando ou trabalhando) para “vencer na vida”, sentiremos necessidade de desfrutar dessa liberdade, mesmo que seja temporã, na idade madura e nos tornaremos duros com os nossos filhos, irresponsáveis ou ridículos.

Parece que os pais fazem com seus filhos o mesmo que aprenderam com seus pais: mentem e punem. Não suportam ver as crianças brincando porque também não puderam brincar o suficiente. Não aprovam os jovens namorando porque não conseguiram ter essa experiência como desejariam ter.

Ninguém consegue chegar bem a idade adulta, se não cumpriu bem as fases anteriores. A hipocrisia social circula pelos corredores da família e se mostra nas atitudes dissimuladas e controladoras dos adultos, repetindo a postura do Estado em relação aos seus contribuintes. De ambos os lados ouvimos sempre expressões como esta: “eu só quero o teu bem, o teu progresso”.

A característica principal e verdadeira dos pais adultos é a disponibilidade, o respeito e a divisão dos direitos, sem tentativas de alterar a identidade individual das crianças e jovens com chantagens e mentiras. Chantagens e mentiras são características de uma personalidade infantil. O culto do individualismo prepotente confunde muitas vezes o comportamento do adulto e transfere esse valor para as crianças e adolescentes.

O mito da perda ou restrição da liberdade ao se constituir uma família é inteiramente falso. Pelo contrário, há um enriquecimento com essa nova aquisição social. O parceiro desdobra o seu papel de homem livre em mais dois papéis: o de pai e educador. A parceira, além do papel de mulher, ganha mais dois papéis : o de mãe e educadora.

No entanto, a sociedade condena homens e mulheres a resolverem o enigma da esfinge: “Ou me decifras ou te devorarei”. De um lado, homens e mulheres jovens não são estimulados a namorar e casar; de outro, se não namorarem serão sentidos como homossexuais e, se não casarem serão chamados de “titias” e “tios solteiros”. Dá prá entender ?

Podemos afirmar, porém, que os que conseguem equilibrar seus papéis de indivíduos, pais e educadores se sentirão mais realizados, se o casamento não tiver sido um pretexto para fugir de casa diante de tanta confusão. Há lugar para todos dentro de uma família. Se não há, alguma coisa deve estar errada.

Comportamento Reativo: sinais do Corpo e da Alma


O conceito de comportamento reativo que temos utilizado para facilitar nossa compreensão foi formulado intencionalmente para ter uma função integradora. Partimos da idéia do vivo e ativo, que reage frente a várias situações; e não do morto e passivo, que não reage e não muda.

Integrar o corpo na alma, o físico no emocional, o indivíduo na família, a família na sociedade e a sociedade na biosfera (natureza). Esse é o propósito fundamental.

Como o indivíduo só consegue expressar o seu mundo interno através do comportamento, supomos que a sociedade seja o conjunto das relações ativas e reativas dos grupos de indivíduos nas diferentes culturas. Mesmo no aparente silêncio e passividade, o indivíduo reage (internamente), evitando muitas vezes que essa reação transpareça para o comportamento. Isto é, acumulando suas tensões internas até que não consiga mais suportá-las e as descarregue para fora ou para o corpo.

O que é a política, a ciência, a economia, a educação, o casamento, a família senão um conjunto de reações ativas e reativas entre pessoas. O mundo civilizado é uma teia de interesses onde, nem sempre, a verdade é facilmente publicada. A própria descoberta científica é muitas vezes omitida ou falsificada para servir a interesses pessoais, de grupos ou de países. Daremos alguns exemplos que não aparecem com freqüência na rotina diária e são mais antigos que os nossos avós.

A Febre

São muitas as pessoas que ainda interpretam o fenômeno da febre no organismo como um sinal negativo e ameaçador. É hábito tomar remédio para “cortar a febre”.

Alguns médicos ainda ensinam às mães, associando febre com perigo, aumentando-lhes a ansiedade. Na verdade a febre é uma reação térmica positiva que serve para enfraquecer e matar microrganismos invasores do corpo.

Quem consegue aumentar a temperatura do corpo para se defender é porque está com essa defesa em perfeita ordem. Essa temperatura, em algumas pessoas pode atingir até 42º C, sem causar qualquer dano; alguns só suportam até 39º C e outros um pouco menos. Após atingir a temperatura máxima ou limiar térmico, (que é diferente individualmente), o corpo passa a emitir um outro sinal conhecido como Delírio Febril. Essa nova condição nos faz apresentar idéias confusas sobre a realidade e podemos falar palavras sem nexo. Só após algum tempo de fase delirante é que o corpo pode apresentar pré-convulsões e, mais tarde, convulsões.

A febre é um processo natural de pasteurização do sangue. A pasteurização (método inicialmente usado por Louis Pasteur) que significa “ato ou efeito de pasteurizar” é um processo de esterilizar determinado material (o leite, etc.) por aquecimento de gradação variável, que pode chegar a 70ºC, esfriando-o rapidamente depois.

Os educadores da saúde deveriam ensinar aos pais a conhecer até que temperatura os filhos são capazes de suportar e deixar a febre agir como elemento auxiliar de defesa. O corpo necessita treinar sempre seus mecanismos naturais defensivos para se manter em bom funcionamento.

A necessidade de aplacar a ansiedade dos pais associada a idéia de “ganhar tempo”, orienta sempre para a conduta antinatural de cortar a febre antes que ela aumente. E isso é como lutar contra a natureza , gastando dinheiro à toa.

A Dor

Outra condição de reação positiva e natural do corpo é a dor. Ela localiza e informa sobre a intensidade da agressão que organismo está sofrendo, sinalizando com sua presença, até que cesse a agressão. Suportar a dor até certo limite é uma condição perfeitamente natural; a dor só deve ser suprimida quando se torna insuportável ou quando impede uma função natural como o sono, por exemplo. É comum as pessoas tomarem analgésicos aos primeiros sinais dolorosos ou, simplesmente, para evitá-los. Os leprosos possuem áreas no corpo onde não sentem dor. Isso provoca muitas complicações e pode levar a grandes infecções.

A Tosse

Reação natural de defesa que tenta expulsar agentes estranhos que invadem o sistema respiratório. Ela ajuda a expelir secreções que podem impedir uma respiração livre.

Não se deve “cortar a tosse” enquanto ela estiver sendo útil ao organismo como elemento de defesa. Ela faz uma espécie de “faxina” no aparelho respiratório.

Outras defesas naturais como o espirro, a coceira, o ato de piscar e outras tantas, são benéficas e representam fatores positivos de defesa do corpo. A intencionalidade de fazer desses sinais e sintomas elementos perigosos, mostram muito mais desinformação, ansiedade e necessidade de manter o medo e a insegurança como promotores de venda eficazes para o florescimento da “indústria da doença”.

A medicina preventiva nos ensina que só devemos introduzir medicamentos em nosso corpo com o objetivo de fortalecer suas defesas naturais. É o caso das vacinas. Ou quando, com segurança e após testarmos o nível de resistência desse corpo, tivermos certeza de que serão benéficos auxiliares das defesas naturais.

Na área da saúde mental as questões são as mesmas. Usamos freqüentemente os remédios para mascarar as aparências, defender os interesses e suprimir transitoriamente o medo e a insegurança. As causas não interessam e sim os efeitos imediatos.

Motoristas que usam anfetaminas (bolinha, rebite) para se manterem acordados e trabalhando; mães que sedam seus filhos para não chorarem durante a noite; pessoas que tentam uma “tranqüilidade química” usando ansiolíticos e antidepressivos. A qualquer sinal de desordem psíquica usam-se sedativos e drogas pesadas para que o “doente” não nos incomode, pois é preciso trabalhar e produzir sem parar.

A doença, vista pelo seu lado positivo, é uma necessidade do corpo e da emoção atuando de forma simultânea. O organismo só consegue treinar suas defesas adoecendo de vez em quando para permitir que essas defesas se exercitem e se fortaleçam.

Quando adoecemos sentimos necessidade da atenção dos amigos, da proximidade e do carinho dos parentes, para relembrarmos a sensação de que somos considerados e amados. Adoecer é experimentar, de vez em quando, a solidariedade e proximidade afetiva dos outros. É uma experiência social ego-orientada (orientada para o eu, para dentro, que tranqüiliza).

É possível que o aumento assustador das doenças psicossomáticas na atualidade tenha alguma relação com essa necessidade ritualística de “rejuvenescimento” simultâneo do corpo e da personalidade. Essa prática milenar utilizada pela maioria das sociedades antigas foi há algum tempo abandonada pelos costumes modernos. Essa lacuna pode explicar o aumento da demanda que ocorre nos consultórios, clínicas, hospitais, templos e seitas místicas. Uma profunda e real prova da natureza sócio-afetiva humana.

Caminhamos progressivamente e estamos conseguindo ser uma sociedade tóxica. A sociedade dos drogados, que substitui o calor da proximidade afetiva pela ação alienadora, dos remédios; trocando a substância do amor pelo amor às substâncias químicas.

Há mais de vinte anos temos observado a multidão de “doentes” que caminha solitária em busca de diferentes remédios eficazes para a sua carência afetiva e para a sua solidão. Um remédio que não se guarda em vidros, caixas ou cartelas e que pode ser encontrado apenas na convivência, na boa convivência.

Precisamos resgatar os rituais antigos e altamente benéficos para o corpo e para a alma. Quem não lembra o que ocorria há algumas décadas atrás quando alguém adoecia em casa ? A família preocupada com o doente (e não com a doença) se reunia ou se alternava em torno do doente, cercando-o de cuidados e atenções: o chazinho, a canja de galinha, as massagens no peito e os presentes para o doente. As estórias eram contadas para diminuir a tristeza e fazer o doente rir, melhorar. Os amigos, vizinhos e familiares formavam uma verdadeira corrente encorajadora, fortalecendo o “ego” do enfermo para que ele se reintegrasse são e salvo (física e psicologicamente) à vida em comum. Ninguém apressava a cura, mas todos torciam por ela.
Os remédios do médico representavam apenas um elemento presente no conjunto desse ritual. O doente, satisfeito e agradecido por toda essa manifestação de atenção e carinho, melhorava e curava. Ora, pensava, se todos gostam de mim e me querem curado eu devo fazer a minha parte; não preciso mais ficar doente; vou ficar bom e continuar convivendo normalmente junto com os que gostam de mim.

Chegamos sempre à mesma conclusão: o homem não é de ferro, nem é feito de uma mistura de substâncias químicas e protéicas. Ele nasce do amor e necessita dele para viver até a sua morte.

Foi também observando os rituais dos civilizados que começamos a compreender melhor os rituais indígenas. Ambos guardam muitas semelhanças entre si, mas os nossos rituais ficam cada vez mais fracos e esquecidos e, por isso, sentimos muita falta deles e somos obrigados a criar outras formas substitutas (tomar remédios, por exemplo), nem sempre adequadas para preencher o vazio afetivo que sentimos dentro de nós.

O ritual da doença entre os civilizados foi sendo progressivamente ridicularizado desde o surgimento da era industrial. A onda de desenvolvimento científico e tecnológico precisava criar o mito do Homem Moderno e, com o dedo em riste, acusava a ignorância e o atraso das pessoas que resistiam à publicidade.

O homem antigo – diziam seus promotores - era supersticioso e fraco, suas idéias antiquadas e românticas o condenavam à pobreza; elas precisavam ser substituídas, renovadas. Os rituais primitivos deveriam ser trocados por formas rituais modernas onde as máquinas, a Razão e a Ciência passariam a ocupar o centro de solução para os problemas humanos. A eficácia dos remédios e a eficiência dos equipamentos e dos profissionais da saúde ocupariam, com vantagens, a função da família. Nada de perdas de tempo com besteiras e pantomimas empíricas. O homem é um ser racional e não emocional; é um ser forte e não necessita de carinho ou atenção; é um robô que só precisa ir a oficina de vez em quando para fazer manutenção ou trocar algumas peças gastas; seu combustível pode ser enlatado e seus aditivos podem ser produzidos sob a forma de comprimidos, gotas ou injeções.

Não pode perder tempo com doenças prolongadas porque precisa trabalhar muito, ganhar dinheiro para que consiga nos pagar sempre e bem. Nós somos seus benfeitores e salvadores, portanto devemos ganhar muito e cada vez mais. Vamos trabalhar ! Ordem e Progresso !

Agora entendemos melhor porque os índios norte-americanos, andinos e de outras partes do mundo foram “varridos do mapa”. Agora sabemos porque os índios brasileiros (os verdadeiros brasileiros) incomodam tanto e continuam a ser dizimados. Eles sempre se opuseram em praticar a concepção alucinada de progresso e desenvolvimento inventada pelo branco.

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Ontem (18.08.93) enquanto escrevíamos um trabalho, soubemos da notícia do massacre de índios Yanomami na aldeia de Haximu, no Estado de Roraima , onde morreram dezesseis pessoas entre adultos e crianças, executados por garimpeiros. Como não costumamos rezar, fizemos uma oração especial para eles, uma oração cheia de tristeza e vergonha.
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A megalomania dos civilizados explica bem essa aversão aos índios. A megalomania é um comportamento reativo civilizado cuja base é: insegurança, medo e inveja. O comportamento megalomaníaco tenta disfarçar esses sentimentos existentes, substituindo-os por uma conduta invertida – a onipotência e a agressão.

O indivíduo se mostra forte, seguro e decidido e critica os que considera fracos, para não ter que se enfrentar com sua própria fragilidade de personalidade. Esse perfil de personalidade é comum nas pessoas destrutivas, invejosas e com forte sentimento de inferioridade.

As cores e os tons da megalomania humana podem ser facilmente observados na postura emproada e altaneira dos militares de todos os países do mundo. Os militares são os atores da sociedade branca, que representam obrigatória e simbolicamente a nossa megalomania. Deixamos para eles esse papel que nós mesmos recusamos, mas necessitamos para nos sentirmos mais seguros. O militar que não é forte, decidido e combativo não é militar para nós. É um civil.

Coitados dos militares, são obrigados a cumprir o ritual da guerra (que guerra ?) e da coragem para nós, e ainda assim, têm que sofrer as nossas críticas que os acusam de prepotentes e violentos.

Conversamos com militares e tratamos de alguns deles. São pessoas iguais a todos nós. Contaram como é chato ficar repetindo muitas manobras e marchas sem qualquer expectativa de combate ou guerra, e com armamento obsoleto. Como é duro dar e receber ordens absurdas e sem sentido, de maneira cega e obediente. Manter uma disciplina rígida e antinatural sem reagir. Fazer de conta que a guerra virá quando sabem que ela é desnecessária e não leva a coisa alguma.

Muitos foram presos porque reagiram. Outros pediram baixa por não mais suportar a vida na caserna; outros, após agüentarem heroicamente essa tortura, ficaram neuróticos ou adoeceram da mente ou do corpo. Os que conseguiram ir até o fim, tiveram que trocar o uniforme garboso pelo pijama listrado e caíram no esquecimento; sobraram apenas as medalhas e os atos de bravura, escritos nos papéis amarelados e devidamente arquivados no departamento cabível.

Um caso Militar

Certa vez fomos chamado por um médico militar para observar e emitir um parecer sobre um cabo que vinha sendo detido com relativa freqüência por problemas de alcoolismo. Nossa missão era apresentar um relatório ao comandante do batalhão apontando as causas prováveis desse comportamento, sugerindo formas de tratamento e opinando sobre as probabilidades ou não de permanecer na função militar. Conversamos muitas vezes com o cabo e logo notamos sua dificuldade em aprofundar-se no assunto do alcoolismo e das indisciplinas.

Falamos a ele que não éramos médico militar; que tudo o que fosse dito teria que ser mantido sob sigilo profissional; que não poderíamos contar nada para o médico militar, nem para o comandante do batalhão; que o parecer seria lido, discutido e aprovado por nós, antes de ser encaminhado para o coronel; que as suas palavras não seriam citadas, apenas as nossas opiniões e que estávamos ali para ajudá-lo a reintegrar-se funcionalmente e não para prejudicá-lo.

Após algum tempo falou que foi mandado para um treinamento na selva. Foi-lhe dito que seria uma espécie de simulação de combate anti-guerrilha. Saiu para a missão sem ter tempo de avisar ou se despedir da sua família. Pensou que ficaria de uma a duas semanas nesse exercício e logo retornaria. Tinha mulher e três filhos. Mostrou uma cópia do seu boletim de serviços onde constavam varias menções por atos de bravura e dedicação à vida militar.
Certa madrugada, às três horas da manhã, foi acordado junto com o pelotão, no meio da selva, e ouviu as seguintes palavras do seu superior: “Estamos num combate real contra guerrilheiros reais. Eles estão espalhados por toda parte; nossa missão é encontrá-los e matá-los. Em marcha !”

Contou que ficou quatro semanas em combate contra os guerrilheiros até sofrer ferimentos provocados por estilhaços de granada. Viu vários colegas morrerem em situações dramáticas e ajudou a socorrer outros. Foi levado para um hospital de apoio onde começou a delirar e ter alucinações. Ora ficava deprimido, ora se tornava agressivo precisando ser contido e amarrado. Foi assistido por psiquiatras e tomou vários “remédios para a cabeça”. Após trinta dias recebeu alta no hospital e voltou para casa onde ficou mais trinta dias de licença. A partir dai começou a beber muito, principalmente quando lembrava dos episódios do combate e das cenas e visões dos companheiros mortos.

Sentia vontade de agredir seus superiores quando bebia, porque na sua opinião eles tinham sido os responsáveis por tudo aquilo. Não fora submetido a qualquer preparo psicológico para combater na selva. Lembrava da mulher e dos filhos durante esse período e era proibido de escrever para eles. Estava revoltado.

Escrevemos o relatório e ele o aprovou. Em resumo, dizia o seguinte: “O referido Sr. apresenta um quadro reativo originado por trauma psicológico em missão de combate. Seu estado psíquico atual é perfeitamente reversível, desde que seja submetido a tratamento especializado com o objetivo de suprimir o trauma. Por se constituir em patologia adquirida pela natureza do trabalho, concluímos que, ao Exército cabe o dever legal e humano de promover sua recuperação psíquica e reintegrá-lo à sua Força. Reformá-lo e exclui-lo da única função para a qual foi preparado e sabe desempenhar, é cometer outro erro, provocando com isso um novo choque para o seu psiquismo.” Isso aconteceu em 1973. Nunca ficamos sabendo o que ocorreu depois.

Comportamento Reativo Grupal Ritualizado


Temos prestado atenção para a estranha coincidência entre o enfraquecimento dos rituais familiares e o espantoso aumento dos rituais em novos grupos que começaram a se multiplicar desde então. Como a família foi ficando cada vez mais sem tempo e sem vontade para exercer suas funções naturais (afetivas, terapêuticas e sociais) com os seus membros, outros grupos passaram a substitui-la, mesmo precariamente, para manter em funcionamento o que resta da importância desses rituais.

É curioso que os grupos religiosos passaram a cuidar das enfermidades, promover curas, proteger as crianças, os velhos e os pobres. As creches, os orfanatos e os asilos cuidam dos restos que sobraram das famílias. Os “doentes mentais” são abandonados nos hospitais psiquiátricos públicos e se transformam em verdadeiros animais, ou como se diz na linguagem hospitalar: pacientes crônicos.

Os aidéticos são discriminados e evitados. As penitenciárias se enchem de indivíduos reativos que, ao tentarem destruir os valores e leis vigentes, acabam atingindo outras pessoas e a si próprios.

A proliferação exagerada de Planos de Saúde e de seguros de todo tipo mostra bem a insegurança do indivíduo em relação ao seu futuro e à desconfiança de como seus familiares agirão no caso de se tornar improdutivo e “começar a dar trabalho”.

A formação de bandos de crianças e adolescentes nas ruas, tenta revivenciar o ambiente familiar que foi vivenciado de modo caótico. Brigam entre si, roubam para dividir a comida, cuidam e protegem os mais fracos e, eventualmente, os agridem e estupram. Escolhem seus líderes (figuras paterna e materna), formulam seus códigos ético-morais, se acariciam e se reproduzem de qualquer maneira. Agridem a sociedade por reconhecerem-na como a causadora e mantenedora do seu estado marginal. Chamam suas vítimas de otários porque lhes é muito doloroso reconhecerem conscientemente que as verdadeiras vítimas são eles próprios; porque foram e continuam sendo roubados duplamente: do aconchegante e seguro ambiente familiar e nos mais elementares bens materiais como os brinquedos, as roupas, a educação, a saúde e a comida. Por que razão devem ser passivos quando tudo os induz a serem reativos ?

Mas quando cheiram cola de sapateiro, usam maconha, cocaína e se expõem a riscos de vida, devem pensar assim: “Eu não tenho mais nada a perder. Se eu morrer, talvez seja até melhor...”

As “gangs” de adolescentes da classe média agem de modo semelhante. Possuem seus hinos, seus lemas, sua indumentária própria. Seus códigos pertencem somente ao grupo mas seus cabelos, gestos e roupas extravagantes são destinados a chamar atenção não só dos elementos do seu grupo mas, principalmente, da sociedade que os rodeia.

Seus rituais privilegiam a força e a coragem, a ousadia e a violência e, sobretudo, a sua identidade que não pôde ser consolidada dentro de suas famílias. Suas famílias os criticam porque não conseguiram compreender que foram impotentes para mantê-los do lado de dentro. Fora delas são mais admirados, aceitos e respeitados. Conseguem se expressar melhor e tem quem os ouça e com quem dialogar. São diferentes dos meninos de rua porque ainda contam e usufruem de bens materiais, têm família, embora não consigam estabelecer um bom contato com ela. Agridem-se entre seus grupos rivais e também à sociedade. Não conseguiram completar seu desenvolvimento adulto dentro de suas famílias e por isso sentem-se revoltados. Zombam da sociedade atual considerando-a “desatualizada”. Essa mesma sociedade desatualizada que esmaga suas famílias sobrecarregando-as de tributos, trabalho e fantasias de consumo.

Há alguma luz no fim do túnel ?

Parece que sim. Temos visto alguns movimentos sérios nesse sentido. Em 1971, Jean Dorst publicou na França um livro importante. Esse livro foi publicado no Brasil em 1973 sob o titulo “Antes que a Natureza Morra”. Ele mostra com clareza de detalhes a progressiva degradação ambiental e suas implicações para a vida humana.
Há algum tempo temos procurado rever o nosso comportamento destrutivo. As campanhas como a da amamentação no seio materno, contra a fome, acordos de desarmamento militar e de convivência pacífica são exemplos disso.

Tentativas de redescobrir o valor das plantas medicinais, melhorar a qualidade dos alimentos, preservar os ecossistemas e as reservas indígenas, podem ser vistos como alguns passos nessa direção.

Em 1974 e 1980 Pierre Clastres (etnólogo francês) lançou dois livros: “A Sociedade contra o Estado” e “Arqueologia da Violência”, ambos representam um dos mais profundos estudos sobre a organização social, política e econômica dos índios da América do Sul.

Uma nova forma de organização social e familiar terá que surgir. O Estado e suas instituições tem-se mostrado incapazes de organizar as sociedades e harmonizar a convivência. Temos no Brasil exemplos vivos de “sociedades sem Estado” – os indígenas. Será que o caminho para a Nova Ordem Social dos brancos passará pela utopia de uma “sociedade auto-gestora” ? Onde a consciência individual, libertada da violência das autoridades e dos representantes do Estado reconstruirá suas raízes tradicionais recolocando o cidadão como o objetivo central da história da humanidade ?

Da década de 70 para cá temos procurado rever a nossa posição diante do planeta e de nós mesmos. Esse é um bom sinal ! Resta saber se a maioria quer mudar e qual caminho deve escolher.

Comportamento Reativo: Ideologia e Trabalho


Na década de 60 o mundo estava polarizado, era a época da “guerra fria”. De um lado os EUA representavam o imperialismo e a ex-URSS, o comunismo. Estávamos na faixa entre os dezesseis e os vinte e seis anos. Ficávamos curiosos para compreender o que havia por de trás das acusações mútuas entre os lados. Passamos um tempo lendo publicações no consulado dos EUA da nossa cidade. Íamos também às reuniões do Partido Comunista onde nos ofereciam panfletos e livros falando sobre o comunismo. Não foi difícil descobrir que ambos os lados faziam intensa propaganda das suas idéias mostrando apenas o lado positivo delas e acusando o outro lado.

Brandindo as suas bandeiras e os seus “slogans”, ambos, democratas e comunistas, falavam do trabalho como sendo a base necessária para se construir uma nação forte e poderosa. Diziam os norte-americanos que muito trabalho em ambiente livre e democrático era o responsável pela construção da grande nação americana.
Os marxistas falavam sobre o absurdo de uma sociedade de classes, onde os mais fortes exploram os mais fracos ; onde a mais-valia (o lucro) servia como objeto dessa exploração. O capitalismo selvagem gerava a fome, a miséria e prostituía a dignidade dos cidadãos.

A identificação ideológica tendia mais para o lado do discurso dos comunistas. Eles prometiam uma sociedade igualitária onde não haveria classe dos ricos e dos pobres. Diziam que chegaria o dia em que o mundo seria socialista e que o povo só necessitaria trabalhar quatro horas diárias para manter a economia e o bem-estar das pessoas garantidos. Embora a nossa simpatia estivesse mais voltada para os marxistas, na verdade, não estávamos convencidos. Ricos e pobres de um lado e ausência de liberdade de expressão de outro ? Não dava para entender.

Quando em 1971 começamos a visitar aldeias indígenas ficamos espantados. Ali estava, sem discursos, livros e panfletos, uma sociedade sem classes sociais, sem divisão entre ricos e pobres. Uma sociedade alegre, de riso solto. Só trabalhavam, em média, três horas por dia. Ninguém reclamava e todos tinham o que comer. Não conheciam a fome, os mendigos e os magnatas; acumulavam alimentos apenas para garantir a comida na temporada chuvosa, quando a caça, a pesca e a agricultura se tornavam mais difíceis.

Estava acontecendo diante dos nossos olhos um espetáculo novo: uma sociedade verdadeiramente comunista e democrática ao mesmo tempo. Um tipo de sociedade que comunistas e democratas prometiam, desejavam, mas conseguiam ter.

Trabalhavam sem planos econômicos, sem receber ordens, com satisfação e apenas três horas diárias !!! O resto do tempo estava reservado para conviver, cantar, dançar e conversar; fazer festas e jogos onde adultos, crianças e adolescentes participavam igualmente.

Ficávamos olhando para as araras, gaviões e jacamins (pássaro silvestre que come insetos) que criavam nas aldeias e para as tintas e penas multicoloridas que usavam pelo corpo nos dias de festa e compreendíamos que eram essas as suas verdadeiras bandeiras. Várias bandeiras coloridas para enfeitar a harmonia de um povo alegre. Seu discurso vazava pelos mitos, cantos, risos e pelas palavras do chefe que, ao entardecer, falava das obrigações de todos perante todos, dos exemplos dados pelos ancestrais para que fossem seguidos religiosamente e fosse mantida a Tradição.

Enquanto o chefe falava, muitos índios não prestavam atenção e conversavam entre si na maior tranqüilidade. Na verdade já tinham ouvido as mesmas palavras, proferidas diariamente, por milhares de vezes. Essas palavras já estavam gravadas nas suas memórias e serviam mais para as crianças e para os jovens. Para que eles as aprendessem e memorizassem e depois não mais as esquecessem.

A Lei era a Tradição. As palavras gravadas na memória eram sua Constituição - a Carta Magna da Nação - que teria que ser repetida oralmente todos os dias para nunca ser esquecida por ninguém. Era difícil acreditar no que estávamos vendo, mas não estávamos delirando, tudo era real !

A partir dessa época passamos a visitar com mais freqüência as aldeias para compreender melhor os seus modos de viver, e aprender esse tipo de organização social tão novo para nós.

Compramos livros de Etnologia (estudo das culturas), conversávamos com missionários e com outras pessoas, que conheciam há mais tempo seus costumes. Ficamos realmente curiosos pelo fato de eles não saberem explicar suas práticas e suas formas de organização social, religiosa, política e econômica assim como nós fazemos. Só sabiam praticá-las e achavam isso muito natural. Não precisavam, como nós, explicar e entender tudo, escrever e ler, justificar e argumentar, debater e discutir. Estavam simplesmente interessados em viver e conviver.

Muito depois percebemos que essas explicações estavam integralmente contidas nos seus mitos, hábitos, religiosidade e tradições, tendo como base a utilização do conhecimento intuitivo. Bastava saber ler as suas práticas do dia-a-dia para entender tudo. Com o passar do tempo compreendemos que o trabalho para eles era tão importante como qualquer outra atividade. Trabalhar representava uma necessidade da vida, mas nunca o objetivo da vida A vida era praticada (sem teorias) no conjunto dos momentos; trabalhar era apenas um desses momentos. Tão importante como conversar, cantar, dançar, comer e contar piadas e estórias.

Muito diferente do que nós aprendemos, onde trabalhar, estudar, acumular dinheiro e consumir sempre foi o lema e o objetivo maior. Realmente ficamos muito confusos nessa época. Como mudar tudo o que havíamos aprendido ? Será que estavam todos delirando ou, o que víamos, era real mesmo e existia ?

Foi muito difícil compreender tudo isso e com certeza resistimos muitas vezes em aceitar essas verdades. Sentíamos inveja e admiração num só tempo. Quando soubemos que essa prática já vinha ocorrendo há muitos milhares de anos ficamos mais incrédulos ainda. Não era possível ! O trabalho, o lucro, o poder e a grandeza que nos haviam ensinado estavam completamente desmoralizados e arruinados diante dos nossos olhos. Fomos enganado por capitalistas e comunistas.

Vivemos alienado durante muitos anos acreditando nas mentiras e promessas do homem civilizado. Que vergonha! Ter que reaprender a verdadeira essência da vida através do exemplo de um grupo de selvagens ? Adoráveis e sábios selvagens que, silenciosamente, sem discursos e sem livros, nos ensinavam uma forma nova e revolucionaria de sentir e pensar como um homem livre ! E eles nunca se aproximaram de nós para nos convencer a respeito de ideologias políticas ou religiosas.
Essa “‘descoberta” nos obrigou a repensar a civilização ocidental, a família ocidental e a nós mesmos.

Agora possuíamos duas referências para refletir: a do homem primitivo e a do homem civilizado. O que era, na verdade, ser selvagem e primitivo e ser civilizado ? Meras palavras ? O que poderia haver de bom e de ruim nas duas condições ? Como e por onde começar a repensar os conceitos de progresso e desenvolvimento ?

Prestando atenção na vida indígena e comparando-a com a nossa, começou a ficar cada vez mais fácil compreender sob que bases estão assentados os nossos comportamentos e as nossas instituições; o que sustenta as nossas crenças, valores e princípios.

Albert Einstein tinha razão, a teoria da relatividade foi um avanço. Não existe o “absoluto”, o certo e o perfeito. Só comparando e relacionando é possível compreender e estabelecer as diferenças. Só assim podemos optar e escolher livremente.

A neurose do trabalho excessivo e do lucro excessivo é, sem dúvida, um condicionamento civilizado, uma compulsão de sobreviver no caos materialista. Comunistas e capitalistas são materialistas, são “farinha do mesmo saco”. Pensam e explicam a vida mas não sabem viver e conviver. Que mundo desenvolvido é esse que não consegue por ordem na própria casa e vive de fantasias e de discursos cheios de mentira e contradição ?

Atualmente esses discursos ideológicos estão praticamente extintos posto que o tempo não perdoa as ilusões e as mentiras.

A fábula da formiga e da cigarra sempre foi uma mentira deslavada, uma estória para idiotas. A formiga representando o operário-padrão e a cigarra o vagabundo cantor que perde seu tempo sem trabalhar. Uma mensagem disfarçada que induz para o trabalho excessivo e para a produção desenfreada, visando a acumulação de bens materiais. As crianças e jovens, ao perceberem a mensagem, tendem a se identificar com a formiga (ser produtivo). Mas se se identificam com a cigarra (ser improdutivo), podem sentir-se marginalizados e ridicularizados, ou seja, só é bom quem trabalha muito como a formiga diz a mensagem alienadora.

É fácil desmascarar esse mito civilizado através dos livros de entomologia (estudo dos insetos) e de algumas visitas a hospitais e clínicas superlotadas de homens e mulheres estressados, estafados e neurotizados pelo trabalho excessivo.

Na verdade nem a formiga nem a cigarra trabalham muito ou ficam ociosas; ambas trabalham o suficiente para viverem. Esses e outros animais não aprenderam a acumular bens materiais por ganância ou ambição. Nem índios nem insetos conhecem a aposentadoria, promessa enganadora de uma vida despreocupada, farta e feliz, inventada pela civilização branca.

Outra hipocrisia reside no fato de se tomar como exemplo a vida das abelhas. Essa farsa tenta impingir a idéia de que as abelhas são operárias dedicadas que trabalham muito, acumulam mel e são obedientes à sua rainha (modelo do sistema civilizado).

Em outras palavras: enquanto a rainha fica ociosa e desfruta dos prazeres, as operarias trabalham como escravos, obedecem e nada reclamam.
Esse seria o “processo natural” que todos deveriam assimilar: o Estado e a classe dominante (rainha) controlando os trabalhadores (operárias) através do comando ordem-obediência (organização da colmeia). Nessa concepção a maioria das abelhas seria constituída de seres produtivos e obedientes que acumulam, e a rainha seria o ser parasitário e poderoso que desfruta desse trabalho.

A mentira cai por terra duplamente porque esses insetos agem por instinto e não por raciocínio lógico. Ademais, quem cria as abelhas para delas roubar o mel: é a rainha ou o homem apicultor ?

Quem tiver interesse em compreender melhor a vida das abelhas tirará suas próprias conclusões. Verá que elas não aprenderam os costumes civilizados. Basta ler alguns livros que constam do índice bibliográfico deste trabalho. No dia em que o homem começar a comer fungos e madeira podre vamos sentir muita pena das formigas e dos cupins.

Muitas obras escritas sobre índios como “O Bom Selvagem”, de Jean Jacques Rousseau, deturparam e tornaram românticas e irreais a complexa e pouco conhecida diversidade dessas culturas. Aliás, muitos doutores de gabinete que defendem teses científicas citam sempre esse autor, talvez, quem sabe, por simples comodismo ou por se sentirem plenos na matéria.

Ouvimos muitas pessoas afirmarem que os índios são preguiçosos e indolentes. Não vamos defendê-los porque já temos nossas idéias sobre este assunto e porque não temos procuração deles para isso. Nem achamos que trabalhar muito seja bom; pelo contrário, achamos uma grande burrice. Aliás, os burros de carga não falam sobre isso, mas de vez em quando empacam.

Trabalhar muito é para as máquinas; trabalhar o suficiente é para os homens; ficar assistindo e sentindo inveja é próprio dos invejosos. Acreditamos que é por isso que os brancos querem eliminar os índios e sua cultura, para não se sentirem inferiores e irracionais, após terem destruído o seu próprio modelo cultural.


Comportamento Reativo e Resistência: “o computador errou!”

Ouvimos muitas estórias ocorridas em repartições públicas que mais parecem anedotas. É o caso de funcionários que ao perceberem algum erro cometido por eles, falam para o cidadão irritado: “desculpe, foi um erro do computador”.

Temos dificuldade em aceitar nossos erros, pedir desculpas ou refletir antes de falar. Nossa natureza freqüentemente nos impede de reaprender através das falhas e dos descuidos. Nos sentimos inferiorizados quando nossos filhos, jovens e crianças percebem e apontam nossos defeitos. Vivemos tão voltados para dentro de nós, que não percebemos que estamos sendo observados e investigados nas nossas palavras e ações.

Para dar uma idéia desse fato selecionamos textos produzidos por adolescentes e pré-adolescentes na faixa etária que vai dos 11 aos 16 anos. Esses textos são reais mas não identificam seus autores. Eles cursavam a 6ª, 7ª e 8ª séries de uma escola de classe média.

Era um trabalho dirigido para a figura do pai e propunha a opção por dois títulos: “Meu pai, um amigo” e “Meu pai, esse ausente”. Alguns alunos resistiram em produzir o texto, mas como valia pontos e era tarefa escolar, acabaram aceitando.

Sabemos, porém, que crianças e adolescentes não se sentem à vontade relatando os defeitos dos pais para outras pessoas. Tentam muitas vezes atenuar, disfarçar ou inverter seus sentimentos e conceitos próprios, para não se sentirem culpados ou por acreditarem que seus pais podem mudar algum dia. Acabam optando pelo que desejam que aconteça e não pelo que realmente observam.

Essa tese ficou confirmada pois, de noventa textos examinados, a metade fazia boas referências ao comportamento paterno; a outra metade sinalizava os defeitos mas, logo em seguida, os desculpava, perdoava ou aceitava, pelo menos aparentemente. Mesmo assim mostraremos os textos tal como foram escritos, sem qualquer interferência da nossa parte.

É de grande importância observar nestes textos os fatores que podem originar distorções no desenvolvimento da personalidade das crianças e adolescentes. Em cada bloco de textos colocamos propositadamente esses fatores em forma de título com letras maiúsculas. Vamos a eles:


TRABALHO

1. Meu pai, esse ausente
Meu pai é um ausente, trabalha dia e noite. Quando ele chega em casa percebo seu esforço com a gente. Se tenho alguma dúvida em alguma coisa ele faz de tudo para me esclarecer, mesmo cansado. Mas na maioria das coisas que eu faço sinto sua ausência, um apertão por ele não poder comparecer ou, às vezes, me sinto culpada por isso.

Mas sei que não é culpa minha nem dele, ele faz de tudo para comparecer e quer sempre o nosso bem.
Apesar do meu pai ser ausente, o amor e carinho que sinto quando penso nele, faz com que todas as vezes ele fique presente nas horas ausentes.

2. Meu pai, esse ausente
Meu pai mora fora. Ele está lá por causa do seu emprego. Ele vai lá em casa de quinze em quinze dias. Quando chega em casa fica nervoso com as contas a pagar. Meu pai se preocupa mais com os danos materiais. Meu pai me confunde com o meu irmão. Ele se preocupa mais com meu irmão do que comigo.

A convivência do meu pai com a minha irmã não existe. Mas meu pai também tem algumas qualidades e gostaria que meu pai não fosse nervoso.
Ass: Anjo negro.

AGRESSÃO

1. Meu pai, um amigo?
Meu pai não é dos melhores, mas é meu pai e eu não posso fazer nada. Bom, o pai dos meus sonhos é um cara bem alto, bonito e super legal, que quem o conhecesse não iria se decepcionar.

Se um dia minha mãe morrer eu acho que morreria junto, pois quem salva tudo o que acontece é ela.

Os colegas que vão lá em casa morrem de medo do meu pai, já minha mãe eles queriam ter uma igual. Meu pai é daqueles que não compreendem nada e tudo o que a gente faz ele já vem batendo, nem quer saber o que aconteceu. O que importa e que ele me ama e que minha mãe é a melhor mãe do mundo.

2. Meu pai, um amigo?
Meu pai é um amigão, às vezes, fica ausente quer dizer, quando viaja, quando vai ao clube.
Meu pai é engraçado, mas quando fica de mau humor, sai de baixo - ele fica com uma cara de morte.

Meu pai tem amor por duas coisas a família e o carro. Uma vez ele bateu o carro e eu, a minha mãe e minha irmã estávamos dentro. A primeira coisa que ele fez foi ver o carro, depois perguntou se estávamos bem. Isso não quer dizer desprezo, quer dizer que ele é meio desligado.

Meu pai é um homem trabalhador, honesto e inteligente. Só tem uma coisa ele é pavio curto, no sentido de não agüentar esperar.

Ele é muito especial para mim, pois é um bom pai. Eu agradeço a Deus por ter me dado um pai tão bom, carinhoso e engraçado. Obrigado por ter me dado um pai amigo, quando muitos não o tem.

AUSÊNCIA

1. Meu pai, um amigo?
O meu pai, ele é super amigo e carinhoso comigo. Ele é muito nervoso, mas tem um ótimo senso de humor.
Meu pai não é muito presente em minha vida, porque ele trabalha fora e fica vários dias sem ir em casa. Cada dia que ele chega é um alívio para a minha mãe e meus irmãos, que ficam pensando o que poderia acontecer em sua viagem. Quando chega ele está exausto e logo dorme.
Meu pai, eu o adoro do jeito que ele é e não gostaria que mudasse !

2.Nós concluímos que pai de verdade é:
Aquele que nos acorda com beijos e abraços, nos compreende, nos ajuda, busca nos entender e ensina o que sabe. Este é o pai inexistente em nossas casas...

Mas não os culpamos por isto, pois com seu pouco tempo para a gente, consegue nos conquistar com seus agrados.

3. Meu pai, um amigo?
Hoje, em nosso país, muitos filhos não se dão muito bem com os pais, pois brigam, discutem e também os pais não ligam e nem pensam em conversar com os filhos. Mas também existem pais que gostam de conversar, brincar, consolar nas horas de angústia, os filhos.

Meu pai é super legal e sempre quando está em casa nós conversamos, brincamos, enfim, vida comum entre pai e filho. Ele procura ao máximo fazer-me sentir bem e tenho medo de decepcioná-lo. Se isso acontecer eu acho que não terei cara de lhe pedir desculpas. Mas isso nunca irá acontecer porque sempre o respeitarei e nunca deixarei de amá-lo.

Quando meu pai está ausente, rezo para chegar logo e que volte sempre com aquele rosto de quem gosta, ama e que nunca deixará de amar seus filhos e sua esposa. Meu pai, um amigo.

TIMIDEZ

1. Meu pai, um amigo?
Adoro meu pai, me dá toda atenção, amor e carinho. Apesar das suas dificuldades, é um grande amigo. É um pouco calado, sério, mas muito responsável.

Converso muito pouco com ele e o respeito bastante.

Gostaria que fosse mais alegre e que se abrisse mais com a família, acho que é mais uma questão de tempo. Às vezes, acho que ele fica nervoso com qualquer coisinha, mas logo, logo, se anima.

Sempre que precisamos dele, ele vem para resolver qualquer problema. A sua facilidade de fazer amizades é incrível. Quando chega cansado do trabalho, respeitamos bastante e lhe damos a maior atenção.

Gosto do meu pai, mesmo com seus problemas e suas dificuldades. E o amo bastante; prá mim é o melhor pai do mundo !

ÁLCOOL

1. Meu pai, um amigo?
Um homem trabalhador, que sempre trabalhou para sustentar a família. Meu pai chama-se.... Gosta muito de mim, mas quando faço alguma coisa errada ele briga até ! E quando ele perde a paciência, sai de perto... Começa a bater até a hora em que eu me machuque.

Ele não gosta de nada desarrumado, por isso fala para não deixar nada desarrumado e quando vê alguma coisa desarrumada, ele chama a pessoa que fez e manda ajeitar.

Meu pai quando bebe com os amigos dele, chega em casa e faz só bobagens, loucuras, briga com a gente e fica com aquele jeito bêbado e pinguço. Pinguço é porque ele bebe muita pinga. Fica bêbado também quando bebe uísque. Quando meu pai quer fazer alguma coisa, não tem “Deus no Mundo” que segure. Se ele quer fazer ele faz mesmo.

Meu pai tem rosto barbudo e a cara de quem parece ser bravo. Uns defeitos que eu acho que ele tem é quando ele fica bêbado e quando faz a gente comer coisas que a gente não gosta.

Meu pai deveria ser um pai mais humilde e bastante amigo da sua família, principalmente da sua mulher e de seus herdeiros filhos.

2. Meu pai, um amigo?
Enquanto estou na escola ele está no trabalho e só chega de noite, mas procura saber de tudo que acontece na minha vida. Eu o vejo na qualidade de ótimo pai, pois nunca bate para consertar os erros, apenas utiliza o diálogo e acaba dando certo para mim e para ele.

Quando meu pai chega em casa, todos param de ver televisão e vão fazer o que estavam a fazer, para dar uma força, pois ele não gosta muito da área que está trabalhando (área comercial). Então contamos (eu e minha família) como foi o nosso dia e subimos (minha casa é de dois andares), vamos todos conversar e ver TV com ele. No final ele fica feliz por nós.

Pai, que sempre corrige meus erros e me dá ordens, estes são seus pontos fracos:

- Teimosia
- Bebe e fica chato
- Se acha “demais”

Obs. Pode deixar, colega, lhe perdôo os seus pontos fracos.
Pai, te amo


Quem prestou atenção para os textos apresentados, deve ter-se identificado com alguns ou com vários, que podem representar algumas situações que ocorrem ou já ocorreram na sua própria família. Não nos prolongaremos em comentários, mas vamos destacar mensagens importantes que transbordam deles:

 Os pais não escapam à observação minuciosa dos filhos e funcionam como um verdadeiro espelho onde, através dele, os filhos conseguem ver-se a si próprios e aos pais.
 Desejam e reclamam a presença dos pais porque precisam dela como modelos para se tornarem adultos e sabem como melhorar esses modelos (quando reclamam dos defeitos) propondo as mudanças
 Julgam com precisão e perdoam com facilidade os defeitos observados.

Paternidade, Maternidade e Culpa

Pais e mães costumam sentir culpa em relação aos filhos. Mas nem sempre essa culpa corresponde exatamente às suas dificuldades ou descuidos com eles. Seria pretensioso demais imaginar que os filhos sofrem apenas a influência direta dos pais. E que os pais tem plena consciência e responsabilidade pelo que fazem ou deixam de fazer por eles.

Dá para perceber, através dos textos escritos por crianças e adolescentes, que os pais sofrem fortes pressões do meio social.

O trabalho, as viagens, o “stress” produzido pelo tipo de vida atual obrigam pais e mães a disputarem alucinadamente na maratona civilizada.

Ás vezes essa maratona visa apenas a sobrevivência, outras vezes é estimulada para alcançar fortuna, prestígio ou poder. As miragens no deserto da civilização são múltiplas, são proporcionais à ambição individual e continuam a atrair uma multidão de visionários.

Para os muito pobres, a sobrevivência determina cruelmente a sua ausência de casa e a orfandade relativa dos filhos. Para os muito ricos e para os incansáveis maratonistas da classe média, essa orfandade é camuflada pelo conforto material. Mas todos surtem os mesmos efeitos no psiquismo das crianças e adolescentes abandonados nesse “mundo desenvolvido”.

Muitas vezes os pais não sabem explicar direito porque ficam nervosos, desatentos ou punem os filhos desnecessariamente. Talvez ainda não tenham consciência exata das pressões que sofrem e que lhes deixam descontrolados; talvez ainda ouçam fascinados o “canto da sereia” civilizada que entoa canções que falam de riqueza, poder e glória. Às vezes, dizem: “O que eu tenho ficará tudo para vocês”.

Vamos deixar as crianças e adolescentes falarem livremente quando dizem: “Eu gostaria que meus pais não trabalhassem tanto. Não me interessa o que eles têm, me interessa o que eles são; se tivermos mais atenção, carinho e diálogo, saberemos ganhar o nosso próprio dinheiro na época certa”.

Eles estão certos: nenhuma babá, nenhuma escola, nenhum internato, nenhum terapeuta é capaz de desempenhar, nem mesmo se aproximar das insubstituíveis funções dos pais
Antigamente eram os internatos, hoje são as escolas, creches e instituições para crianças e adolescentes que tentam suprir esses papéis. Nenhuma delas conseguiu até hoje porque a família não é uma instituição criada pelo homem. É uma instituição natural, sempre foi e sempre será.

Muitos outros animais, há milhares de anos, cumprem obrigatoriamente esse mesmo ritual: geram, criam e protegem seus filhotes até que estejam preparados para voar, nadar ou correr para a liberdade.

Quando nós, pais e mães, curados da embriaguez da opulência, da surdez dos apelos e da mudez do diálogo, ficarmos menos cegos, surdos e mudos, conseguiremos baixar nosso olhar e ver nossos filhos. Teremos certeza que eles, com a nossa presença provisória, saberão como e para onde ir, sozinhos e acompanhados dos modelos que aprenderam.


Comportamento Reativo em Casa, na Escola e na Rua

Já vimos como se instala o comportamento reativo começando pelas sinalizações, passando pelas pequenas alterações do comportamento e indo até as formas mais graves.


Com freqüência, algumas crianças e adolescentes, dão preferência a demonstrar suas alterações de comportamento em casa, outros na escola e outros na rua. Alguns dentro de casa são verdadeiros santos e quando se encontram fora do ambiente familiar se transformam radicalmente a ponto de deixarem os pais com muita dúvida a respeito de suas façanhas. Outros são considerados dentro de casa verdadeiros capetas e mudam totalmente quando estão em contato com pessoas estranhas à família.

Esse mimetismo temporário de comportamento ou é aprendido dentro de casa ou é criado pelo próprio indivíduo. A explicação para isso só vem à luz quando nos dispomos a observá-lo durante algum tempo. Essas transformações mostram que alguma coisa já não está funcionando bem. As sinalizações podem ser múltiplas e de várias intensidades. Para efeito ilustrativo vamos dar alguns exemplos:

1. Chorar com muita freqüência
2. Brigas muito freqüentes entre irmãos
3. Pequenas mentiras repetidas muitas vezes
4. Gostar sempre de brincar sozinho
5. Freqüente falta de apetite ou gula
6. Medos excessivos: escuro, insetos, pessoas, etc.
7. Tristeza e isolamento prolongados
8. Destruição freqüente de objetos e agressões sem motivo aparente
9. Pequeno furtos ou acúmulo egoísta de objetos
10. Dificuldade de contatos com pais ou irmãos

É tão grande o número de sinalizações que não se tornaria prático prolongar a lista deles.

É muito comum e pouco notada pelos pais uma sinalização representada pela aplicação excessiva nos estudos. São os que, estimulados ou não pelos pais, vivem estudando e querem sempre ser os primeiros da turma. Não brincam, não riem, não namoram e mais parecem miniaturas de adultos.
Os mais notados são os que matam as aulas, tiram notas baixas e se tornam repetentes contumazes. Provocam muita ansiedade e irritação mas acabam ganhando mais atenção. Ambos apresentam alterações no seu desenvolvimento normal e requerem cuidados.

Observamos que pequenas alterações introduzidas no ambiente familiar ou mudanças no relacionamento dos pais com os filhos são capazes de provocar o desaparecimento desses comportamentos. Outras vezes as reações adotadas pelos pais para mudar esses comportamentos pode suprimi-los durante algum tempo para depois retorná-los com maior intensidade e gravidade.

Punições ferozes ou chantagens bem arquitetadas são os erros mais comuns cometidos por pais e educadores. Promessas de surras, cortes na mesada, ameaças de explosão e de expulsão, supressão dos brinquedos e de viagens, são quase sempre barganhadas pela mudança de comportamento. Nem sempre dão bons resultados porque não atingem o centro gerador desses comportamentos e acabam estimulando a dissimulação, o disfarce e a camuflagem. A situação interna (psíquica) continua intacta e pode reaparecer outras vezes.

Já vimos que são as mudanças internas do psiquismo que orientam o desenvolvimento da personalidade e as que promovem o aparecimento e a qualidade dos comportamentos. Os comportamentos são apenas os efeitos e os resultados visíveis dessas mudanças.

Quando falamos de pessoas corretas, íntegras, bondosas e compreensivas, estamos falando da qualidade (caráter) do seu psiquismo, porque já conhecemos bem o seu comportamento. O mesmo pode ocorrer com as pessoas desonestas, mesquinhas e avarentas que, ao serem observadas no seu comportamento, refletem as características do seu psiquismo.

Pode-se dizer, sem medo de errar, que psiquismo e comportamento andam sempre de mãos dadas, são faces da mesma moeda ou são causa e efeito. Porém, um é visível e o outro não.

A casa, a escola e a rua, são extensão e continuidade da vida social e é nelas que o comportamento atua. Alguns costumam avisar os filhos, quando uma visita vai chegar, para se comportarem bem.

Precisamos causar boa impressão para os estranhos à família. O nosso comportamento nesses casos deve seguir algumas regras para que a nossa imagem fique preservada e respeitada. Em família, essas regras podem ser relaxadas, podemos mostrar o que somos uns aos outros sem muito controle.

Podemos xingar, gritar, chorar, porque já convivemos e nos conhecemos melhor. Nossos defeitos e fraquezas podem se manifestar mais à vontade. Enquanto dentro de casa podemos peidar, arrotar e assoar o nariz com maior liberdade, diante dos outros precisamos conter essas necessidades do corpo, pois elas representam para a nossa cultura, no mínimo, falta de educação ou de respeito.

As visitas nem sempre são agradáveis porque representam o controle e a restrição da nossa liberdade. Não sabemos mais nos comportar com espontaneidade. Transformamos nossas palavras, sentimentos, pensamentos e gestos diante de estranhos e de visitas. Ás vezes nossos filhos estranham o nosso comportamento delicado, sociável, bem humorado com as visitas, porque conhecem o outro lado do nosso comportamento caseiro. Chamamos a isso de “comportamento representado ou de comportamento social”.

Essas mudanças são percebidas por todos e significam um tributo pago à convivência social. Somos como camaleões, mudamos de cor dependendo do local e da situação. Isso pode ser aceito como normal, desde que não ultrapasse determinados limites e vire um hábito.

Comportamento Reativo e Namoro

O namoro é uma situação de relação entre duas pessoas que começa com o comportamento representado.

É uma transição natural e obrigatória entre sair da família dos pais para caminhar na direção da formação de nossa própria família, seja através do casamento convencional ou de qualquer outra forma de convivência íntima.

Namorar não é uma decisão ou um ato consciente e sim um caminho psico-sócio-afetivo de todos os indivíduos para o cumprimento da evolução das sociedades. Na verdade não escolhemos o candidato ou a candidata que queremos namorar, temos apenas a impressão de que fazemos isso; somos tomados de surpresa quando encontramos aquela pessoa que, sem que saibamos explicar, tornou-se mais importante do que as outras que também estavam do nosso lado.

Sabemos intuitivamente que devemos abandonar a família dos pais enquanto os nossos hormônios preparam o nosso corpo para a reprodução. Sentimos cada vez mais forte a influência do instinto sexual.

O desejo de permanecer junto com a família (já bem conhecida) e o desejo sexual (conhecer e conviver com o desconhecido), deixa a maioria dos adolescentes num verdadeiro dilema. De um lado, o desejo sexual impulsionando para a frente; de outro, o medo de sair da família e assumir a liberdade e as obrigações sociais dos adultos.

Sabemos que as crianças estão concentradas no apego aos pais, em descobrir o mundo ao redor de si e nas brincadeiras e correrias, enquanto o adolescente, cada vez mais embriagado pelos hormônios e pelo corpo, paira nas fantasias do amor e do sexo. Os adolescentes tentam desligar-se do mundo infantil recente mas ainda não conseguem ter consciência clara do mundo adulto. É uma fase de adaptação difícil onde o psiquismo sofre uma verdadeira crise de mudanças.

O adolescente, através do comportamento representado, valoriza muito o seu corpo e a sua imagem. Suas roupas e objetos facilitam a valorização da sua identidade e deve assumir um comportamento cada vez mais parecido com o dos adultos sem, no entanto, copiá-lo.

O namoro exige um comportamento onde o parceiro veja no outro não mais uma criança. Essa convivência, que em alguns casos se completa no noivado, vai permitindo o conhecimento mútuo. Além disso é possível a cada parceiro conhecer melhor o interior da família do outro; seria uma espécie de treinamento para saber com quem se está lidando e se as diferenças entre um e outro, ou entre suas famílias, dá para mantê-los interessados. É o caminho necessário e obrigatório para a vida adulta.

O adolescente deve ser apoiado e estimulado pela família para percorrer este caminho da melhor forma possível para diminuir sua insegurança, sua timidez e a confusão que se estabelece no psiquismo, tanto do jovem como da jovem, nessa fase da vida. É um verdadeiro desastre para o futuro dos jovens quando a família não lida bem com os anseios e comportamentos desse período tão importante.

O resultado aparece sempre nos casamentos apressados, na gravidez precoce das jovens e nos graves conflitos que ocorrem nos primeiros anos do casamento, onde as separações passam a ocorrer com maior freqüência.

Vários jovens se sentem verdadeiramente perseguidos pela família na fase do namoro e por isso apressam o casamento para poder respirar livremente. Outros se escoram na fantasia de que os pais, mesmo assustados com a gravidez, acabarão por aceitar o filho da filha e, ambos juntos, permanecerão na família que lhes dará o sustento e o amor. Nesse caso teremos um aborto social, ou seja, uma mulher ou um homem que não conseguiu fundar uma família e cuidar dela.

Titios e titias, casamentos apressados, separações precoces, mães solteiras, todos podem estar representando um abortamento das funções sociais para as quais os jovens devem ser preparados.



Comportamento Reativo e Sexo

A primeira grande característica do sexo é ser individual. Cada indivíduo tem seu sexo. A segunda é ser diferenciado. Só há dois sexos: masculino e feminino.

A genética resumiu a apenas duas modalidades a probabilidade humana de ser sexual. Curiosamente o homem e a mulher possuem cromossomas (elementos genéticos) de ambos os sexos. Por que então que a natureza só permite o aparecimento de apenas uma característica sexual em cada indivíduo ? Por que foi negado ao ser humano e permitido à minhoca e ao “escargot” serem hermafroditas ? Por que pênis e vagina são molde e forma invertidos, um do outro e se encaixam com perfeição ? Temos que admitir que é muito difícil responder satisfatoriamente essas perguntas. Nem mesmo é necessário respondê-las; seria o mesmo que perguntar por que uma bola é redonda ou porque os peixes nadam e os pássaros voam.

Se fizermos uma pesquisa de opinião entre todos os homens e mulheres do planeta, sobre quem gosta e quem não gosta de sexo, teremos sempre dois grupos diferentes: os que gostam e assumem e os que gostam e negam.

Quais as razões que sustentam as palavras das pessoas que fazem propaganda anti-sexo. Serão as mesmas pessoas que fizeram a mãe de Jesus ter um filho sem parto e ainda continuar virgem ? Ou serão aqueles que roubam o pão dos pobres e ainda pregam o controle da natalidade ? Ou as que negam emprego ou demitem as mulheres grávidas ?

Vemos também que o dimorfismo sexual (diferença na forma) entre os dois sexos se completa pelas diferenças anatômicas, hormonais e psicológicas. Parece que a natureza propositadamente projetou duas criaturas inacabadas, isto é, feitas só pela metade; duas bandas que isoladamente não tem sentido qualquer mas, quando reunidas, se completam e se integram ganhando sentido e função. Por essa razão é provável que homem e mulher foram feitos um para o outro e, ambos, para o destino social. Que só se realizam plenamente como indivíduos quando reunidos, propiciando o surgimento de novas vidas.
Somos levados a concluir que homem, mulher e filhos (a família) não são o resultado de uma escolha, de uma mera opção individual. Talvez sejam atores de uma peça social que não foi criada e nem pode ser dirigida por eles e, na qual, precisam atuar sempre sem terem consciência exata do seu início e do seu final, encenando num palco sobre o qual muitos já pisaram e outros muitos ainda pisarão. O sexo e a família não podem ser alterados na sua substância porque, não são obra da engenharia humana.

O sexo é a isca mais atraente e mais gostosa que fisga homens e mulheres para, igualmente, colocá-los no cesto familiar e despachá-los para o mercado social.

Ninguém fisga ninguém, ambos são fisgados e gostam de ser. Homens e mulheres são protagonistas na atividade sexual mas não são seus criadores. São porém os inventores da idéia que associa o sexo ao pecado e à culpa.

Quem inventou a idéia de pecado? Algum esperto que pensou em tirar algum proveito disso ou um fanático que resolveu se tornar inimigo do prazer, da família e da sociedade ?

Por mais que nos esforcemos não conseguimos entender essa idéia. É uma idéia gerada pela moralidade sexual da nossa sociedade ocidental, preconceituosa e cheia de contradições ridículas. Homens e mulheres moralistas têm um comportamento hipócrita em relação a esse assunto. Tornam-no misterioso e proibido para os filhos (repressão) mas quando reunidos com amigos explodem em gargalhadas e se divertem ouvindo e contando anedotas eróticas. Estão com a cabeça cheia de fantasias sexuais reprimidas, mas as suas bocas apregoam o pecado e a castidade.

As “tentações da carne”, o “fogo do inferno” e o “juízo final” são frases feitas e arquitetadas pela civilização doente e carente de sexo. Organizações religiosas e grupos de moralistas fazem a publicidade do sexo pela via do pecado e da culpa, mesmo sabendo que o sexo é uma função natural e necessária. Cultuam “o espírito e condenam a carne”, mantendo vivo o proselitismo do Bem e do Mal. Parece que têm o interesse em transferir o “sexo sujo” para a cabeça das pessoas e manter os órgãos genitais como meros aparelhos de urinar.
Manter a idéia de “sexo sujo” (pecado) deve ser importante para os que querem preservar a subsistência desses grupos e dessas instituições. Homens e mulheres, escravos dessa idéia, terão sempre uma vida sexual pobre e marginalizada e se manterão fervorosos adeptos e leais colaboradores, dispostos a sustentar a bandeira da castração religiosa e o brasão da falsa moralidade.

Nas doenças mentais e nas neuroses graves de crianças, adolescentes e adultos sempre vemos esse brasão e essa bandeira tremulando no alto dessas cabeças doentes, como se fossem as marcas subversivas à Ordem Natural.

Certa vez um fariseu sonhou com Deus e ele lhe disse: “Aqueles que subverterem a Ordem Natural por Mim estabelecida, cairão em desgraça e serão amaldiçoados. Sofrerão de impotência e frigidez, ficarão idiotas e serão conduzidos ao inferno da inveja do ódio e da solidão.”

O famoso antropólogo Bronislau Malinowski, autor do livro “A Vida Sexual dos Selvagens”, conta que os trobriandeses (povo primitivo do arquipélago melanésio) não conheciam o homossexualismo até o dia em que os missionários europeus, escandalizados, segregaram moças e rapazes em grupos separados. Entre eles não havia o estupro, nem crimes sexuais. Eram raríssimas as separações entre os casados. Possuíam uma instituição especial (a casa dos solteiros) onde moças e rapazes se namoravam e atuavam sexualmente para se conhecerem melhor e poderem fazer uma boa escolha para o casamento. Não havia o problema da gravidez precoce e as crianças, desde pequenas, não sofriam repressão sexual e cresciam para se tornarem jovens livres e adultos saudáveis.

Entre os índios não aculturados da Amazônia presenciamos situações semelhantes. Andam nus, mostrando naturalmente o corpo, e nos seus vocabulários não existe a palavra “pecado”. Possuem rituais que cultuam com seriedade, e seguem com precisão os eventos importantes como: o nascimento, a puberdade, a idade adulta, o casamento e a morte.
Não possuem um deus único e “Todo-Poderoso”. Estão sempre cercados de múltiplas entidades espirituais que, como eles, têm defeitos e virtudes, bons e maus humores, brincam, fazem desordens e copulam como os seres humanos.
Dizem alguns historiadores que a primeira invasão do Brasil pelos europeus foi feita pelos portugueses no dia 22 de abril do ano de 1500. Quando eles aqui chegaram, ficaram muito admirados com os costumes indígenas. Há informações de que outros europeus já haviam antes visitados o litoral brasileiro antes de Cabral. Vamos reproduzir, a titulo de ilustração, dois pequenos trechos de uma carta de Américo Vespúcio (La Lettera) que se refere às novidades da nova terra e de seus habitantes:

“...que foi, que o rei Don Fernando de Castela tendo que mandar quatro naves a descobrir novas terras para o ocidente , fui eleito por Sua Alteza que eu fosse nessa frota para ajudar a descobrir. E partimos do porto de Cadiz no dia 10 de Maio de 1497 e pegamos nosso caminho pelo grande golfo do mar oceano, na qual viagem estivemos 18 meses e descobrimos muita terra firme e infinitas ilhas, e grande parte delas habitadas, que os antigos escritores delas não falam, creio porque delas não tiveram notícia; que se bem me recordo, em algum li, que tinha que neste mar oceano, era mar sem gente.
...as suas riquezas são penas de pássaros de várias cores, ou rosário que fazem de ossos de peixe, ou em pedras brancas, ou verdes, às quais se metem pelas bochechas ou pelos lábios e orelhas; e de outras muitas coisas que nós em coisa alguma as estimamos; não usam comércio, nem compram, nem vendem. Em conclusão vivem e se contentam com aquilo que lhes dá a natureza. As riquezas que nesta nossa Europa e noutras partes usamos, como ouro, jóias, pérolas e outras divisas, não as têm em coisa alguma; e ainda que nas suas terras as possuam, não trabalham para as ter, nem as estimam. São liberais no dar, que por maravilha negam alguma coisa, e em compensação liberais no pedir...”

Os navegadores europeus desconheciam naquela época a existência de milhões de brasileiros que viviam felizes dentro de suas culturas. Ossadas humanas datadas de aproximadamente onze mil anos e encontradas em Lagoa Santa (MG) e no Piauí, provam a existência desses habitantes que ocupavam esse território sete mil anos antes do nascimento de Cristo. Do ano de 1500 para cá seus territórios continuam sendo invadidos e seus verdadeiros donos massacrados para a exploração das riquezas da terra, como acontecia há 500 anos atrás. Pouca coisa mudou de lá para cá.
Os índios deveriam ser chamados de brasileiros e nós de nacionais, porque fundamos uma nação em cima de outras que já existiam e que eram as originais donas da terra. Quando eles se extinguirem perderemos a oportunidade de aprender outras formas de conviver livremente sem dinheiro, sem pecados e sem políticos.

Voltemos à vida civilizada e ao modo como a sexualidade é tratada entre nós. São muitos os pais e educadores que, ao invés de abrirem o jogo, ainda proíbem as brincadeiras sexuais das crianças. Falam que colocar as mãos nos órgãos genitais não pode; que masturbar-se enfraquece o corpo, diminui a inteligência ou faz nascer cabelos nas palmas das mãos. Pobres pais que ainda sentem vergonha de lembrar e contar para os filhos a sua experiência sexual da infância e da adolescência. Introduzir a educação sexual nas escolas ? Que grande besteira! Como pode dar certo, se muitos pais e educadores ainda sentem vergonha das suas idéias atrasadas e preconceituosas a respeito de sexo ?

Crianças e jovens já têm conhecimento intuitivo sobre sexualidade antes mesmo de nascerem. Quem ensinou os patos a nadar ? Quem ensinou as aves e as borboletas a voar ? A escola ?

Só precisamos não atrapalhar, não mentir, e falar livremente e sem constrangimentos que o sexo, a vontade de comer, a vontade de urinar, defecar e dormir são coisas boas e necessárias à vida de todos. Quanta complicação arranjamos para coisas tão simples !


Comportamento Reativo e Homossexualismo

Sempre existiu muita polêmica em torno do fenômeno homossexual. Enquanto uns falam de doença, outros falam em sem-vergonhice. Os homossexuais e muitos intelectuais defendem a tese de “opção”, de escolha consciente. Inventou-se as expressões “variação sexual” e “preferência sexual”. Essas expressões englobariam as tendências e as experiências de heterossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, transformistas, “drag queens”, homossexuais enrustidos e assumidos.

As muitas denominações propostas para estabelecer diferenças entre o heterossexual convicto e as outras tendências, inclui diferentes conotações embutidas nos termos: viado, bicha, boneca, entendido, maricas, almofadinhas, fresco, gay, jeitoso, vinte e quatro, rapaz alegre, delicado, filhinho da mamãe, pederasta, florzinha, mandrake, etc.

O tom jocoso e irônico é quase sempre agressivo, insulta e provoca a discriminação, o desprezo e a aversão por esse tipo de posição sexual. A sociedade os trata como marginais e ao mesmo tempo propala os seus direitos, sobretudo quando geram produção e circunstâncias lucrativas. Há mesmo quem use a expressão “terceiro sexo” para instituir a homossexualidade como função biopsicossocial, natural e legal.

O homossexualismo feminino, menos divulgado, curiosamente possui poucas denominações através de termos como: lésbica, sapatão e machona. É menos comentado, mais dissimulado e aceito socialmente. Quase sempre não é exibicionista, portanto se torna menos visível. É interessante notar que no homossexualismo masculino o indivíduo ativo é compreendido e o passivo criticado e humilhado. No feminino a situação é invertida; enquanto o indivíduo ativo é discriminado e ridicularizado, o passivo quase não aparece e é mais perdoado.

Nossa cultura machista é desconcertante e contraditória quando escolhe o homem como figura mais importante da sociedade, ou seja, o homem que se comporta como mulher, deve ser perseguido; mas a mulher que quer ser homem, embora discriminada (por querer ocupar o lugar do homem) passa a ser menos perseguida por desejar a posição do “ser superior” - o homem.

Já tratamos anteriormente da necessidade de identificar- se inerente à natureza humana. O homem precisa ser identificado nos seus atributos biológicos, psicológicos e sociológicos, assim como a mulher também precisa. Esse patrulhamento severo e neurótico da sociedade civilizada fixa e determina essa identidade pela prática sexual do indivíduo, genitalizando essa identificação. O homossexual ativo continua sendo “homem” e o passivo perde essa condição. A homossexual ativa perde sua identidade feminina, e a passiva a mantém preservada. Por que ?

Entre os povos primitivos esse fenômeno aparece raramente no comportamento das pessoas, embora suas cargas genéticas possuam os mesmos cromossomas sexuais masculinos e femininos que a dos civilizados. Por que então, entre eles, o “problema” da homossexualidade é difícil de ser encontrado ? Como eles conseguem realizar esse milagre ?

Antes vamos ver como isso acontece com os animais irracionais. Muitos já presenciaram animais do mesmo sexo tentando montar, isto é, praticar o ato sexual uns com os outros. Normalmente não conseguem por não ser essa a freqüência da função preestabelecida pelos instintos naturais. E se conseguem, nada resulta a não ser o prazer efêmero do ato, que na maioria das vezes não é aceito pelo parceiro.

Os cães e as cadelas se mordem em verdadeiras batalhas quando percebem que o parceiro é do mesmo sexo. Não foram programados pela natureza para subverter aos instintos, porém, se o número de fêmeas ou de machos se torna escasso, a freqüência dessa comportamento (comportamento homossexual) tende a aumentar. Se estiverem convivendo em situações antinaturais (prisão, fome, espancamentos, isolamento prolongado) a reação do comportamento pode alterar ou perverter o condicionamento instintivo.

Gatos que convivem com cães sem brigarem, ratos brancos que não sentem medo de gatos ou cachorros, tigres e onças que convivem pacificamente com seus donos são situações muito conhecidas e que mostram com clareza as profundas modificações que podem ocorrer no comportamento instintivo dos animais.

O comportamento sexual no homem não é diferente, do ponto de vista de sua base instintiva, do dos outros animais. Pode, da mesma forma, alterar-se e seguir outras tendências, se estiver submetido a pressões antinaturais.

A sabedoria da engenharia natural deixou sempre uma margem de segurança para redirecionar e preservar a espécie. Indivíduos masculinos e femininos possuem uma condição genética, psicológica e sociológica mista, isto é, preparada para reorganizar as espécies em casos de profundas alterações do equilíbrio vital.

Se determinado indivíduo masculino está tendente sempre a desempenhar seu papel masculino isso não significa que ele, de vez em quando, não possa fazer ensaios ou treinamentos de papéis femininos, mesmo inconscientemente ou em sonhos. Voltará ao papel preferido quando perceber que esses ensaios não lhe agradam, que não combinam com o seu desejo ou com sua posição social no grupo ao qual pertence.

Se não estiver submetido ou não tiver passado por situações antinaturais, escolherá voltar sempre para o papel original. Isso fica demonstrado em situações nas quais muitos homens se sentem compelidos a imitar mulheres em peças de teatro ou no Carnaval. Os que assistem reagem freqüentemente da seguinte maneira:

=> Riem, achando muito engraçado
=> Dissimulam indiferença
=> Reagem com irritação criticando a cena
=> Se mostram interessados e imitam o ator

Todas essas reações demonstram o quanto de atenção prestamos e nos interessamos pelas manifestações da homossexualidade. Homens e mulheres civilizados trazem sempre para o tema da conversa esse tipo de manifestação do comportamento. Riem, fofocam, fingem que se assustam, criticam ou reagem favoravelmente ou contra esses comportamentos.

Não devemos considerar o comportamento reativo homossexual como doença ou sem-vergonhice, como bom ou mau comportamento, como direito ou falta de direito, como conquista ou retrocesso. É sensato compreendê-lo como sintoma social. Como forma reativa individual frente a pressões antinaturais geradas pelo próprio processo civilizatório, que se projeta contra os indivíduos de ambos os sexos. Na verdade parece ser um mecanismo de segurança usado pela natureza para a preservação da espécie, já que é através do mecanismo de reprodução que ela se utiliza para alcançar esse fim.

Essas manifestações são ou não originadas do ambiente antinatural (ausência de modelo cultural equilibrado) da nossa civilização ocidental, que também produz outros fenômenos como: o suicídio, a prostituição, a mendicância, a fome e o uso excessivo de drogas ?

Não somos homens ou mulheres. Estamos homens ou mulheres enquanto função masculina ou feminina à disposição do caminho da evolução da espécie. Na verdade somos, ou estamos sendo, sempre uma metade ou outra, dependendo de como nos sentimos e a que pressões estamos sendo submetidos dentro do ambiente confuso e desintegrador da sociedade branca. O nosso comportamento reativo está sempre mexendo com as nossas metades.

A sabedoria da natureza está muitos milhões de anos-luz à frente daquilo que costumamos chamar de “sabedoria humana”. É preciso que nos resignemos sempre à nossa condição de criaturas e não de criadores. Erramos muito e acertamos pouco mas, ainda assim, queremos viver e conviver.

A alavanca criadora da natureza sempre esteve preocupada com a preservação das espécies. A minhoca, por exemplo, um ser de poucos recursos, que é obrigada a viver embaixo da terra, foi presenteada com dois sexos, ou seja, é hermafrodita. Uma minhoca num prolongado ato sexual com outra minhoca, é capaz de engravidar e ficar grávida ao mesmo tempo. Ambas passam a ser, simultaneamente, pai e mãe; seus filhotes terão, portanto, dois pais e duas mães. Além disso se for cortada uma parte do seu corpo, o pedaço que sobrou pode regenerar-se e reproduzir o que faltou.

Nossa metade branca nos diz que, se esse presente da natureza tivesse cabido a nós, a anarquia seria total. E, mesmo assim, ainda nos consideraríamos seres inteligentes e lutaríamos pelo controle da natalidade.
Os criadores de peixes ornamentais em aquários e tanques já viram lindos machos de peixes, com o tempo, se transformarem em fêmeas que acabaram por parir muitos filhotes. Outras vezes, fêmeas prolíficas, começaram a mudar de cor e suas nadadeiras se alongam como a dos machos e elas começam a perseguir outras fêmeas.

Galinhas cantando como galos e montando nas suas companheiras de sexo e tantos outros exemplos entre animais nos faz lembrar que pertencemos, sim, à escala zoológica.
O hermafroditismo e a metamorfose sexual, entre outros, são fenômenos do reino animal que demonstram com perfeição como a natureza se preveniu para manter e preservar as espécies. Nossa ignorância, muitas vezes, não está preparada para entender esses recursos.
Para ilustrarmos como os índios se organizam dentro de seus modelos culturais e simbolizam os conceitos de masculino e feminino, passaremos a transcrever um trecho do livro “A Sociedade contra o Estado” do etnólogo Pierre Clastres. Trata do Arco (símbolo masculino) e do Cesto (símbolo feminino) determinando uma organização e um equilíbrio na cultura dos índios Guaiaquí. Começa assim:


“Uma oposição muito clara organiza e domina a vida quotidiana dos guaiaquí: aquela dos homens e das mulheres cujas atividades respectivas, marcadas fortemente pela divisão sexual das tarefas, constituem dois campos nitidamente separados e, como aliás em todos os lugares, complementares. Mas, diferentemente da maioria das outras sociedades indígenas, os guaiaquí, não conhecem forma de trabalho em que participem ao mesmo tempo os homens e as mulheres. A agricultura, por exemplo, alterna tanto atividades masculinas como femininas, já que, se em geral as mulheres se dedicam a semear, a limpar os campos de cultivo e a colher os legumes e cereais, são os homens que se encarregam de preparar o lugar das plantações derrubando as árvores e queimando a vegetação seca. Mas, se os papéis são bem distintos e nunca se misturam nem por isso deixam de assegurar em comum o início e o sucesso de uma operação tão importante como a agricultura. Ora, nada disso ocorre com os guaiaquí.

Nômades que tudo ignoram da arte de plantar, sua economia apoia-se exclusivamente na exploração dos recursos naturais que a floresta oferece. Estes se distribuem sob duas rubricas principais: produtos da caça e produtos da coleta, esta última compreendendo sobretudo o mel, as larvas e o cerne da palmeira Pindo.

Poderíamos pensar que a procura dessas duas classes de alimento se conformaria ao modelo muito difundido na América, do Sul segundo o qual os homens caçam, o que é natural, deixando para as mulheres o cuidado de coletar. Na realidade, as coisas se passam de maneira muito diferente, uma vez que, entre os guaiaquí, os homens caçam e também coletam. Não que, mais atentos que outros ao lazer de suas esposas, quisessem dispensá-las das tarefas que normalmente lhes caberiam; mas, de fato, os produtos da coleta são obtidos à custa de operações penosas que as mulheres dificilmente realizariam: localização das colmeias, extração do mel, derrubada das árvores, etc. Trata-se então de um tipo de coleta que concerne bem mais as atividades masculinas. Ou, em outros termos, a coleta conhecida em outros lugares na América e que consiste na obtenção de bagas, frutas, raízes, insetos etc. É quase inexistente entre os guaiaquí, pois, na floresta por eles ocupada não são abundantes os recursos desse gênero. Então, se as mulheres praticamente não coletam, é porque nela quase nada existe para ser coletado.

Consequentemente, como as possibilidades econômicas dos guaiaquí estão culturalmente reduzidas pela ausência da agricultura e naturalmente reduzidas pela relativa raridade dos alimentos vegetais, a tarefa cada dia recomeçada de procurar alimentação para o grupo incumbe essencialmente aos homens. Isso não significa que as mulheres não participam na vida material da comunidade. Além de lhes caber a função, decisiva para os nômades, do transporte dos bens familiares, as esposas dos caçadores fabricam cestos, potes, cordas para os arcos; elas cozinham, cuidam das crianças etc. Longe, então, de serem ociosas, elas dedicam inteiramente o tempo de que dispõem à execução de todos esses trabalhos necessários. Mas não deixa de ser verdade que no plano fundamental da “produção” de alimentos, o papel de fato menor desempenhado pelas mulheres deixa aos homens o absorvente e prestigioso monopólio. Ou, mais precisamente, a diferença entre homens e mulheres ao nível da vida econômica surge como a oposição de um grupo de produtores e de um grupo de consumidores.

O pensamento guaiaquí, como veremos, exprime claramente a natureza dessa oposição que, por estar situada na própria raiz da vida social da tribo, comanda a economia de sua existência quotidiana e confere sentido a todo um conjunto de atitudes na qual se liga a trama das relações sociais.

O espaço dos caçadores nômades não se pode repartir segundo as mesmas linhas que o dos agricultores sedentários. Dividido por estes em espaço da cultura, constituído pela aldeia e pelos campos de cultivo, e em espaço da natureza ocupado pela floresta circundante, ele se estrutura em círculos concêntricos. Para os guaiaquí, ao contrário, o espaço é constantemente reduzido à pura extensão onde é abolida, ao que parece, a diferença da natureza e da cultura. Mas, na realidade, a oposição já salientada no plano da vida material fornece igualmente o princípio de uma dicotomia do espaço que, por ser mais disfarçada do que em sociedades de outro nível cultural, nem por isso e menos pertinente.

Existe entre os guaiaquí um espaço masculino e um espaço feminino, respectivamente definidos pela floresta onde os homens caçam e pelo acampamento onde reinam as mulheres.

Sem dúvida as paradas são muito provisórias: elas raramente duram mais de três dias. Mas é o lugar de repouso onde se consome a alimentação preparada pelas mulheres, ao passo que a floresta é o lugar do movimento especialmente destinado as incursões dos homens em busca da caça. Não poderíamos, evidentemente, tirar desse fato a conclusão de que as mulheres são menos nômades que seus esposos. Mas, por causa do tipo de economia em que está apoiada a existência da tribo, os verdadeiros senhores da floresta são os caçadores: eles efetivamente à cercam, pois são obrigados a explorá-la com minúcia para explorar sistematicamente todos os seus recursos. Espaço do perigo, do risco, da aventura sempre renovada para os homens, para as mulheres, a floresta é, ao contrário, espaço percorrido entre duas etapas, travessia monótona e fatigante, simples extensão neutra.

No pólo oposto o acampamento oferece ao caçador a tranqüilidade do repouso e a ocasião de fazer trabalhos rotineiros, enquanto é para as mulheres o lugar onde se realizam suas atividades específicas e se desenrola uma vida familiar que elas controlam amplamente. A floresta e o acampamento encontram-se, assim, dotados de signos contrários conforme se trate de homens ou de mulheres. O espaço, poder-se-ia dizer, da “banalidade quotidiana” é a floresta para as mulheres, o acampamento para os homens: pare estes a existência só se torna autêntica quando a realizam como caçadores, quer dizer, na floresta, e para as mulheres quando, deixando de ser meios de transporte, elas podem viver no acampamento como esposas e como mães. Podemos então medir o valor e o alcance da oposição socioeconomica entre homens e mulheres porque ela estrutura o tempo e o espaço dos guaiaquí.

Ora, eles não deixam no impensado o vivido dessa práxis: têm uma consciência clara e o desequilíbrio das relações econômicas entre os caçadores e suas esposas se exprime no pensamento dos índios como a “oposição entre o arco e o cesto”.

Cada um desses dois instrumentos é, com efeito, o meio, o signo e o resumo de dois “estilos” de existência tanto apostos como cuidadosamente separados. Quase não e necessário sublinhar que o arco, arma única dos caçadores, é um instrumento exclusivamente masculino e que o cesto, coisa das mulheres, só é utilizado por elas: os homens caçam, as mulheres carregam.

A pedagogia dos guaiaquí se estabelece principalmente nessa grande divisão de papéis. Logo aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um pequeno arco adaptado ao seu tamanho; a partir de então ele começara a se exercitar na arte de lançar com perfeição uma flecha.
Alguns anos mais tarde, oferecem-lhe um arco muito maior, flechas já eficazes, e os pássaros que ele traz para sua mãe são a prova de que ele é um rapaz sério e a promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns anos e vem a época da iniciação; o lábio inferior do jovem de cerca de 15 anos é perfurado; ele tem o direito de usar o ornamento labial, o “beta”, e é então considerado um verdadeiro caçador, um “Kybuchuété” (caçador). Isso significa que um pouco mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá consequentemente prover as necessidades do novo lar.

Por isso, o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens é fabricar para si um arco; de agora em diante membro “produtor” do bando, ele caçará com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a velhice o separarão de seu arco.

Complementar e paralelo é o destino da mulher. Menina de 9 ou 10 anos, recebe de sua mãe uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente. Ela nada transporta, sem dúvida; mas, o gesto gratuito de sua marcha - cabeça baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu esforço futuro - a prepara para seu futuro próximo. Pois o aparecimento, por volta dos 12 ou 13 anos, da primeira menstruação e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade fazem da jovem virgem uma “daré”, uma mulher que será logo esposa de um caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição definitiva, ela fabrica então o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem, tanto senhores como prisioneiros, um do seu cesto, o outro do seu arco, ascendem dessa forma à idade adulta. Enfim, quando morre um caçador, seu arco e suas flechas são ritualmente queimados, como o é também o último cesto de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a ela.

Os guaiaquí apreendem essa grande oposição, segundo a qual funciona sua sociedade, por meio de um sistema de proibições recíprocas: uma proíbe as mulheres de tocarem o arco dos caçadores; outra impede os homens de manipularem o cesto. De um modo geral, os utensílios e instrumentos são sexualmente neutros, se se pode dizer: o homem e a mulher podem utilizá-los indiferentemente; só o arco e o cesto escapam a essa neutralidade.

Esse tabu sobre o contato físico com as insígnias mais evidentes do sexo oposto permite evitar assim toda transgressão da ordem sócio-sexual que regulamenta a vida do grupo. Ele é escrupulosamente respeitado e nunca se assiste à estranha conjunção de uma mulher e um arco nem aquela, mais que ridícula, de um caçador e um cesto. Os sentimentos que cada da sexo experimenta com relação ao objeto privilegiado do outro são muito diferentes: um caçador não suportaria a vergonha de transportar um cesto, ao passo que sua esposa temeria tocar seu arco. É que o contato da mulher e do arco é muito mais grave que o do homem e do cesto. Se uma mulher pensasse em pegar um arco, ela atrairia, certamente, sobre seu proprietário o “pané”, quer dizer, o azar na caça, o que seria desastroso para a economia dos guaiaquí.

Quanto ao caçador, o que ele vê e recusa no cesto é precisamente a possível ameaça do que ele teme acima de tudo, o “pané”. Pois, quando um homem é vítima dessa verdadeira maldição, sendo incapaz de preencher sua função de caçador, perde por isso mesmo a sua própria natureza e a sua substância lhe escapa: obrigado a abandonar um arco doravante inútil, não lhe resta senão renunciar a sua masculinidade e, trágico e resignado, encarrega-se de um cesto.

A dura lei dos guaiaquí não lhe deixa alternativa. Os homens só existem como caçadores, e eles mantêm a certeza da sua maneira de ser preservado o seu arco do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não consegue mais realizar-se como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser homem: passando do arco para o cesto, metaforicamente ele “se torna uma mulher”. Com efeito, a conjunção do homem e do arco não se pode romper sem transformar-se na sua inversa e complementar: aquela da mulher e do cesto.
Ora, a lógica desse sistema fechado, constituído de quatro termos grupados em dois pares opostos, ficou provada: havia entre os guaiaquí dois homens que carregavam cestos: Um, Chachubutawachugi, era “panema”. Não possuía arco e a única caça à qual podia entregar-se de vez em quando era captura à mão de tatus e quatis: tipo de caça que, embora correntemente praticada por todos os guaiaquí, está bem longe de apresentar a seus olhos a mesma dignidade que a caça com o arco, o “jyvondy”. Por outro lado Chachubutawachugi era viúvo; e, como era “panema”, nenhuma mulher queria saber dele, mesmo que a titulo de marido secundário. Ele tampouco procurava integrar-se à família de um de seus parentes: estes teriam julgado indesejável a presença permanente de um homem que agravasse sua incompetência técnica com um excelente apetite. Sem esposa porque sem arco, só lhe restava aceitar, sua triste sorte. Nunca acompanhava os outros homens em suas expedições de caça, mas partia, só ou em companhia das mulheres, em busca de larvas, mel ou dos frutos que ele havia antes localizado.

E, para poder transportar o produto de sua coleta, munia-se de um cesto que uma mulher lhe havia dado de presente. Como o azar na caça lhe destruía o acesso as mulheres, ele perdia, ao menos parcialmente, sua qualidade de homem e se achava assim rejeitado no campo simbólico do cesto.

O segundo caso é um pouco diferente; Krembégi era na verdade um sodomita. Ele vivia como as mulheres e, a semelhança delas, mantinha em geral os cabelos nitidamente mais longos que os outros homens, e só executava trabalhos femininos: ele sabia tecer e fabricava, com os dentes de animais que os caçadores lhe ofereciam, colares que demonstravam um gosto e disposições artísticos muito melhor expressas do que nas obras das mulheres. Enfim, ele era evidentemente proprietário de um cesto. Em suma Krembégi atestava assim no seio da cultura guaiaquí a existência inesperada de um refinamento habitualmente reservado a sociedades menos rústicas.

Esse pederasta incompreensível vivia como uma mulher e havia adotado as atitudes e comportamentos próprios desse sexo; ele recusava, por exemplo, tão seguramente o contato de um arco como o caçador o do cesto. Ele considerava que seu lugar natural era o mundo das mulheres; Krembégi era homossexual porque era “panema”. Talvez também seu azar na caça proviesse de ser ele, anteriormente, um invertido inconsciente. Em todo caso, as confidências de seus companheiros revelavam que sua homossexualidade se tornara oficial, quer dizer, socialmente reconhecida, quando ficara evidente a sua incapacidade de se servir de um arco: para os próprios guaiaquí ele era um “Kyrypy-meno” (ânus - fazer amor) porque era “panema”.

Os “aché” mantinham aliás uma atitude muito diferente com relação a cada um dos dois carregadores de cesto que acabamos de evocar. O primeiro, Chachubutawachugi, era objeto de caçoada geral, se bem que desprovida de verdadeira maldade: os homens o desprezavam bastante nitidamente, as mulheres dele riam à socapa, e as crianças tinham por ele um respeito muito menor do que pelos outros adultos. Krembégi ao contrário não despertava nenhuma atenção especial; consideravam-se evidentes e adquiridas a sua incapacidade como caçador e a sua homossexualidade. De tempos em tempos, certos caçadores faziam dele seu parceiro sexual, manifestando nesses jogos eróticos mais libertinagem - ao que parece - do que perversão. Mas não ocorreu nunca por parte deles qualquer sentimento de desprezo para com ele. Inversamente e se conformando nisso à imagem que deles fazia sua própria sociedade, esses dois guaiaquí se mostravam desigualmente adaptados ao seu respectivo estatuto.

Krembégi estava tão à vontade, tranqüilo e sereno em seu papel de homem tornado mulher, quanto Chachubutawachugi parecia inquieto, nervoso e freqüentemente descontente. Como se explica essa diferença introduzida pelos “aché” no tratamento reservado a dois indivíduos que, ao menos no plano formal, eram “negativamente” idênticos ?

É que, ocupando ambos uma mesma posição em relação aos outros homens, uma vez que os dois eram “panema”, seu estatuto positivo deixaria de ser equivalente, pois um deles, Chachubutawachugi, embora obrigado a renunciar parcialmente às determinações masculinas, permanecera um homem, enquanto o outro, Krembégi, assumira até as últimas conseqüências sua condição de homem não-caçador, tornando-se uma mulher. Ou, em outros termos, Krembégi havia encontrado, por meio de sua homossexualidade, o “topos” ao qual o destinava logicamente sua incapacidade de ocupar o espaço dos homens; o outro, em compensação, recusando o movimento dessa mesma lógica, estava eliminado do círculo dos homens sem, entretanto, com isso integrar-se ao das mulheres. O que significa dizer que, literalmente, “ele não estava em lugar algum”, e que sua situação era muito mais incômoda que a de Krembégi.
Este último ocupava aos olhos dos “aché” um lugar definido, embora paradoxal; e desprovida, em certo sentido, de toda ambigüidade, sua posição no grupo resultava normal, mesmo que essa nova norma fosse a das mulheres.

Chachubutawachugi, ao contrário, constituía por si mesmo uma espécie de escândalo lógico; não se situando em nenhum lugar nitidamente identificável, ele escapava do sistema e introduzia nele um fator de desordem: o anormal, sob certo ponto de vista, não era o outro, mas ele. Daí sem dúvida a agressividade secreta dos guaiaquí com relação a ele, que se manifestavam por vezes nas caçoadas. Daí também, provavelmente as dificuldades psicológicas que ele experimentava e um sentimento agudo de abandono: tão difícil é manter a conjunção de um homem e de um cesto.

Chachubutawachugi queria, pateticamente, permanecer um homem sem ser um caçador: ele se expunha assim ao ridículo e, portanto, às caçoadas, pois era o ponto de contato entre duas regiões normalmente separadas.

Pode-se supor que esses dois homens mantivessem ao nível de seu cesto a diferença das relações que tinham com sua masculinidade. De fato Krembégi carregava seu cesto como as mulheres, isto é com a tira do suporte “sobre a testa”. Quanto a Chachubutawachugi, colocava a tira “sobre o peito” e nunca sobre a teste. Era claramente uma maneira desconfortável e muito mais fatigante do que a outra, de transportar o cesto; mas era também para ele o único meio de mostrar que, mesmo sem arco, continuava sendo um homem.”

Vimos então que a Ordem Natural aceita certas diferenças, mas não suporta a confusão. Vimos também que na organização social dos guaiaquí a identidade sexual da tribo fica preservada quando distribui as tarefas masculinas e femininas, determinando assim os seus símbolos no plano da cultura.

Sua organização social vincula a identidade sexual ao trabalho, a economia, aos símbolos (arco e cesto) e ao mito (panema = azar). Não é apenas a prática sexual ou a genitália que identifica e difere o masculino do feminino nessa sociedade com modelo cultural preservado e em equilíbrio. Essa prática de representar o sexo entre eles é o resultado da forte integração sociocultural onde todos os elementos (tarefas, símbolos, economia, identidade e mito) estão indissoluvelmente ligados para permitir a tradição do grupo e facilitar a vida grupal.
Cabe agora uma pergunta: em que lugar do “mundo civilizado” podemos encontrar um modelo cultural tão equilibrado e saudável para o desenvolvimento psicossocial dos indivíduos ? A expressão “cultura civilizada” possui algum sentido coerente ?

A homossexualidade encontrada na vida civilizada resulta de uma desorganização cultural progressiva e expressa a desorganização dos sentimentos, princípios e valores que normalmente existem e se encontram integrados nos modelos socioculturais organizados. A preferência sexual depende menos de uma simples escolha individual e está diretamente relacionada ao modo de viver e conviver dentro de parâmetros predeterminados e bem definidos pela cultura dos grupos sociais.

Nesse particular conseguimos não ser tão diferentes dos índios. Guardamos, ainda que de forma distorcida e anárquica, alguns valores, símbolos e tarefas correspondentes ao masculino e ao feminino. Alguns homens não aceitam as cores lilás e cor-de-rosa nas suas roupas. O uso de brincos, pulseiras e colares não são bem aceitos por todos os homens. Tarefas como a de figurinistas, cabeleireiros e colunistas sociais ainda são tratados como pouco masculinas. É raro se ver mulheres trabalhando em serviços braçais pesados, dirigindo tratores ou fumando cachimbos.

O fenômeno homossexual quando visto somente pelo ângulo individual, da prática sexual, se mostra falso e pobre. Toda sociedade equilibrada o conhece e reconhece associado às funções, bio-psico-sócio-culturais.


Furto e Afeto

O furto é uma forma simbólica de ganhar afeto. Todos nós aprendemos a furtar na sociedade civilizada porque precisamos preencher de vez em quando os nossos sacos vazios de afeto. Não importa se o que “temos” está em forma de patrimônio, objetos, dinheiro, capacidade intelectual, talento, prestígio ou qualquer uma outra condição que nos permita sentir satisfação e felicidade.

A nossa identidade pessoal precisa de algo que nos “preencha” de alguma forma, que nos faça sentir que “temos” alguma importância para nós e para os outros.

Com o desenvolvimento da sociedade industrial a humanidade experimentou uma série de transformações rápidas no que diz respeito às suas aquisições internas, ou seja, nos sentimentos, princípios e valores individuais que a vivência da cultura nos imprime. Isso pode ter modificado nosso comportamento.

Furtar significa “incorporar, colocar para dentro” algum valor, algo de muito importante para alguém ou para nós. Como o ato de furtar não é aceito socialmente e, muitas vezes, vem acompanhado de reprovação e punição, é comum a pessoa que furta experimentar variados sentimentos como: medo, vergonha, excitação, apreensão, prazer, etc. É como ser apanhado em flagrante num gesto infantil e primário que remete ao mais profundo e escuro local da nossa intimidade afetiva; é uma forma proibida e angustiante de manter contato com os outros e conosco mesmo.

Todos nós, ou já sentimos desejo de furtar ou já furtamos alguma vez na vida. Não interessa o valor do que foi furtado e sim o ato simbólico do furto. O afeto e o furto estão fortemente associados e presentes dentro de todos nós porque vivemos em uma sociedade cujo estatuto central é o de “ter ou possuir para ser visto, amado ou admirado”.

Quem já não ouviu contar casos de pessoas que furtam livros, plantas, canetas, isqueiros, obras criadas por outros, objetos de avião, de restaurantes e de tantos outros lugares ? Todos furtamos. Na maioria das vezes não sabemos explicar de onde se originam esses impulsos estranhos, o que estamos querendo preencher com esses furtos e quais as mensagens afetivas que estão contidas neles. Mas, mesmo assim, furtamos ! Somos ladrões de afeto e estamos sempre insatisfeitos com as nossas repetidas e arriscadas investidas.

Há três modalidades de furtos: os grosseiros, os medianos e os leves ou sutis. Há quem use a violência para retirar do outro aquilo que deseja para si; há os que mentem para poderem adquirir mais um pouco do que poderia ser adquirido se falassem a verdade; há os que representam durante muito tempo, utilizando-se de vários artifícios, para conseguirem afinal os seus objetivos de ganhar alguma coisa.

Alguns donos de supermercados, lojas, empresas de diversas naturezas furtam nos preços porque sentem que estão perdendo alguma coisa ou poderiam ganhar um pouquinho mais e tentam justificar com elegância a “coerência” desses furtos. Diferentes prestadores de serviços usam seus “truques” para conseguir alcançar os mesmos objetivos.

Pai e filho, irmão e irmão, amigo e amigo, patrão e empregado, homens e mulheres, todos nós, fazemos das nossas relações humanas, com freqüência cada vez maior, um espaço de “ganho material” (sinônimo e código de ganho afetivo) para alcançarmos o nosso objetivo de plenitude interna. A nossa voracidade no ganhar, no entanto, nunca nos preenche porque não consegue atingir o centro do nosso verdadeiro desejo: o afeto. Atributo importantíssimo para o equilíbrio constante do psiquismo e muito raro nos dias de hoje. Tão raro que é preciso furtá-lo por não ser concedido facilmente de forma aberta e gratuita.

Estranhamos muito e sempre foi muito difícil para nós compreender a vida e os relacionamentos das sociedades humanas naturais na sua aparente simplicidade, que nos mostra claramente uma rica e complexa rede de experiências afetivas, econômicas, religiosas e muitas outras. Há quem os chame de “povos primitivos” ou de “indígenas”; há os que os considerem atrasados, preguiçosos, sem tecnologia, pré-letrados ou pré-colombianos. Inveja ? Desinformação ? Negação da realidade ? Etnocentrismo ? Não interessa a razão. Lá eles não conhecem o “furto”, assim como o conhecemos aqui, porque não há necessidade de furtar numa sociedade que guardou dentro do seu espaço cultural um lugar privilegiado para o afeto. Dentro e fora desses indivíduos existem lugares e momentos dedicados às relações humanas afetivas que não foram ainda substituídos pela voraz, desesperada e ineficaz “corrida para o consumo” com a qual estamos acostumados.

Quando um índio guarda por algum tempo um objeto desconhecido, trazido por um “civilizado” para a aldeia, por simples curiosidade, não é um furto. O verdadeiro furto se origina do impulso ou da compulsão em apropriar-se de alguma coisa pela necessidade de preencher algum “vazio” afetivo preexistente e gerado por um “modo de viver” que não reservou um lugar especial para o afeto no terreno dos contatos entre as pessoas.

Não sabemos e não temos informações de fontes idôneas sobre a ocorrência de furtos nessas sociedades naturais porque não é da natureza humana equilibrada o desejo de fazer contatos interpessoais através do furto. Essa forma inadequada de relacionar-se só vinga nas sociedades que costumamos chamar de “civilizadas”, sinônimo de “sociedades socialmente desequilibradas”. Social, econômica, religiosa e afetivamente desequilibradas.

Outras civilizações mais antigas já percorreram o mesmo caminho que estamos insistindo em repetir e se deram mal: desapareceram e não existem mais. Não souberam construir o Templo do Afeto, local na cultura, onde se deve erigir o altar para o culto das relações afetivas entre os homens, mulheres e crianças. Regredimos no tempo para voltar a adorar os mesmos conceitos antigos de “progresso e desenvolvimento econômico” usados pelos povos antigos.

Ouvimos com freqüência, através do discurso de políticos e autoridades econômicas, expressões como: “Quando o país encontrar sua estabilidade econômica....”, “se a inflação cair...”, “quando houver melhor distribuição da renda...”, todas direcionadas para uma expectativa econômico-financeira, esquecendo-se esses senhores que o fenômeno econômico e suas distorções são resultantes das distorções do comportamento humano, dos seus sonhos, das suas ambições e fantasias e, - por que não dizer ? - das patologias das pessoas e dos grupos de pessoas que controlam a vida política e econômica das nações civilizadas.
Entre os povos das sociedades naturais aprendemos mais sobre progresso e desenvolvimento humano do que em toda a nossa vida nas escolas e universidades civilizadas, nos livros escritos sobre o assunto e nos simpósios, congressos e seminários dos quais participamos. Nunca vemos escolas ou templos deles, nunca assistimos um professor falar entre eles, nada há escrito em livros.

Quem ensinou a eles essa forma tão sábia de viver e conviver ? Não sabemos. Só sabemos que já vivemos como eles vivem hoje, há alguns milênios atrás. Talvez tenhamos esquecido muita coisa do que eles sabem.

Se perguntássemos aos antropólogos porque eles os admiram tanto, responderiam: “Porque vemos neles o que fomos ontem e o que - de uma forma nova e adaptada - poderemos ser amanhã. Não dá mais para viver (e assistir outros vivendo) numa sociedade sem futuro, onde violência, injustiça e fome existem porque dão lucro e geram notícias e empregos.

O furto é o sintoma de uma sociedade infeliz. Uma sociedade “sem espírito de corpo”, isto é, sem eixo cultural, sempre em dúvida se deve ou não situar a figura humana no centro dos seus sentimentos, princípios e valores. Furtamos porque nos sentimos infelizes e solitários e acreditamos que uma grande quantidade de bens materiais possa vir a mitigar o nosso sofrimento. As crianças furtam porque se sentem solitárias ao lado dos pais, os pobres furtam porque se sentem injustiçados e abandonados e os ricos vão continuar furtando porque, como as crianças e os pobres, acreditam que a riqueza material possa lhes dar um dia o afeto, a segurança e a felicidade que todos desejam ter dentro de si.

Furtar é um gesto humano e simbólico de quem se sente vazio de amor. Não devemos reprovar os que furtam, sejam ricos, pobres ou crianças porque todos estão usando a mesma linguagem para expressar a mesma mensagem. Somente os que se sentem satisfeitos internamente com a solidariedade, a partilha, a generosidade, a convivência justa e fraterna não sentem vontade de furtar porque já possuem o que de mais importante existe na vida: a consciência plena da igualdade e da alegria de conviver em harmonia e num espaço afetivo amplo e justo com todos.

O poder, o dinheiro e o prestígio possuem o mesmo significado e a mesma força no interior das sociedades civilizadas. Todos ou quase todos os homens vivem sob a ilusão de conquistá-los um dia. Na verdade esses três desejos do homem moderno representam uma coisa só: o Controle.
Controlar os outros significa para o homem neurótico da nossa civilização “a super-conquista sobre os demais”, a realização maior da sua estória humana, a grande façanha de sair da mísera condição humana e se transformar no “maior super-herói de todos os tempos” e, do alto desse “podium”, se sentir em condições de ganhar a “Taça do Afeto”, a “Medalha da Segurança” e a “Fita do Amor”.

Ter certeza de que todos o amam, admiram e não o deixarão sozinho e de frente com a sua solidão. Só assim sentir-se-á seguro para começar a procurar dentro de si o que já possui, mas só consegue acreditar que existe do lado de fora, nos outros e nos objetos que levou sua vida inteira para adquirir. Furtar pode ser uma forma de abreviar esse caminho da busca da felicidade interna para muitas pessoas que se esqueceram de construir esse “podium” e de procurar taças, fitas e medalhas dentro de si próprias. Órfãos de uma sociedade que destrói seus filhos ensinando-lhes o caminho da ganância da competição e da mentira.

Furtar é pedir socorro para os que julgamos proprietários da felicidade. É mendigar afeto para outros mendigos que, como nós, também precisam furtar para se tornarem aparentemente ricos.

Certa vez perguntaram a um mendigo qual o seu maior desejo. Ele respondeu: - Morrer e ir para o céu....lá não falta nada...Deus é Amor, é Esperança e Caridade. Há pessoas que vivem pensando em morrer para poderem encontrar-se com a felicidade. Por que é preciso morrer para ser feliz ? Não é possível ser feliz vivendo ? Furtar ou mendigar é um passaporte para os que ainda não tiveram coragem para atalhar o caminho ? Não sabemos responder essas perguntas mas nos sentimos muito tristes por saber que elas existem.

Perguntaram para um velho pescador, na Amazônia, que costumava distribuir o peixe que sobrava após a venda, para os outros moradores pobres do lugar, se ele não tinha medo de ficar mais pobre ainda e lhe faltar no futuro o que ele generosamente distribuía no presente. Ele olhou demoradamente, sorriu e falou com a serenidade de quem tem certeza: - “Eu sou rico. Nunca faltou nada para mim e o que sobra eu dou pro’s outros. Estou com essa idade e sempre fiz isso, nunca fiquei pobre por causa disso. Todo dia eu pesco e todo dia sobra peixe e eu distribuo com quem não tem. Quando fico doente ou não posso pescar, sempre encontro quem me dê. A riqueza tá dentro da gente e da Natureza, meu filho..! Não acredite nessas mentira que andam inventando por aí....Donde você é ?...Como é seu nome ?...Quer um peixe prá você ? Eu tiro do meu...tem mais lá em casa...”.

Muitos ainda não acreditam que uma sociedade é um corpo só, constituído de vários órgãos que são os povos, de vários tecidos que são as culturas e de várias células que são os homens, mulheres e crianças. A nossa casa é o planeta, a nossa água são os oceanos, rios, riachos e lagoas, as nossas plantas são as florestas e os campos e o nosso alimento é o amor. Quantos já entraram nessa casa e já saíram dela ? O que fizeram durante a sua permanência provisória ? O que faremos nós, os ainda residentes ? Furtaremos os outros moradores para que possamos ocupar os melhores e mais confortáveis lugares da casa ? Cada um é dono apenas dos seus “bens internos” - sentimentos, princípios e valores de caráter, - e do seu livre-arbítrio. Tão dono que os leva consigo após a morte.

Somos e seremos sempre usufrutuários dos bens materiais enquanto vivermos. Nunca proprietários !!! Pois a morte nos ensina que o conceito de “propriedade” é uma frágil ilusão. Cada experiência afetiva pessoal é intransferível e única. Sentir não é ter, é só sentir. Quando sentimos uma alegria não nos tornamos proprietários dela, só a sentimos. Nossos sentimentos morrem junto conosco, nossos bens serão distribuídos entre os vivos.

Só pararemos de furtar quando nos sentirmos próximos uns dos outros, quando essa proximidade for verdadeira, quando nos trouxer alegria, justiça e paz; quando, espantados, olharmos com atenção uns para dentro dos outros e virmos a nossa própria imagem refletir-se do interior do outro, e voltar para nós inteira e igual.

A nossa imagem de pessoas inteiras não pode ser vista em qualquer espelho, só a nossa consciência é capaz de refletir essa imagem que tanto desejamos ver. Furtar é uma mensagem de amor...de falta de amor.

Comportamento Reativo e Drogas

O mesmo mecanismo que já comentamos sobre a associação necessária entre sexo e pecado, é percebido na relação entre proibição e droga.

Compreendendo que a associação sexo-pecado-dinheiro valoriza o produto (sexo), foi fácil identificar a mesma associação entre droga-proibição-dinheiro. Como o civilizado é potencialmente infrator (sem modelo cultural), tudo o que é proibido passa a ter valor e, transgredir, passa a ser excitante. Droga sem proibição é droga barata, desinteressante e não dá lucro. É necessário, portanto, manter a proibição e a desinformação para valorizar o produto.

O valor social das drogas
As drogas estão integradas à natureza desde o início do aparecimento da vida na Terra. Por experiência instintiva e usando os sentidos, os animais reconhecem e selecionam os vegetais, minerais ou animais que servem para sua alimentação ou que podem aliviar incômodos ou doenças, dos que possam causar-lhes danos ou experiências desagradáveis. Esse capacidade é essencial para a sua sobrevivência e para o aprendizado das relações com o ambiente.

A utilização de drogas pelo homem segue os mesmos rumos da experiência/sobrevivência e se destaca pelo refinamento desse reconhecer, classificar e elaborar a droga através de diferentes processos. Mas o que diferencia a relação homem/droga da relação animais/droga é a capacidade humana de incorporá-la à sua cultura, de forma ritualizada e fortemente presa aos seus costumes e valores.

As condições de sobreviver dentro de uma cultura complexa permitiu ao homem exercitar outras capacidades como a de falar, escrever, dançar, cantar e, inclusive, a de intoxicar-se dentro das expectativas de cada grupo cultural e de cada indivíduo.
O cultivo, a manufatura, o tráfico e o uso de drogas apresenta consideráveis diferenças segundo o grupo humano que as utilizam. A importância dada a substância tóxica é conferida pelo grupo humano que a cultiva, transforma, comercia e usa.

O interesse que desperta nos diferentes grupos humanos reflete as expectativas e os interesses próprios de cada um desses grupos. A forma de lidar com as drogas dentro de cada grupo étnico mostra claramente, entre outras coisas, o seu nível de integração ou desintegração cultural.

O trabalho, o lazer, a sexualidade, a religiosidade, as drogas, além de outros componentes vitais, fazem parte da dinâmica do corpo social e estão interrelacionadas de forma a compor um quadro social em movimento.
As formas de usar as drogas e as condições que organizam esse uso podem ser diferentes de acordo com os valores do grupo humano, mas todas elas são expressivas e significativas para os indivíduos dentro de cada grupo.


A Droga nas Sociedades Primitivas

Nas sociedades tribais as drogas estão incorporadas de forma equilibrada através de ritos, crenças e tradições que compõem o seu mundo mágico, religioso, político e econômico, que por sua vez está vinculado a elementos ético-morais, de lazer e da realidade ambiental.

Nessas sociedades as drogas estão associadas a diferentes situações: ao nascimento ou morte de seus membros, nas grandes festas de iniciação, nos momentos de doenças, de cultivo ou colheita de alimentos, etc.

A incorporação das drogas a essas situações apresentam sempre um significado próprio e estão condicionadas a regras e costumes que remetem à tradição do grupo. Nem todos os membros as usam e o seu uso freqüentemente fica restrito a situações determinadas.

Nessas condições a droga passa a ter uma função social e a se revestir de um caráter tradicional religioso, respeitado e seguido por todos. Nessas sociedades, portanto, a droga cumpre uma função social importante e é controlada por mecanismos sociais aceitos consensualmente pelo grupo, servindo como elemento concreto de ligação entre o mundo mágico e a realidade do dia-a-dia.


Conceitos e Preconceitos sobre as drogas na Sociedade Branca


Já dissemos que os conceitos sobre drogas variam segundo os costumes e os valores que as sustentam. Na sociedade branca destacamos três expectativas essenciais dos valores sociais:

 A expectativa pelo poder econômico (ser rico, ter lucro, capacidade de consumir).

 A expectativa pelo poder pessoal (fama, gloria, competência, ser conhecido por todos, ser diferente dos outros).

 A expectativa pelo poder político (ser o líder, ter influência , dirigir e controlar os outros).

Somando-se essas três expectativas, concluiremos que na sociedade branca os indivíduos aspiram e exercitam suas a funções num plano de fantasia egocêntrica (“quero a segurança e poder para mim” ou “quero ser alguém na vida”). Com esse perfil psicológico, o indivíduo na sociedade branca, desempenha um papel neurótico de “controle”, que determina o conteúdo das relações com os outros indivíduos, com os outros animais, com o meio ambiente, com a terra, com o dinheiro, com as drogas, com o sexo, etc.

A sociedade branca lida com a droga de forma ambígua e paradoxal. Ao mesmo tempo em que os moralistas a condenam e a segregam da realidade social, ela é usada indiscriminadamente de forma abusiva e descontrolada por todas as classes sociais, por indivíduos de todas as idades, com freqüência alarmante e totalmente desvinculada de mecanismos controladores da sua função social.

Para os que a cultivam, manufaturam e comercializam sua importância se concretiza no grande lucro que proporciona. Para os que a utilizam, sua função é permitir o alívio das tensões, quebrar a rigidez das normas e atenuar as sensações de medo e insegurança, permitindo alguns momentos de certeza e de auto-engrandecimento. Funciona como uma “escapada” provisória da desorganização social.

Para os moralistas a droga se constitui no grande “bode expiatório” da humanidade. Quase todos os males da sociedade estariam desaguando no elemento demoníaco depositado na droga. Como elemento concentrador de culpa, a droga serve ao moralista com dupla função:

 É base permanente do seu discurso e do seu “status”.

 Evita o confronto com outras questões da realidade social, como a fome, as desigualdades sociais, as desigualdades econômicas, o desemprego, as guerras e, sobretudo, o confronto com a questão da perda cultural.

O conceito de desenvolvimento e progresso na nossa civilização corre paralelo com a nossa tendência materialista de lidar com as pessoas e com os objetos que nos cercam. Nossas necessidades de aquisição de bens e de exercitar nosso poder (controle) sobre os demais e sobre o ambiente, costuma ser do tamanho da nossa insegurança pessoal e do medo de nos perdermos na solidão do associal.

O homem civilizado vive só porque, mergulhado no seu egoísmo e na desconfiança excessiva pelos outros, acaba enfraquecendo os vínculos pessoais e desestabilizando as relações socioculturais. Seguindo essa premissa podemos pensar que o apego possessivo às drogas possa representar uma tentativa dramática, e em nível inconsciente, de incorporar as perdas sentidas no plano familiar e social, através da introdução de tóxico no organismo de forma obsessiva.

Conceito Atual da Adição de Drogas

Há bem pouco tempo se acreditava que o comportamento tóxico estivesse resumido a uma corrente de apenas dois elos: a droga e o drogado. Na verdade, essa suposição muito simples e cômoda serve a vários interesses:

1º Tornar eficiente a solução do problema através de uma tendência imediatista do homem moderno.
2º Garantir à sociedade do trabalho e do lucro uma demanda de pessoas que, classificadas como “doentes” ou “frágeis”, possam se constituir em clientela segura para as instituições ou pessoas que se instrumentalizam com o “saber científico”.

3º Manter a sociedade e sua “ordem” em equilíbrio sem contestação dos seus fundamentos econômicos, ético-morais ou religiosos, discriminando, segregando ou diagnosticando os membros contestadores dessa ordem e dos seus valores.

Com o súbito desenvolvimento dos meios de produção e do conhecimento científico surgiram conceitos novos (eficiência, produtividade, lucratividade) que produziram profundas alterações nos modos de pensar e de agir das sociedades industriais. A atenção se voltou para os bens produzidos, para a descoberta científica e, sobretudo, para as inúmeras vantagens pessoais e materiais advindas da execução dessas atividades. O centro de atenção da sociedade industrial se deslocou do bem estar humano, para os objetos produzidos e a produzir.

A Ciência concentrou o saber dos fenômenos naturais e a sua aplicação, nas mãos de grupos restritos. A religião já vinha transformando a crença e os costumes em códigos morais rígidos e culpáveis e elegeu um único Deus para substituir as múltiplas divindades existentes, ligadas às diferentes necessidades da crença humana. A concentração ou centralização tem sido sempre a grande tendência da sociedade que se auto-intitula de “civilizada”.
Como as necessidades e as aspirações humanas são sempre múltiplas e diferentes entre si, chegando mesmo ao plano individual, o homem se ressente e expressa sua insatisfação de diferentes maneiras. Uma delas é a conduta tóxica, comportamento reativo através do qual é possível, mesmo transitoriamente, se expressar e “cair fora” do caos social. A introdução excessiva de substâncias tóxicas no organismo é apenas uma das formas de fugir dos vínculos sociais. Citaremos outras a título de exemplo:

A fuga para o trabalho excessivo.
A ingestão freqüente e prolongada de medicamentos (tranqüilizantes, sedativos e outros).
A busca obsessiva pela atividade sexual.
O fanatismo religioso e o passeio por diferentes tipos de crença religiosa.
A voracidade pelo dinheiro.

Enfim, as necessidades de incorporar ao pessoal o que o social não supre. É a manifestação mais clara de que a ordem social branca não está voltada para o seu objetivo principal - o homem. Na verdade, nossa sociedade “civilizada” é mais tóxica do que possamos imaginar. O prazer de viver com os outros tem sido substituído pelo prazer de fazer, de ganhar, de colecionar, de falar, de contar, de pensar e de mandar.

Estamos continuamente desenvolvendo nossa necessidade tóxica de adquirir objetos, usufruir de comodidades, perseguir ideais, consumir alimentos, remédios e drogas. A conduta tóxica está muito mais representada pelo consumo abusivo e desritualizado do que pela qualidade ou natureza química da substância ou da atividade individual. O comportamento tóxico ligado às pessoas e objetos padecem das mesmas características de conteúdo.

A droga é censurada e o drogadito marginalizado, sobretudo porque ele corre o risco de se tornar improdutivo e reagir contra as regras sociais. Os outros drogaditos, isto é, os que consomem abusivamente remédios, roupas e outros objetos ou bens produzidos, são estimulados a desenvolverem o hábito de intoxicar-se e ganham com isso “status” e aprovação social. A nossa sociedade só consegue ver na substância tóxica o princípio e o fim da desagregação individual e social.


O mito da substância tóxica continua sendo tão necessário ao corpo da sociedade como é a droga para o corpo do drogadependente. É preciso manter a qualquer custo a ilusão de que tudo vai bem e que nosso destino é conquistar o Universo. Só não sabemos qual o universo que desejamos conquistar.

O que nos interessa nessa nossa troca de idéias, não é propriamente a substância tóxica, mas o uso excessivo e desordenado dela pelo homem, isto é, o abuso do seu consumo, as conseqüências destrutivas desse abuso e os fatores que o determinam. Partimos do princípio de que cada indivíduo necessita ter uma identidade pessoal e que essa identidade serve de referência para os próprios indivíduos e para os que o rodeiam.

O indivíduo vê o mundo dentro da ótica de “si em relação ao ambiente”; nesse ambiente estão os outros indivíduos, as plantas, a terra, os rios ou seja o mundo exterior a ele. Cada indivíduo necessita ter uma identidade familiar (“os outros próximos de mim”) cuja existência e proximidade servem de suporte a sua própria identidade pessoal. Cada indivíduo, dentro de seu grupo parental, se sente como membro de outros grupos parentais diferentes do seu e que por afinidade de crenças, costumes e tradições, constituem o seu grupo cultural e determinam o seu conceito de nação, compondo assim, uma dimensão mais oceânica de sua identidade individual.

Com isto queremos dizer que a questão da identidade (quem sou ?, quem são os outros ?, quem gosta de mim ?, de quem eu gosto ?, qual o meu papel nisso tudo ?) é, provavelmente, o grande fator de equilíbrio que determina os comportamentos, seja no plano individual ou no grupal, remetendo portanto à estrutura psicossocial de cada indivíduo e, por conseqüência, à totalidade das relações sociais. O indivíduo não é uma ilha na sociedade. Pelo contrário, ele está ligado a uma cadeia social, com superposição de identidades, de interesses e de laços afetivos e culturais.

O indivíduo que abusa das drogas expressa, através do uso excessivo delas, a necessidade de suprir-se desses vínculos essenciais da cadeia social, necessários que são ao desenvolvimento da sua personalidade e ao seu equilíbrio no grupo social. O abuso de drogas não é portanto um fenômeno meramente individual que encontre resposta adequada através da prática médica, jurídica, policial ou religiosa. As posturas moralista, legal, científica ou religiosa até hoje não conseguiram resultados satisfatórios e nem nunca conseguirão, pois as formas de drogadição são múltiplas e suas raízes estão presas às próprias necessidades humanas dentro da paisagem social.

Não são as fórmulas “práticas”, os métodos “miraculosos” ou as idéias ou processos “geniais”, capazes de responder ao fenômeno social da drogadição. A necessidade insubstituível do homem em fugir, de vez em quando, da realidade que o cerca é tão importante quanto o ar que respira ou a água que bebe. Essa necessidade o diferencia da máquina e dos objetos sem vida. É ela que mantém a possibilidade de equilibrar a relação do concreto com o abstrato em harmonia. O abstrato e o concreto da existência humana precisam de canais expressivos e consolidadores das duas partes, que na verdade são um todo que harmoniza a vida.

Ao longo da história da cultura humana esses dois componentes estão presentes e se projetam invariavelmente sob as diferentes formas de conviver. Nas culturas primitivas essa interligação continua ricamente presente nos ritos, mitos e tarefas do grupo, intrincando-se nas relações, onde é impossível separar o mágico do real.

A desintegração da cultura na sociedade branca (perda cultural), conseguiu produzir o magnata e o mendigo, a virgem e a prostituta, o atleta e o subnutrido, o intelectual e o analfabeto, o abstêmio e o drogado. O uso adequado do tóxico numa sociedade equilibrada é tão necessário quanto o vinho é necessário à missa. O combate ao tóxico é tão ilusório quanto as miragens no deserto. A sociedade atual necessita reaprender a conviver com as drogas, pois eles nunca irão desaparecer, como elementos da natureza que são.

Lembrando da expressão que diz: “a religião é o ópio do povo”..., da mesma forma poderíamos dizer: “a droga é necessária para os ritos e crenças de uma sociedade culturalmente equilibrada”. Entre nós , os civilizados, parece que a ganância, o egoísmo e a desconfiança são o ópio que nubla a consciência da sociedade dando-lhe a sensação de progresso e desenvolvimento.

Pior que a drogadição são: a fome e as guerras, resultados do caos social. Somos obrigados a rever a ordem social, suas instituições, valores e costumes. Estamos diante de um dilema: ou mudamos ou continuamos o caminho para a autodestruição.

Concluindo, retornamos para a questão da perda cultural e da perda da identidade pessoal, que talvez sejam o eixo único a ser repensado no caminho para o reequilíbrio das pessoas e da sociedade. Se não for assim, os consultórios e clínicas continuarão recebendo vários tipos de drogados: drogados em álcool, em trabalho, em religião, em dinheiro, ou seja, pessoas que descarregam suas tensões em substâncias, objetos ou atividades.


Comportamento Reativo e Lei:
Admiração, Respeito, Autoridade e Infração

Já comentamos sobre a formação dos primeiros bandos de primatas, sobre sua organização e importância para os indivíduos, sua evolução para grupos cada vez maiores e mais socializados resultando na formação da cultura desses grupos e no papel, funções e atribuições da família no interior deles.

Fomos tendo que admitir que, para o grupo social e o grupo familiar se manterem em equilíbrio, necessário se tornou a criação de regras ou normas comuns que deveriam ser admitidas e cumpridas por todos. Foi ficando cada vez mais consciente e habitual para os membros do grupo, a necessidade da existência de regras, normas ou leis, que protegessem os interesses dos indivíduos e regulassem os direitos e deveres de cada um e de todos do grupo.

Entre os homens essa percepção, desde épocas muito remotas, possibilitou a vida social e a emergência da cultura. Muitas sociedades, que hoje não mais existem, usaram esse conhecimento e o foram transmitindo para os descendentes através da forma oral pelo fato de não possuírem a forma escrita de comunicação.

Organizar essas informações e procedimentos para a vida social nunca foi uma tarefa muito fácil. Estabelecer regras de convivência comportando várias situações sociais como religiosidade, sexo, política, economia, hábitos e costumes, sempre foi muito difícil.

Após o conhecimento da escrita essas necessidades da organização social foram sendo passadas para a pedra, a madeira, o papiro, até a descoberta do papel. Relembramos aqui alguns exemplos desses procedimentos legais antigos como: o código de Hamurabi, a lei de Talião, o Corão, os Evangelhos, etc.

Atualmente, conhecemos tantas produções escritas com as mesmas finalidades que, para lê-las todas, teríamos que sobreviver a quatro gerações consecutivas. Das normas internacionais, estaduais e municipais; de todas as instituições políticas, religiosas, econômicas, científicas, esportivas e escolares, iríamos passar para uma verdadeira selva de outras produções.

Podemos concluir que chegamos a uma situação-limite, com tal exagero e num emaranhado de atribuições, que acabamos por nos revoltar e infringir desordenadamente várias delas. É possível que parte do nosso comportamento reativo explique a nossa condição atual de infratores. Parece que cada um de nós, nas circunstâncias atuais, se transformou num ser infrator em potencial que, quando esgotado o seu limite, passa a expressar esse comportamento para manifestar a sua insatisfação.

Na verdade, além de infratores em potencial, somos também hipócritas porque somos favoráveis à preservação da Lei quando ela nos beneficia, e a infringi-la quando nos prejudica. Temos sido individualistas e agimos como crianças egocêntricas.

Preservar ou mudar a Lei para que sirva igualmente para todos é um pensamento adulto, equilibrado e sensato. Aliás, ser adulto não é apenas uma condição anatômica, cronológica e sexual dos indivíduos. É sobretudo uma condição psicossocial, onde a personalidade, formada e amadurecida, se projeta para o coletivo com função e papel definidos; onde ela, despojada dos traços infantis egocêntricos, se posiciona para colaborar na integração do modelo cultural que proporcionou a sua existência. O “estado adulto” só se torna visível quando atua no campo social com toda a sua potencialidade criativa e construtiva, voltada para o sentido coletivo da existência e convivência do grupo. Essa é a sua principal característica: o desejo de viver e conviver em harmonia com o conjunto.

Quantas pessoas ainda pensam e agem dessa maneira ? Quantas “personalidades anãs”, “deficientes de caráter” e “pobres de espírito” são paridos e mantidos pela sociedade branca ? Você conhece algumas delas ?

A perda de um modelo cultural harmônico e integrador produziu nas sociedades brancas o aparecimento de um número excessivo de instituições políticas, religiosas, legais, econômicas, dando-lhes a falsa idéia de organização, progresso e desenvolvimento. Os resultados, porém, são claramente detectados no sofrimento do psiquismo dos indivíduos, através das neuroses e psicoses, e na manifestação dos mais variados tipos de comportamento reativo, responsáveis por todos os problemas conhecidos atualmente. Podemos comparar a situação do mundo atual com a citação bíblica que fala sobre a construção, pelos antigos, da Torre de Babel (Babel significa: confusão).

Entre os índios a Lei representa um acordo grupal, ao qual todos estão sujeitos a aceitá-lo e cumpri-lo. O poder da lei não precisa estar escrito e nem de alguém que o ordene, pois ela, e toda a sua força, reside na Tradição do Grupo, que é uma “situação impessoal”. O “poder de prestígio” do chefe, do pajé ou de quaisquer dos líderes mais velhos se resume no seu papel de representação simbólica apenas, sujeito e amarrado que está, ao cumprimento fiel à Tradição do Grupo.

Começamos a compreender porque nas suas sociedades não existem instituições separadas, com o objetivo de concentrar o poder político, econômico ou religioso. No início, não conseguíamos entender porque um tuxaua, um pajé ou um líder de “família extensa” não dava ordens. Nunca um índio dá ou recebe ordens.

Certa vez alguém perguntou a um chefe porque nunca dava ordens. Ele sorriu e respondeu: “Não precisa, todos sabem o que devem fazer”. Nesse caso estamos diante de uma sociedade sem Estado, auto-propelida, onde o comando ordem-obediência não é necessário. Onde o poder de representação dos líderes lhes confere apenas o prestígio e ao mesmo tempo lhes proíbe o exercício do poder de mandar, de exigir. A ordem emanada de qualquer indivíduo jamais será obedecida porque se constituirá num insulto para o cidadão. Ora, qual cidadão que tendo inscrito em sua consciência a tradição da cultura, teria a ousadia de se afastar dela ? Seria o mesmo que perder sua identidade, sua segurança e seus direitos. Se sentiria um corpo estranho ao grupo, um anormal, e teria que abandoná-lo.

A Lei-Tradição não ocupa um espaço exterior ao indivíduo, não está nas instituições e nos códigos escritos. Está no interior de cada pessoa e daí se projeta para a exterioridade social. A Lei reside na vontade e no desejo de cada um em preservar a Tradição herdada dos ancestrais, única e milenar forma de identificar-se como membro do grupo. Grupo que protege seus interesses, preserva seus direitos e lhe exige deveres de cidadão adulto integrado à sua cultura.

A obrigação que todos têm (inclusive chefe, pajé e líderes) de trabalharem para garantir o próprio sustento, lhes confere a posição de “patrão-operário” de si mesmos e do grupo. O acordo de não-acumulação garante essa posição e evita a ociosidade e a exploração.

Trabalhar todo dia para não acumular nunca, permite não só a possibilidade de exercícios físicos diários mas, sobretudo, evita a formação de classes sociais e de privilégios. “Todos são iguais perante a Lei”, não falam, mas sabem. Essa consciência de “ser-igual-ao-outro” no grupo, perpassa o plano político, o econômico e atinge o religioso.

As múltiplas entidades que compõem seu mundo religioso não precisam de templos ou evangelhos porque, como eles, são livres para se manifestar e não gostam de obedecer a um único Deus. As entidades são seres imaginários da floresta que, embora misteriosamente invisíveis, pertencem também ao mundo da cultura e não podem se desligar do grupo. São livres para questionar, perturbar ou ajudar a vida terrena mas, de certa forma, também estão sujeitos ao acordo da Tradição.

Mais uma vez nossa metade branca é obrigada a admitir que a violência dos chefes de Estado, chefes de Polícia, chefes de família, não são, entre nós, hábitos e costumes herdados dos indígenas. Talvez sejam fruto do nosso autoritarismo copiado dos europeus, produto ou subproduto da civilização. Condição que tentamos desesperadamente substituir pelo uso da Tradição, instituição que já não mais possuímos. Por isso, tentamos preservar as instituições que conhecemos, na esperança de sustentar o equilíbrio na nossa sociedade.
A reprodução desordenada de leis, de crenças e de outros recursos civilizados, reproduziram-se como um câncer, são a nossa forma alucinada de desejar a reintegração ao tempo da cultura e da tradição. Suas metástases são, aqui e ali, novos focos de violência porque determinam o poder de poucos sobre a perda de poder de muitos. Ninguém mais acredita nas instituições civilizadas. Nem os “meninos de rua” que, após sofrerem massacres, preferem voltar a compor o seu grupo na rua, o espaço de liberdade que os protege do Estado e de suas instituições. “Antes só do que mal acompanhado” - diz a sabedoria popular.

Estamos começando a compreender porque a Palavra é detentora de grande fascínio entre os índios. Entre eles, a Palavra-Lei-Tradição (as palavras proferidas pelo cacique todo dia no centro da aldeia e pelo pajé nos rituais) é diferente da palavra comum usada por todos. Da mesma forma e por analogia, entre os brancos, o valor da palavra, se torna mais perceptível nas frases: “Homem de palavra”, “Palavra de Deus”, “Para um bom entendedor meia palavra basta” e “Letra da Lei”.

Só o chefe indígena (para lembrar a tradição terrena) e o pajé (para lembrar a tradição espiritual) são os detentores do prestígio e do poder de uso da Palavra-Lei-Tradição. Ao mesmo tempo lhes é negado (e a todos) o uso da Palavra-Ordem-Obediência. O mistério, exótico e apenas aparente, desses costumes nos mostra a sabedoria contida no seu cerne.

No primeiro caso, a Palavra-Lei-Tradição representando a coesão, união e harmonia, isto é, a ausência de poder de uns sobre os outros no grupo. Em última análise, a ausência da violência, da marginalidade e da miséria pela inexistência de um poder centralizado e coercitivo. No segundo caso, a negação do uso da Palavra-Ordem-Obediência, para não permitir o uso do poder, da violência e da diferença social e antinatural das classes sociais.

O prestígio da representação social entre os índios (chefe, pajé ou líder) proíbe o uso do poder e a faculdade de dar ordens, assegurando assim a liberdade do grupo. A palavra comum é de todos e, assume conotação sagrada e de prestígio, quando empregada por representantes que apenas podem invocá-la para lembrar a Tradição.

Qualquer líder para manter o prestígio e evitar a destituição sumária terá que se submeter ao grupo que lhe impõe três condições essenciais:

 Terá que ser generoso
 Bom orador
 Fazedor de paz (diplomata)

Não possui mandato nem tem direito a bens materiais. Não pode dar ordens. Só recebe o voto de confiança do grupo se mostrar todo dia, e até a morte ou afastamento, a sua competência nessas funções. Deixa de ser considerado líder quando perder a confiança do seu povo, que pode ocorrer de maneira bastante humilhante.

Aceitar a liderança obrigando-se à generosidade significa condenar-se à pobreza permanente. Ceder o privilégio do uso da Palavra-Lei-Tradição obriga à função de “mídia” dos valores, costumes, leis e religiosidade grupal. Em síntese: os líderes se tornam escravos das necessidades do grupo, que por dever de tradição lhe emprestam o prestígio da palavra e lhes roubam o poder, evitando a violência e garantindo a harmonia.

Nós, os civilizados, cultuamos o Deus-Pai-Todopoderoso, aceitamos a força e o poder do Estado e dos seus líderes (chamamos a isso de Democracia) e criticamos com freqüência as nossas instituições. Eles (os índios) talvez pela aprendizagem milenar da natureza humana, subjugaram o poder e a violência, negando-lhes o espaço exterior da instituição. Mantiveram a força e a liberdade dentro de si mesmos para poderem obedecer à Tradição.

Pais não dão ordens a filhos, súditos não obedecem a líderes, ninguém está sujeito a pecado, porque Céu e Inferno não existem e, portanto, não podem ser utilizados por suas entidades espirituais como expedientes de submissão. Resumindo: compreendemos que a ausência de instituições exteriorizadas no caso deles e a e existência de instituições exteriorizadas e concretas no nosso caso, explicam e compõem um só fenômeno, porém com sinais invertidos.

Entre eles não é necessário possuir escrita, dinheiro, propriedades privadas e instituições organizadas, isto é, formas exteriores de organização social. Talvez essas estruturas estejam sintetizadas no seu psiquismo, no inconsciente coletivo do grupo. Essas regras inscritas na cabeça de todos são capazes de assegurar o equilíbrio do modelo cultural. Não haveria necessidade, então, de tê-las concretamente ou de criá-las artificialmente, pois não teriam função e importância para a vida do grupo.

No nosso caso civilizado, com a perda do modelo cultural integrado e seguro, precisamos ter tudo escrito, institucionalizado, para nos sentirmos mais protegidos e confiantes. Uma tentativa de organizar pelo lado de fora o que não se consegue organizar pelo lado de dentro do psiquismo.

Nesse caso o comportamento reativo dos civilizados poderá estar representando um alto grau de desconfiança e inadaptação na convivência entre os homens civilizados, uma deteriorização da sua organização social e uma reação contínua aos efeitos que ela proporciona aos que vivem e convivem dentro dela. Aprendemos que cada cultura cria seus problemas, suas dúvidas e suas soluções. Cada uma terá que resolver essa questão por si própria.

Os primeiros cronistas portugueses do século XV, quando da invasão do Brasil, diziam que os índios brasileiros eram pessoas “sem fé, sem lei, sem rei . Pareciam mais animais do que gente”. Os portugueses gostavam de sentir medo do seu Deus, do seu Rei e das suas leis ? E os degredados, porque já existiam naquela época ? Teriam sido os precursores dos infratores atuais ?

A verdadeira Autoridade é filha do “respeito ao outro”, que é filho da Admiração; da verdadeira admiração por quem não precisa usar o poder e a violência da coerção. O bom caráter da Autoridade constrói o Respeito, que alimenta a admiração, que admira o bom caráter da Autoridade. É preciso dizer que o autoritarismo (autoridade violenta e punitiva) destrói a admiração e suprime a autoridade. Todo déspota, pela falta de autoridade que percebe em si mesmo, realimenta a opressão e recebe como resposta, mais cedo ou mais tarde, a reação infratora dos oprimidos.

Entre os índios a Autoridade é a Tradição. Seus líderes são os representantes transitórios dessa autoridade tradicional, mas não serão respeitados se derem ordens.

Enquanto o nosso patrimônio cultural se desintegra gradativamente, levando para o ralo o que sobrou dos nossos sentimentos, princípios e valores, precisamos procurar formas verdadeiras de resgatar nossa integridade econômica, social e religiosa. Queremos viver e conviver num mundo livre, onde possamos ser os senhores de nós mesmos e os súditos de uma Nova Tradição (pode-se ler: Nova Ordem Social).

Certa vez um xamã (pajé), sabendo que havia um médico de brancos na aldeia, perguntou como ele fazia para reintegrar os espíritos (curar as doenças) nos corpos das pessoas. Na ocasião o médico de brancos não soube responder a sua pergunta e as explicações que tentou dar, certamente o pajé não compreendeu. O médico de brancos não ficou satisfeito com os seus próprios esclarecimentos e ficou pensando se o pajé o havia considerado um xamã de quinta categoria que não conhece rituais, não sabe dançar e cantar e nem mesmo usar plantas medicinais e conhecimentos mágicos para entrar em contato com o mundo dos espíritos. Se o médico de brancos o encontrasse hoje, teria melhores explicações para lhe dar. Diria que os brancos só conseguem encontrar remédios que atuam no corpo. Que ainda não conhecem os remédios do espírito, porque não se reconhecem como pessoas iguais perante à tradição que já não possuem.

Diria mais: que a convivência entre pais, filhos, parentes e amigos na sociedade branca foi contaminada por alguma magia estranha que altera esses vínculos; que reconhece que os maus espíritos da violência, da fome e da injustiça, ocuparam sua floresta e estão afugentando os bons espíritos da paz, da solidariedade e da esperança. E que os xamãs brancos não sabem lidar com isso, e que entre eles há muitos xamãs falsos e mentirosos. Que o seu povo anda muito desconfiado e por isso constrói muitos templos e muitas leis para tentar encontrar novos caminhos. Que é possível que um dia encontre uma forma melhor de viver e conviver com os bons espíritos da sua floresta. Assim, com eles, poderá se livrar das doenças do corpo e da alma e poderá erguer nas suas terras um mundo onde a convivência se construa pelo amor, pela admiração, pelo respeito mútuo e pela justiça. Onde os seus líderes possam aprender que a verdadeira autoridade não se sustenta numa pessoa só ou num Estado Nacional, instituição que ocupa o Poder para manter a violência e suprimir a liberdade de todos.

Equilíbrio e Desequilíbrio
na Cultura

Desde o início procuramos mostrar que as distorções em nosso modo de viver e conviver atingem e alteram a Organização Social, a Família e o Indivíduo. Dissemos que esses três planos da convivência estão interligados e se influenciam mutuamente. Se aceitarmos que o indivíduo é a unidade de qualquer grupo social, teremos que aceitar que seu comportamento é o motor das relações sociais e que seu psiquismo é o ponto de origem onde tudo se inicia.

Quando falamos em mimetismo psicossocial queremos dizer que as pessoas, num mundo de mentiras e falsidades, procuram se defender mentindo, fraudando, retendo e camuflando seus sentimentos, princípios e valores. Suas emoções ! Num mundo onde as emoções não podem fluir sem medo, o psiquismo se oprime e o comportamento se altera.

Também dissemos que todas as lembranças e experiências pelas quais passamos na vida necessitam de um processo de emotização para serem registradas e organizadas na mente. Esse é um fator indispensável para que haja organização, integração e equilíbrio no mundo mental. É tão importante a emoção, que matamos, cometemos suicídio, amamos, criamos, construímos ou destruímos movidos por essa força. Um mundo sem emoção seria o tédio total, o mundo das máquinas e robôs ! Seria a morte da alma.

Quando falamos sobre doença e comportamento queremos dizer que o indivíduo é acusado de ser doente mental ou ter qualquer comportamento anormal, sem avaliarmos que ele sempre pertenceu a uma família e a uma sociedade e que sofreu fortes influências desses dois meios durante toda a sua vida. Ora, se isso é verdade, temos que admitir que seu psiquismo é formado sob a força dessas influências. Que a cultura que o influenciou e o modo como foi tratado no seu grupo familiar pesará fortemente sobre a qualidade dos seus sentimentos, princípios e valores, permitindo ou não que se expresse livremente ou que reprima intensamente suas emoções.

Essas variações traumáticas podem alterar seu equilíbrio psíquico, o que será mostrado no seu comportamento, mais cedo ou mais tarde. Freqüentemente, mais tarde.

Como sair desse dilema ? Tratando (remendando) o indivíduo, ou alterando os valores da cultura e da família ? As pessoas querem mudar ?

Uma coisa é certa: o psiquismo continuará registrando as experiências do mesmo modo, como já vem acontecendo há milhares de anos.

Sentimento e Gesto

Quando falamos dos índios só queremos mostrar comparativamente como um modelo cultural bem constituído pode facilitar um bom equilíbrio psíquico e, conseqüentemente, uma convivência mais harmoniosa e equilibrada.
Uma sociedade humana que se diz evoluída terá que apresentar duas condições essenciais para se manter em equilíbrio:

 Eleger a figura humana como objetivo maior da sua existência como grupo.
 Conviver com sentimentos, princípios e valores que, de forma justa, mantenha seus membros interessados uns nos outros e na preservação dos seus costumes. É o que costumamos chamar de modelo cultural em equilíbrio.

Ao visitarmos outras culturas diferentes da nossa, estamos tão embriagados com os nossos costumes e valores, que geralmente não compreendemos os deles. Alguns exemplos, com a explicação dos seus significados, podem ser mostrados a seguir:

Quebrando Panelas

Uma índia fazia panelas de barro à porta de sua oca. Eram enfeitadas de um lado com cabeça e bico de pássaro e de outro lado com um rabinho. Seu filho de um ano assistia esse trabalho e, logo que sua mãe terminava uma panela, ele imediatamente quebrava a cabeça e o rabinho. Ao terminar outra panela ela repetia o mesmo gesto e seu filho tornava a quebrar a cabeça e o rabinho. Isso já tinha se repetido tantas vezes que o missionário branco resolveu perguntar: - Por quê você não faz só o corpo da panela e deixa para colocar a cabeça e o rabinho quando ele não estiver presente ?
Ela respondeu calmamente: - Porque ele gosta de quebrar as panelas com cabeças e rabinhos !

Comentário:
Todo ser humano nasce com potencial destrutivo. Toda criança é naturalmente destrutiva: morde, bate e quebra. Só aprende a construir a partir de experiências primitivamente destrutivas. Depois que atua destruindo, passa para uma outra fase de socialização da agressão: aprende a reparar e construir. Supomos que a índia já sabia intuitivamente dessa evolução natural dos instintos humanos e deixava que seu filho completasse naturalmente essa primeira fase. Como sua cultura valoriza pouco o objeto material, ela poderia estar valorizando o desenvolvimento normal do filho, mesmo sem saber dessas questões da psicologia humana.

Vemos muitas vezes crianças maiores ajudando suas mães a enfeitar suas panelas, a tecer cestos e a fazer tarefas domésticas, sem serem solicitadas. E nós, os civilizados, como reagimos nessas situações?


O Ovo de Pato

Na Unidade Sanitária estava chegando o sexto índio contaminado pela tuberculose. Resolvemos visitá-los num fim de semana para examinar os mais de oitenta índios da aldeia Nazaré na cabeceira do rio Marau, afluente do rio Maués no Estado do Amazonas. Eram semi-aculturados, em contato com missionários na aldeia a alguns anos.

Descemos da canoa e já encontramos tudo organizado para começar a trabalhar. Auscultamos todos, e os que não sabiam falar português respondiam para um missionário ou para o chefe que traduziam para nós. No dia seguinte o trabalho continuou e só a tarde foi concluído.

Um missionário nos avisou que o tuxaua Paulo (nome do líder da aldeia) queria que fossemos conhecer sua família e agradecer pelos serviços que prestamos à sua gente. Pediu que tirássemos fotografias da sua família e no final, num gesto cerimonial, nos deu de presente um bonito ovo de pato selvagem que havia coletado a alguns dias. A principio não entendemos nada. O que tinha a ver um ovo de pato com os serviços que fizemos ? Procuramos o missionário e pedimos que nos explicasse aquilo. Ele arregalou os olhos e nos perguntou: - Ele deu este presente ? –Sim ! – respondemos. Os seus olhos azuis brilharam e ele falou: - Mas essa é a maior honraria que um branco é capaz de ganhar dessa gente. Todo mundo vai ficar sabendo disso.

Comentário:
O missionário falou que naquela época do ano as chuvas diminuíam de intensidade e, por conseqüência, os rios diminuam o seu volume d’água. Os peixes desciam para rios mais volumosos e a caça procurava outros lugares para se abastecer de água e comida. Tudo ficava mais difícil para caçar e pescar e o esforço para conseguir comida aumentava. O costume tradicional era coletar e armazenar ovos de aves e répteis (que se conservavam por muitos dias) para preservar a reserva alimentar da tribo. Havia um código ético de que as crianças não podiam ficar com fome nesses tempos de escassez. Bom, coletar ovos seria uma forma de garantir comida às crianças, pelo menos. Reserva alimentar de proteínas para as crianças, naquela tribo, era uma questão de honra. Ora, tirar da reserva alimentar dos filhos para oferecer presentes, principalmente para brancos, poderia ser no mínimo um grande privilégio. Ficamos sem fôlego quando ouvimos isso mas, mesmo assim, não conseguimos compreender totalmente o profundo gesto daquela tribo. Depois de algum tempo percebemos que fôramos agraciados com um ato de profunda gratidão. Nunca alguém nos proporcionou tamanha felicidade por um trabalho que fazíamos mecanicamente, sem esperar nada. Na nossa civilização nunca ninguém nos tratou assim. Até hoje ficamos muito emocionados e agradecidos por esse presente.
Tivemos o cuidado de levar esse ovo para casa e comê-lo com grande satisfação. Se o tivéssemos esquecido na aldeia teríamos cometido uma grande ofensa para aquele povo tão generoso. Essa foi uma grande lição de gratidão que recebemos.


O Presente dos Colares


Desses tratamentos que fizemos em índios, o caso mais agudo foi o de uma índia de quinze anos. Chegou na Unidade Sanitária um caco quase sem vida. Estava esquelética. Pesava menos do que a maca que a conduzia. Era um caso grave e a internamos na própria Unidade, coisa que não era permitida pelo regulamento. Clinicamente era um caso de tuberculose mas, dos três exames de escarro feitos, todos foram negativos. Lembramos da aula de um grande professor que nos ensinou que existem casos de “tuberculose fechada”, aquelas que não mostram positividade nos exames de escarro. Acreditamos no diagnóstico e, quebrando as regras da FSESP (Fundação Serviços de Saúde Pública) iniciamos o tratamento. Tudo indicava que o raciocínio estava certo.

Três meses depois a índia tinha cinco quilos a mais de peso e recuperou seu peso normal aos seis meses. Respondia até mais do que o esperado em termos de recuperação. Estávamos felizes e a visitávamos duas vezes por semana na casa do pastor Ronald, onde ela estava hospedada. Ela foi liberada para continuar o tratamento por mais seis meses na sua tribo sob coordenação do mesmo pastor que a hospedara. Ficamos tranqüilos e continuamos o trabalho na Unidade como de rotina. Meses depois ela voltava para novos exames e, já tendo completado o tratamento, recebeu alta por cura completa.

Certa tarde a auxiliar de enfermagem nos informou, já no final do expediente, que havia uma comitiva que queria conversar conosco. Estávamos cansados mas mandamos que entrassem. Eram quinze pessoas: a índia, seu pai, um irmão, um tio, uma tia, o chefe da tribo, o pajé, outros parentes e o pastor Ronald e seus familiares. Ficamos surpresos. O pastor Ronald falou algumas palavras na língua deles e as traduziu, em seguida falou o pai, depois o pajé e por último o tuxaua. De olhos arregalados ouvíamos tudo e em seguida cantaram e falaram palavras que só foram traduzidas depois. O pai, o chefe e o pajé colocaram, cada um por sua vez, no nosso pescoço, três colares feitos pela índia que havia sido tratada. Cumprimentos de todos e o ritual se encerrou.

Comentário:
Fomos homenageados pela índia, seus parentes e pela tribo com colares que significavam mais ou menos como: “cidadão do povo”, algo parecido com “persona grata” ou “guerreiro de confiança”, tradução do pastor. Para nós, até hoje, nenhuma quantia em dinheiro tem mais valor do que essa honraria. Compreendemos que nesses grupos humanos o valor de uma pessoa é tão grande que pode mobilizar todo o grupo, seja para a guerra, seja para um gesto de gratidão.


A Farra de Café


Costumávamos caçar e pescar naquela época. Um dos companheiros de caçada era um civilizado da cidade de Boa Vista-RR. Trabalhava numa borracharia e era um “mateiro” (conhecedor da mata) muito experiente. Conhecia muito bem o lugar para onde estávamos indo. Tinha o hábito de levar café e açúcar para um grupo indígena que conhecia há alguns anos e que ficava a meio caminho do local da caçada. Falava um pouco a língua deles e os respeitava muito.

Contou-me que ao receber o presente, seu amigo índio o entregara para sua mulher que imediatamente convidou todos os outros para uma verdadeira festa. Como tratava-se de um quilo de café e dois de açúcar, eles ficavam bebendo até que todo o café e açúcar acabasse. Poderiam entrar pela madrugada a dentro bebendo café e conversando. Nunca guardavam e sempre repartiam. O presente dado a um, era o presente para o grupo todo. Uma questão de costume.

Certa vez convidou um rapaz da cidade para uma caçada e entraram na aldeia para entregar o café e cumprimentar o amigo índio. O rapaz afastou-se um pouco e começou a fazer gracinhas com índias que o rodearam para vê-lo de perto, pois era um desconhecido para o grupo. Despediram-se e continuaram a caminhada. Na volta o rapaz pediu para que entrassem de novo na aldeia pois ele queria receber arcos e flechas de presente. O mateiro falou para o índio que o rapaz queria arcos e flechas. O índio se retirou e logo voltou com dois arcos e seis flechas muito bonitos e enfeitados com penas de pássaros. Falou para o mateiro: - Isso é seu ! Para ele não daremos presentes e nem queremos receber. Ele não é amigo do nosso povo. Ele é gente ruim...!

Comentário:
Os índios percebem com facilidade as intenções dos brancos que visitam as aldeias. Guardam na memória os gestos e as palavras que conseguem entender. Cultivam a amizade mas não gostam de ser humilhados. Quando repelem uma amizade dificilmente mudam de idéia depois. São simples e sinceros e falam o que sentem na frente das pessoas. Não possuem o hábito de mentir ou falsear seus pensamentos e sentimentos.

A Volta

Há algum tempo atrás saiu a reportagem sobre um antropólogo americano que casou-se com uma índia yanomami. A índia aceitou sair da aldeia e morar com ele nos EUA. Após alguns anos de convivência com a civilização resolveu voltar para sua tribo. Deixou dois filhos com o pai e retornou aos seus velhos costumes. Não se adaptou.

Comentário:
Não é fácil trocar um grupo humano integrado e solidário por uma “civilização” cheia de problemas, onde as pessoas são tratadas de forma desumana.

A Distribuição da Comida

Já estava começando a anoitecer. Estávamos sentados sobre um tronco em frente a palhoça onde o missionário morava. Bem em frente, há uns trinta metros, havia um barracão coberto de palha e sem paredes. Nele uma índia mantinha a fogueira acesa e de vez em quando a alimentava com pedaços de galhos secos. O missionário dizia que ela estava esperando seus parentes, homens, que tinham saído para caçar. Pediu para prestarmos atenção sobre o modo de distribuição da comida naquela tribo. Segundo ele, havia um ritual bem disciplinado sobre a hierarquia no ato de servir-se do alimento.

Já estava quase escuro quando um grupo de quatro índios entrou na área da aldeia com duas grandes pacas penduradas nas mãos. Foram seguidos por crianças e jovens curiosos que falavam e riam o tempo todo. Deixaram as pacas sobre uma esteira no barracão e se retiraram. Mais duas mulheres se aproximaram e começaram a preparar a paca para assar. Quando tudo estava pronto as crianças se aproximaram e começaram a tirar pedaços do assado para comer com beijú (espécie de pão feito de mandioca). Depois vieram os velhos seguidos das mulheres. Por último chegaram os homens e comeram o que restava da caça. Não sobrou nada.

Comentário:
O missionário explicou que, naquele grupo, as crianças tinham prioridade para servir-se , em segundo lugar vinham os velhos, depois as mulheres e por último os homens. Comer coletivamente obedecia a costumes muito antigos ensinados pelos mitos e pela tradição. Todos conheciam esses critérios e não avançavam desordenadamente para comer.

Uma ou mais Mulheres ?

Em certos grupos indígenas qualquer homem pode ter mais de uma mulher, desde que haja mulheres suficientes no grupo. Porém nem todos usam desse direito tradicional, muitos recusam a possibilidade e preferem ter apenas uma companheira. Muitos civilizados devem achar esse comportamento bastante estranho. Mas é assim que acontece em algumas tribos.

Foi perguntado a um índio adulto se ele não queria ter duas ou três mulheres. Sua resposta foi simples: - Tem gente que gosta de ter mais de uma. Eu só gosto de ter uma.


Comentário:
Nesses grupos a maior humilhação que um guerreiro (homem adulto) pode sofrer se baseia na sua incapacidade de conseguir alimento suficiente para sua família. Deixar filhos e mulher com fome é muitas vezes pior do que ser chamado de homossexual, ladrão ou covarde. Como em determinadas épocas do ano a caça e a pesca se tornam bem escassas, fica muito difícil alimentar muitas bocas. Cair no ridículo perante todos do grupo seria o resultado final dessa incompetência demonstrada pelo guerreiro. Vamos raciocinar: Um guerreiro com sua mulher e dois filhos teria que alimentar quatro bocas, se tivesse mais uma mulher e dois filhos teria que alimentar sete bocas; se esse número aumentasse o guerreiro não teria tempo para fazer mais nada e sua vida estaria restrita a caçar e pescar grande parte de seu tempo. Não poderia mais conversar e divertir-se. Prover com alimento suficiente sua família é uma questão de honra que um guerreiro deseja manter sempre.

A Lanterna Quebrada

Numa aldeia, ás margens do rio Catrimân, nas florestas da serra Parima em Roraima residia um grupo de índios Yanomami. Era um grupo recentemente contatado, andavam nus e mantinham grande parte de sua cultura tradicional. Eram aproximadamente noventa índios. Lá tinha sido instalada uma missão católica (Missão Catrimani) há pouco tempo. Os padres João e Carlos moravam numa casa de madeira a cem metros da maloca. Entramos com uma equipe de pesquisas para coletar sangue e material da garganta dos índios com o objetivo de descobrir que tipo de vírus estava matando os índios de pneumonia em outros locais da região.

Descemos do pequeno avião num campo de pouso todo de terra, a poucos metros da casa dos padres. Logo ao descermos vieram algumas crianças para ver o avião e olhar curiosamente para nós. Um índio de aproximadamente trinta anos aproximou-se do padre João, que viajara conosco, e falava insistentemente no seu dialeto mostrando uma lanterna velha sem pilha e sem a tampa de trás. Não entendíamos nada mas notamos um ar de preocupação no rosto do padre. Mais tarde nos contou: o índio havia trocado aquela lanterna velha com um homem branco (peão de construtora de estradas) que estava caçando por aquelas bandas. O índio havia dado em troca um porco-do-mato inteiro e mais alguns arcos e flechas. Disse ele que o branco afirmara que aquele objeto fabricava luz e ele podia enxergar á noite. Depois o branco mandaria as pilhas e a tampa de trás. Nunca cumpriu sua palavra e já tinham se passado dois meses. O índio estava querendo entender porque o homem branco não cumprira o que prometeu e estava demorando tanto.

Comentário:
O padre João explicou para nós que naquele grupo eles não conheciam a mentira. No dialeto deles não havia qualquer palavra referente a enganar, mentir, descumprir. Não conheciam esse hábito civilizado e o padre estava em dúvida se deveria colocá-lo a par da realidade branca, onde uma pessoa pode enganar a outra. Ele aprenderia esse costume novo e o contaria para os outros índios, contaminando assim aquela cultura pura e sem maldades. Mas um dia teria que falar sobre isso, pois a civilização estava se aproximando da aldeia com a abertura da estrada.


Poucos filhos


Um dia perguntamos ao padre João porque uma família indígena tinha sempre uma média baixa de filhos. Eram sempre dois ou três os filhos de um casal. Ele citou as razões ligadas ao número de bocas a alimentar e falou sobre um possível uso de anticoncepcionais naturais pelas mulheres. Mas não tinha certeza dessa utilização de anticoncepcionais. Falou apenas que as mulheres se reuniam periodicamente dentro da mata e parece que faziam chás com uma espécie de batatinha semelhante ao gengibre. Não soube dizer para que servia e se aquilo tinha algum fundamento. Nessas reuniões a presença dos homens não era permitida pela tradição.

Os Cumprimentos

Nessa mesma aldeia onde morava o padre João, após descermos do avião, nos dirigimos para a casa dele. No alpendre já havia um pequeno grupo de índios e índias reunidos. Ao entrar cumprimentamos todos e nenhum gesto de retribuição foi feito. Ninguém respondeu ao cumprimento. Os outros dois médicos também fizeram o mesmo e nada aconteceu. Silêncio total.

O padre João, percebendo o nosso desapontamento, explicou: Eles aqui não conhecem o nosso costume de cumprimentar. Alguns dias atrás falei a eles que iria trazer três amigos que eram “pajés de brancos” (médicos); e que iriam furar o braço de todos para tirar sangue, dar uma água para lavar a garganta e depois cuspir num pote (frasco de coleta). Isso iria servir para que descobrissem a doença que estava matando outros índios. Eles aceitaram porque acreditam em mim.

Entre eles a palavra amigo tem valor real. Amigo é amigo, inimigo é inimigo. Como não se mente, tudo o que é dito é compreendido como verdade inquestionável. Falou que podíamos olhar a vontade para o corpo nu deles, pois, para eles, eles não se sentiam nus. Eles também não se sentiam constrangidos em olhar para nós, chegar bem perto e até nos tocar. Eles não reprimem a sua curiosidade e são muito amistosos.

Comentário:
Supomos que o cumprimento entre os civilizados, na grande maioria das vezes, é feito de forma mecânica e obrigatória. Nós cumprimentamos sem sentirmos essa vontade, e para ver como anda o humor da outra pessoa ou para nos sentirmos educados. Na verdade achamos chato ter que cumprimentar sempre. Estamos sempre desconfiados em saber se somos aceitos pelos outros ou não. Quase sempre é um gesto hipócrita.

O Cipó

O padre Carlos estava há pouco tempo na aldeia. Havia chegado da Itália e fora encaminhado para trabalhar na missão Catrimani para ajudar o padre João. Quando um ia à cidade resolver questões de rotina, o outro ficava com os índios. Ainda estava aprendendo os costumes do grupo.

Um grupo de índios composto de homens, mulheres e crianças tinha o hábito de descer de tarde para o igarapé (pequeno afluente do rio) para tomar banho. Era uma festa, nadavam, conversavam e divertiam-se muito nessas horas. Nessa tarde, ao passarem em frente a casa dos padres, convidaram o padre Carlos para descer com eles. O padre foi vestir seu calção e os acompanhou pelo caminho que levava ao igarapé. No caminho, passando por um índio jovem, o convidou para seguir o grupo. O índio fez um gesto negativo com a cabeça e parecia encabulado. Vestia um calção vermelho e desbotado, produto de troca com um branco da estrada. O padre se aproximou e perguntou por que ele não queria ir. Ele falou: - Estou sem cipó !

Comentário:
Para esses índios a roupa do branco era tratada como simples ornamento, como se fosse um colar ou pulseira. Estar vestido, para um homem, significava ter seu prepúcio (pele que envolve a cabeça do pênis) amarrado por um cipó fino, levantado para cima e amarrado em volta da cintura. Isso sim era estar vestido. O calção, embora encobrindo seus genitais, não lhe dava a sensação de estar vestido. Seria uma falta de vergonha ir tomar banho junto com o grupo daquele jeito. Ele preferia ficar assistindo os outros se divertirem mas não quebraria a tradição. Estava se sentindo nu sem o cipó.

Risos na Canoa

Eram dez horas da manhã e os dois padres tinham de atravessar o rio para pegar mantimentos que estavam do outro lado. Naquele trecho a correnteza era forte, o rio tinha quase cem metros de largura e logo abaixo, a uns duzentos metros, havia uma cachoeira alta e perigosa para quem não a conhecia. Pediram a dois índios fortes que o ajudassem a atravessar. Cada qual com um remo, ocuparam a proa e a popa da canoa. Durante a travessia os padres começaram a conversar em italiano e o padre Carlos entusiasmado, gesticulava muito. Os índios achavam engraçado aquela conversa e começavam a rir, parando de remar. A canoa se aproximava perigosamente da cachoeira logo abaixo. Voltavam a remar e logo paravam para rir novamente. O padre João estava ficando preocupado e pediu para o outro padre parar de falar e gesticular. Fizeram o transporte dos mantimentos sem problemas e os índios só pararam de rir quando eles ficaram em silêncio. Durante a volta todos ficaram calados.

Comentário:
A condição psicomotora do branco (excesso de palavras e de gestos) é diferente da dos índios. Enquanto nós falamos e gesticulamos muito (expressão de ansiedade) eles só usam as palavras e gestos suficientes para se comunicar (expressão de pouca ansiedade). Eles comparam os brancos com os macacos ou micos que, segundo eles, tem gestos parecidos com os dos brancos. O padre Carlos sabia disso e pediu para o outro padre se calar e encerrar a gesticulação. Deu tudo certo.

O Arco

Uma das coisas que mais nos impressionou entre os índios foi a obediência quase sagrada aos seus costumes tradicionais. Os conceitos de: individual, coletivo, liberdade e verdade são seguidos de forma tão coerente e flexível que chega a ser de difícil compreensão para nós.

Um guerreiro saiu de sua casa e atravessou o terreno central da aldeia. Bem no meio do caminho abaixou-se, deixou seu arco e flechas no chão e se embrenhou na mata. Poucos minutos depois sua mulher fez o mesmo percurso e notou no chão o arco e flechas do marido. Identificou e seguiu, sem parar, para o seu destino. Mais alguns minutos e o guerreiro voltou, retomou suas armas do chão e penetrou de novo na floresta.

Comentário:
A maioria das pessoas não teria notado qualquer importância nisso que acabamos de narrar. Mas perguntamos: o que é que a maioria das mulheres brancas fazem quando encontram um objeto do marido no chão ?

Para certos grupos os objetos pessoais são de propriedade de uma pessoa apenas. Só deixam de ser quando é autorizado, pelo proprietário, outro tipo de uso. Nenhuma outra pessoa deve exercer qualquer tipo de poder sobre ele sem autorização, como por exemplo: trocá-lo de lugar, pegar sem pedir, etc. Cada pessoa é o único detentor do poder sobre seu objeto pessoal e quando essa pessoa morre, seus objetos são enterrados ou queimados, pois nenhum objeto pode sobreviver ao seu dono.

Os objetos usados em cerimoniais sagrados só podem ser tocados por certas pessoas do grupo durante os rituais; encerrada a cerimônia ele passa a ser um objeto qualquer que pode ser usado livremente e até servir de brinquedo para as crianças.

Pai, mãe, chefe ou pajé não ousam se intrometer na individualidade das crianças, jovens ou adultos, pois desde pequenos aprendem que são responsáveis, cada um por si, sobre seus atos, palavras e objetos. Sabem reconhecer com precisão os territórios do individual e do coletivo para não serem motivo de risos dos outros. Cultivam a liberdade para se sentirem livres, pois um cidadão ou cidadã adulta sabe escolher e sabe o que fazer; cultivam a verdade para se sentirem autênticos consigo e sintonizados com o grupo.

Preservar o individual, o coletivo, a liberdade e a verdade são coisas tão automáticas entre os índios que falar sobre isso com eles não teria qualquer sentido para eles.

O que uma pessoa faz ou deixa de fazer com seus objetos é de sua inteira responsabilidade, e ninguém se sente com direito de emitir qualquer tipo de comentário. Comentar seria invadir a privacidade e se intrometer na individualidade de alguém, coisas ridículas para eles.

Viver e conviver numa outra cultura nos obriga a compreender seus hábitos e costumes. O comportamento das pessoas é regulamentado pelo modelo cultural de cada grupo ou sociedade. É um engano acharmos que os nossos costumes são os únicos e os mais acertados.

Ainda vivemos num mundo de diversidade cultural. Cada macaco no seu galho ! Ao invadirmos o galho dos outros, devemos aprender a conhecer esse galho. Novo para nós.


Psicose, Grupo Afetivo e Cura

Um dos fatos mais importantes que nos fizeram enveredar pelos caminhos do comportamento humano foi o caso de José, paciente depositado no interior de um hospício público, abandonado pela família, sem tratamento e sem atenção. Considerado um paciente crônico durante muitos anos, um louco sem recuperação pela Ciência, ajudado por uma equipe de jovens que acreditou na sua cura e na sua reintegração familiar. Um louco que ficou bom e voltou para casa. Isso nos fez acreditar que não existe loucura, mas existem comportamentos de profunda reatividade, que só com muita dedicação e afeto podem retornar ao mundo real.

O Homem dos Sacos

Havia um paciente no hospital que andava sempre com um saco. Dentro do saco muitos objetos poderiam ser encontrados: pedras, pedaços de madeira, folhas secas, pequenas caixas vazias, etc. Tratava esses objetos como se fossem peças muito valiosas. Seu discurso era o de um magnata, falava que possuía muitas terras e gado, minas de ouro e de pedras preciosas, prédios e navios, aviões e lanchas. Era um homem podre de rico. Vivia solicitando licenças para sair do hospital e cuidar dos seus negócios lá fora. Pedia para todos que o ajudassem a fazer petições, requerimentos e cartas para a direção do hospital pois estava tendo muitos prejuízos. Seus funcionários o estavam roubando e dilapidando seus bens na sua ausência.

Ficava horas contando os seus papéis velhos e gravetos e os escondia rapidamente quando alguém se aproximava. Prometia grandes somas em dinheiro para os enfermeiros se eles conseguissem a sua “libertação”. Queria, porém, um documento com assinatura do diretor e de todos os médicos do hospital para que pudesse legalizar lá fora a sua vida e seus bens.

Certa vez fugiu do hospital aproveitando-se da distração dos funcionários num dia de festa. Estavam todos no grande quintal que ficava atrás dos prédios, quando ele pulou o muro com o saco nas costas. Ficou oito dias na rua. Regressou no nono dia contando várias estórias. Ao invés de um saco, já possuía dois. O maior, que conseguira na rua, estava cheio de objetos catados pelas esquinas. Disse que não poderia misturar o conteúdo dos sacos porque esses conteúdos pertenciam a dois mundos diferentes: o da rua e o do hospital. Se o fizesse - dizia - poderia desorganizar sua cabeça, que já sabia de cor o que havia e quanto havia dentro de cada um.

Ele era um paciente solitário, gostava apenas da companhia dos seus sacos. Não participava de atividades grupais e estava sempre muito desconfiado. Para melhorar nosso contato com ele passamos a presenteá-lo com vários objetos sem importância como: caixas de fósforos e de chicletes vazias, pedaços de papel de chocolate, prospectos de remédios com figuras coloridas, etc. Ele os recebia para depois selecioná-los. Guardava no saco os que eram aprovados por ele e jogava fora os restantes. Um dia perguntamos a ele por que selecionava os objetos. Respondeu: - “Para separar o joio do trigo”. Explicou que as pessoas e os objetos são divididos em “bons” e “maus”; os bons devem ser guardados e os maus jogados fora.

Ele era um dos pacientes que nunca recebia visitas dos familiares. Era solteiro. Perguntamos sobre sua família. Ficou calado e abriu o saco grande, tirou de lá vários papéis e pôs-se a contá-los na nossa frente. Perguntamos por que resolveu contar os papéis na nossa frente, já que não gostava de fazer isso na frente das pessoas: - “Você é muito curioso, mas é uma pessoa boa” - respondeu. Despediu-se em seguida e saiu pela porta do consultório carregando os dois sacos. Passamos alguns meses conversando com ele sem tocar no assunto relativo à sua família. Já éramos amigos e tínhamos até permissão de retirar alguns objetos de ambos os sacos, um de cada vez, para examiná-los com as nossas próprias mãos. Fizemos vários requerimentos solicitando a sua “libertação” do hospital. Nenhum resultado concreto.

Em uma das nossas conversas tivemos a feliz idéia de associar sua “libertação” à sua família. Falamos que só se sentiria livre para sair do hospital quando o hospital deixasse de significar para ele uma família. Teria que tentar uma reaproximação com a sua verdadeira família para poder livrar-se do hospital.

Passou três semanas sem nos procurar mas, um belo dia, pediu para termos “uma conversa em particular”. Não queria entrar no consultório para conversarmos porque acreditava que “até as paredes têm ouvidos”. Fomos conversar debaixo de uma mangueira velha que havia no fundo do quintal do hospital. Puxamos dois tijolos e sentamos. Confortavelmente instalados nos tijolos iniciamos a nossa conversa. Com os sacos perto de si, começou a falar sobre sua família.

Morava no interior e sua família possuía uma fazenda com plantações e gado. Possuíam um barco com motor a óleo diesel e um pequeno estabelecimento comercial. Eram oito irmãos e havia muitas brigas quando se tratava de repartir os lucros ou administrar as atividades. Tinha vindo estudar na capital aos doze anos de idade e aos quatorze começou a sentir uma certa confusão na cabeça. Parou de estudar e de receber ajuda dos familiares. Morava com uma tia na capital e esta, sem receber apoio financeiro da sua família, resolveu interná-lo no hospital. Atualmente tinha quarenta e oito anos de idade. Sua primeira internação se dera quando ainda tinha vinte anos.

Percebíamos pela primeira vez que ele estava lúcido e falava a verdade. Naquela conversa o seu delírio de grandeza aparecia apenas poucas vezes; logo em seguida retomava o fio da realidade e continuava falando de forma coerente e compreensível. Durante todo o tempo não olhou uma só vez para os sacos. Terminada a conversa levantamos dos tijolos e fomos andando vagarosamente em direção ao prédio do hospital. Havíamos andado poucos metros quando ele, de repente, se voltou e saiu correndo para buscar os sacos que havia esquecido perto dos tijolos. Era a primeira vez que havia ficado tão longe dos sacos.

Nos dirigimos diretamente para a sala de arquivos do hospital. Examinamos e checamos seus prontuários velhos e o atual. Foi possível fazer a reconstituição da sua vida hospitalar e familiar naquela confusão de informações escritas nos papéis. O que nos falara estava escrito nos prontuários e a sua estória começou a ganhar um sentido diferente e real. Naquela tarde, na reunião de acompanhamento de casos, falamos sobre as descobertas que haviam sido feitas. Residentes, assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais foram mobilizados para ativar o contato com familiares, estimular contatos grupais, projetar um plano de trabalho para a sua futura saída do hospital. O homem dos sacos agora já não estava só com seus sacos, possuía uma retaguarda disposta a entender o seu dilema com eles. Na verdade eram muitos esses dilemas.

Era conhecido como Papai Noel. Já havia brigado muito com outros pacientes por causa desse apelido. Agredia todos os que ousassem aproximar-se para abrir seus sacos.

A primeira providência tomada pela equipe foi a de resgatar o seu verdadeiro nome. Chamava-se José. Agora todos passariam a chamá-lo pelo seu nome. As assistentes sociais descobriram o endereço da sua tia e de mais três irmãos que residiam na capital.

As reuniões com os familiares tinham o objetivo de restabelecer os contatos e mostrar que, com a ajuda deles, José poderia recuperar a sua posição normal de membro da família. As resistências foram muitas e intensas mas as esperanças continuavam.

Nessa época compreendemos como era falso o mito da loucura e do “louco varrido”. O psiquismo humano, analogamente ao sistema imunológico do organismo, possui poderosas defesas para preservar o equilíbrio mental. O comportamento “anormal” mantém preservada sua coerência e seu lado saudável para poder suportar os desequilíbrios da família e da sociedade.

Explicando os códigos:

O enigma de José estava contido simbolicamente na sua relação com seus sacos. O saco pequeno, que guardava objetos adquiridos dentro do hospital, representava seus núcleos afetivos hospitalares (grupo afetivo hospitalar) onde passara grande parte da sua vida. Era pequeno porque não lhe interessava muito que crescesse. O saco grande representava seus núcleos afetivos socio-familiares (família e sociedade) para onde desejava retornar. Era a sua “libertação”, tantas vezes solicitada por requerimentos e cartas.

Seu delírio de riqueza, representado pelo ouro, dinheiro e propriedades, simbolizava o seu abandono pela família, que o deixava mendigo desse afeto tão importante e valioso e que era recolhido pelo chão em forma de objetos, convencionalmente de pouco valor. Denunciava, ao mesmo tempo, a ambição materialista existente em sua família e na sociedade que conhecia. Como não possuía (naquela época só tinha o saco hospitalar) uma forma concreta e palpável de realizar seu desejo, fugiu do hospital para adquiri-lo e o fez maior, depositando-o num saco bem grande. Sua fuga não foi uma indisciplina mas, tão somente, o resgate material do seu sonho: uma grande vontade de reaproximação sócio-familiar, isto é, um desejo de reintegrar-se à vida real.

Contar e recontar os objetos de cada saco, era manter-se em contato permanente com os dois núcleos afetivos que possuía. Mantê-los sob severa vigilância significava evitar mais um grande roubo afetivo na história da sua vida. Mantê-los separados serviria para distinguir duas histórias completamente diferentes e opostas entre si. Misturar o conteúdo dos sacos seria misturar seus conteúdos diferentes e desorganizar sua cabeça, a sua vida afetiva. Ninguém poderia intrometer-se para não desordenar o que havia conseguido ordenar com tanto trabalho e durante tanto tempo.

Só quem conseguisse, como ele, perceber essas diferenças poderia aproximar-se dos sacos. Naqueles sacos estavam guardadas as únicas coisas de valor que possuía na vida. Os objetos que não serviam mais para os outros, representavam restos de afeto que ele cuidadosamente coletava e selecionava para depois juntar seus pedaços e incorporá-los, enriquecendo o seu mundo pobre de afeto. Selecionar seria o mesmo que separar as boas das más experiências afetivas pelas quais havia passado.

José havia ensacado a sua vida afetiva durante muitos anos para não se sentir só e para preservar sua identidade, sua memória e suas emoções. Conhecia o conteúdo de cada um dos sacos como a palma de sua mão e os mantinha separados para não perder a sua sanidade mental. Evitava os grupos porque o seu grupo original (sua família) o tinha expulsado precocemente do seu convívio e o havia esquecido. Seu grupo confiável eram os sacos, resumo valioso e silencioso de toda a sua história. Como confiar em grupos, se os grupos o rejeitavam e o consideravam como um estranho, um louco ?

Nossa relação de amizade estreitava-se cada vez mais e nossas conversas já eram mais longas e profundas. Já eram, quase todas, feitas dentro do consultório. Fomos apresentando gradativamente os membros da equipe para o José. Após certo tempo já não conversávamos mais sozinhos, havia um grupo que conversava, do qual José era membro participante. No princípio falava pouco, mas com o tempo foi tomando a palavra e se incorporando ao trabalho da equipe. José estava experimentando as vantagens de participar do seu primeiro grupo confiável. Denominamos esse grupo de “Grupo Trabalho e Esperança”.

Certa vez ele nos confidenciou que achava que dessa vez iria conseguir sua “‘libertação”. Aquelas pessoas - segundo ele - não estavam mentindo pois já conseguira algumas visitas dos irmãos, que lhe trouxeram presentes e dinheiro. Suas roupas já não eram tão sujas como antigamente e os banhos não tão insuportáveis assim. Mas os sacos continuavam perto dele.

Nós compreendíamos cada vez mais a solidão de José e, ao mesmo tempo, o nosso despreparo para lidar com casos semelhantes ao dele. Achamos mesmo que as pessoas olham para os “loucos” da mesma forma como olham para as crianças e adolescentes: como se fossem sacos grandes ou pequenos, completamente vazios, ou melhor, cheios de coisas sem valor por conterem dentro de si quinquilharias que necessitam ser selecionadas pelos conselhos e normas “educativas” dos adultos. Que precisam de muita proteção por não possuírem conteúdo e objetivos próprios. Sentem-se donas desses sacos e os carregam de um lado para o outro, segundo seus próprios sonhos e desejos, sem se importarem com os seus próprios conteúdos de valor. Seriam como os sacos de José: simples objetos, cuja função seria a de proteger seu dono com suas presenças. Protegê-lo de sua insegurança e solidão.

José começou a participar de outros grupos de pacientes e ganhava mais confiança em si mesmo. Fazia anos que não tomava remédios no hospital. Era um esquecido hospitalar desde o tempo em que era conhecido como Papai Noel. A partir das nossas primeiras conversas, a equipe havia resolvido que ele não tomaria remédios como parte do seu tratamento. Nunca lhe foi oferecido nem nunca pediu. Continuou sempre assim: sem remédios. Era um antigo membro do grupo da abandonoterapia (apelido que dávamos aos esquecidos), que agora já possuía identidade e se chamava José ; membro com voz e voto dentro do grupo “Trabalho e Esperança”, escolhido e eleito pela equipe do hospital para ser o cidadão de sua própria libertação.

José pediu-nos que guardássemos os seus sacos na sala de reuniões, onde havia um velho armário cheio de desenhos e objetos confeccionados por pacientes da terapia ocupacional. Perguntou se era um lugar seguro e quem guardava as chaves desse armário. Falamos que era seguro e que as chaves ficavam com o nosso grupo. Perguntamos se ele queria ter uma chave só para ele. Aceitou, e a nova chave foi confeccionada e lhe foi entregue. Andava com ela pendurada no pescoço e dormia com ela. Não tinha mais o trabalho de carregar os dois sacos porque os havia trocado provisoriamente por uma chave, símbolo da sua confiança em nosso grupo.

Com o passar do tempo parou de coletar objetos do chão e entrou para um grupo do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) que havia sido instalado no hospital para pacientes que queriam aprender a ler e escrever. Seus delírios eram pouco freqüentes e só reapareciam quando retirava seus sacos do armário para tê-los junto a si, e desapareciam quando nos confiava a guarda dos mesmos.
Ensinamos a ele que não revidasse quando alguém, relembrando os velhos tempos, o chamasse de Papai Noel. Para nós e para quase todos, ele era o novo cidadão chamado José e deveria ser assim para sempre .

Certo dia seus parentes vieram buscá-lo para que passasse o fim de semana com eles. Concordou em ir e queria levar os sacos mas o convencemos de que ele, como o novo José, deveria levar apenas a chave do armário. Ele aceitou e foi embora com os parentes. Voltou na segunda feira pela manhã com um terceiro saco. Na verdade não era um saco e sim uma sacola. Estava cheia de objetos diferentes dos outros que estavam no armário. Continha escova, creme dental, roupas, sapato, sandálias, cadernos, biscoitos e um pente novo.

Ele estava alegre mas conversava pouco com os parentes. Aproveitamos a presença deles e fizemos uma reunião conjunta do grupo “Trabalho e Esperança”.

O grupo ia ficando maior com o passar do tempo e já mostrava alguns resultados. Na reunião, os irmãos queriam que ele saísse do hospital e retornasse para a casa de um deles. O José ficou reticente e acabamos concordando que sua saída teria que ser decidida por ele e que deveria aproveitar e concluir seu curso do Mobral.

Já sabíamos muito a respeito da sua vida familiar. Seus irmãos contaram muitas estórias que não estavam escritas nos prontuários velhos e nem nos novos. Parte de sua família morava na capital e possuía boa situação financeira. O pai de José havia falecido há dez anos, mas sua mãe ainda morava na mesma fazenda com os filhos mais novos.

Numa outra reunião do grupo José pediu que guardássemos sua sacola nova, pois temia que os outros pacientes roubassem seus objetos, fato bastante freqüente entre eles. Queria ficar com alguns objetos de uso pessoal e com a chave do armário. Pediu também que queimássemos os outros dois sacos antigos. Respondemos que os sacos antigos ficariam guardados até um ano após sua saída do hospital. Gostaríamos que ele próprio, após um ano e junto com a sua família, voltasse a nos visitar e junto conosco, procedesse o ritual de incineração dos velhos sacos. Aceitou a idéia e voltou para a sua aula do Mobral que já havia iniciado há cinco minutos atrás.

O novo José já não era o mesmo homem dos sacos e a nossa equipe já não era a mesma dos velhos tempos. Havíamos aprendido, com ele e com outros pacientes, formas novas de preencher nossos “sacos intelectuais” com conteúdos de muito valor. Nós, José e os outros pacientes estávamos melhorando, mesmo estando todos, internados no mesmo hospício.
Concluído o curso do Mobral ele já escrevia uns bilhetes para os seus familiares. As visitas já eram semanais e as saídas do hospital se prolongavam por uma semana a até por um mês. Estava na hora de José sair.

Na nossa última reunião do grupo “Trabalho e Esperança” fizemos uma brincadeira com José: redigimos uma “Carta de Libertação” concedendo ao Sr. José Oliveira da Silva, os títulos de Cidadão Livre, Membro Honorário da Equipe e o de senhor de todos os bens e riquezas que ele conseguisse adquirir dali por diante com o seu próprio esforço. Essa Carta continha também todas as aquisições que fizera desde que passara a se constituir um membro integrante do nosso grupo até aquele dia. Só omitimos na Carta a existência dos dois sacos velhos que ainda jaziam no armário, símbolos de sua loucura, e ao mesmo tempo, da manutenção da sua sanidade. Presenças concretas do seu esforço solitário em manter seu próprio equilíbrio, sem a ajuda de ninguém, durante muitos anos.

José saiu do hospital numa sexta-feira de tarde acompanhado por sua sacola nova, pelos parentes, pelos membros do Grupo Trabalho e Esperança e por alguns pacientes que haviam se tornado seus amigos nos últimos tempos. Sentia-se mais confiante e, na porta de entrada do hospital, se despediu de todos, entrou no carro com seus parentes e desapareceu entre os acenos dos que ficaram.

Lembramos que, quando recebeu sua “Carta de Libertação”, percebeu, com um sorriso, a assinatura de quase todos os médicos do hospital, funcionários e pacientes que o conheciam bem. Mais parecia um abaixo assinado. Já sabia ler e escrever. Apôs seu nome na última linha, dobrou o papel e o colocou no bolso.

O Grupo Trabalho e Esperança já não existia mais e se transformou, naqueles dias, num grande saco vazio com a saída do José .

Ele nunca mais retornou para aquele hospital, não voltou para queimar os sacos. O que foi feito dos sacos velhos nem nós sabemos responder. Talvez, esquecidos como tantas outras quinquilharias do hospital, devem ter recebido o destino do lixo ou queimados sem a nossa presença, numa grande fogueira de São João. O que , aliás, era muito comum acontecer com os papéis velhos.


Comportamento Reativo e Dinheiro

O dinheiro apareceu no início da história da civilização humana. Os primeiros grupos humanos não conheciam sua utilização; usavam o escambo (troca, barganha) para obter produtos ou serviços. Essa facilidade de comprar, com alguma coisa que representasse um valor padrão para todos evitou muitas confusões e perdas de tempo. Carregar nas costas dois sacos de trigo para trocar por um carneiro nas feiras que existiam em determinados povoados, avaliar quantas galinhas valia um saco de batatas e quanto se deveria pagar para um escriba (cidadão que sabia ler e escrever) para que escrevesse versos ou cartas para alguém, era um verdadeiro problema. Com o aparecimento das primeiras aldeias e cidades, os produtos ou serviços eram pagos utilizado-se sacos de sal (origem da palavra salário), em formas de sementes, de ouro ou prata e outros materiais. Com o tempo passaram a ser utilizados papéis carimbados, que representavam diferentes valores. Seus portadores usavam para adquirir objetos ou pagar serviços.

Devido a muitas falsificações existentes apareceram as primeiras moedas cunhadas em metais (ouro, prata, chumbo, ferro, etc.).

O dinheiro facilitou muito a comercialização dos produtos e serviços, mas trouxe também muitas brigas, intrigas e guerras no decorrer de seu percurso. O ato de pagar ou receber até hoje está impregnado das sensações mais diversas que se possa imaginar. A moeda e a cédula que pegamos com as mãos, está sempre contaminada pelas nossas emoções. Ganhar ou perder dinheiro pode causar sentimentos como: alegria, tristeza, raiva, vingança, afeto, estratégia para alcançar algum benefício ou privilégio, entre muitas outras coisas. É possível que a palavra gratificação já tenha significado algum dia: “pagamento feito com gratidão”.

Um grande número de comportamentos reativos (brigas, drogas, mortes, guerras, etc.) está ligado à questões onde o dinheiro é o elemento central. Os casamentos antigos eram realizados através de “dotes”. A mulher que não possuía um bom dote, oferecido pela família ao noivo, encontrava grande dificuldade para casar.

Podemos dizer que a saúde de um país depende da quantidade e qualidade do dinheiro que corre em suas veias, isto é, que circula no mercado. As pirâmides do Egito, o muro da China, as descobertas marítimas pelos europeus, o tráfico de escravos e um sem número de outras coisas foram movidas pelo dinheiro.

Certas pessoas costumam tratar as outras pela quantidade de dinheiro que têm. A riqueza pode fazer alguém ser muito admirado ou, simplesmente, invejado. Ser rico pode se transformar, para muitos, num projeto de vida. Existe um ditado que diz: “Cada pessoa tem seu preço”, mostrando a possibilidade de comprar com dinheiro a vontade dos outros.

O dinheiro, como vimos, é capaz de alterar o comportamento das pessoas e dos povos, provocando alterações no comportamento. Ao comportamento dos que depositam grandes doses de afeto no dinheiro, isto é, que acumulam muito e ficam tristes ao usá-lo, chamamos de avarento, “pão-duro”, “mão-de-vaca”, etc. Há os que “jogam dinheiro pela janela”, gastam tudo de uma vez, não conseguem administrá-lo. Em todos esses casos percebemos que o dinheiro mexe na imaginação, nos sentimentos e nas fantasias de cada pessoa.

Lidar com dinheiro significa lidar com a realidade. Dizem que “quem come cocô e rasga dinheiro perdeu completamente o juízo”, ou seja “pirou”. Lidar com dinheiro exige certo equilíbrio psíquico e firmeza de princípios; o caráter de alguém pode correr sérios riscos se a quantidade de dinheiro oferecida for grande, se suas fantasias de riqueza ultrapassarem os limites da realidade. Uma pessoa quando fica com raiva de outra, ou se recusa ou “enrola” para pagar; quando ama, é capaz de gastar todo o dinheiro que tem para agradar a outra; se tem medo de ficar doente, gasta tudo com remédios e médicos; outras, nunca tem nada porque sentem culpa de ter muito dinheiro. Conhecemos o caso de uma pessoa que sentia dores no abdome e se recusava a pagar uma consulta médica. Morreu com apendicite supurada.

Conhecemos um senhor de sessenta e dois anos que era solteirão. Não casou porque acreditava, enquanto jovem, que o casamento e os filhos davam muito prejuízo. Era um horror de dinheiro que se tinha de gastar.
Olhava com inveja para as crianças do seu vizinho e chorava ao dizer: “Hoje eu daria tudo o que tenho para ter uma esposa e um filho, mas isso não se pode comprar, infelizmente !”

Costumamos dizer que o melhor lugar para se guardar o dinheiro é no bolso, não na cabeça. A cabeça é o lugar da convivência com os outros, o bolso é o lugar do dinheiro. Ter grande quantidade de dinheiro ajuda muito, mas não garante segurança, equilíbrio e felicidade para o portador.


Punição, Omissão e Culpa: pensando sobre o futuro

O comportamento reativo dos adultos, crianças e adolescentes quase sempre está acompanhado do sentimento de culpa. Muitas vezes ficamos em dúvida quando punimos ou nos omitimos em relação a várias situações da vida diária.

O comportamento reativo pode ser entendido como explosões do comportamento. Reagimos ao invés de agirmos, para, em seguida, sentirmos culpa pelo que fizemos. Outras vezes, ficamos omissos e cegamos para o comportamento reativo, permitindo que ele se instale e continue promovendo a confusão na convivência. Por que agimos assim?

Na verdade, a quase totalidade do nosso comportamento diário é regido por impulsos inconscientes que reagem na tentativa de alcançarem o equilíbrio. Sentimos culpa, nos omitimos e punimos por que aprendemos a fazer isso com nossos pais, que aprenderam isso com os nossos avós, que aprenderam isso com uma sociedade que reproduz a culpa, a omissão e a punição.
A família é o núcleo reprodutor dos hábitos e dos costumes da sociedade que a origina. Pode ser representada por um pássaro domesticado preso em uma gaiola. No nosso caso, come ração, não pode voar e, às vezes canta (ou protesta ?) para esquecer sua solidão. Assiste da prisão outros pássaros voarem e cantarem em liberdade. Se mantem presa porque não sabe abrir a porta da sua própria gaiola. Todo pássaro, antes de ser preso, já conheceu a liberdade; quando nasce na gaiola, passa a reconhecer a gaiola como o seu espaço de liberdade e desaprende a voar, a lutar pelo alimento e seu canto se domestica.
Nossa gaiola é a nossa família e a nossa civilização, seus valores, conceitos e preconceitos, sua forma desorganizada de conviver. Do que adianta abrirmos a gaiola sem sabermos para onde ir, se desaprendemos a usar nossa liberdade e a lidar com a liberdade dos outros ? Teremos que projetar um “plano de vôo” antes de abrirmos a porta da gaiola.

Utilizamos, repetidas vezes, certos modelos como o computador, a vida indígena e o comportamento de outros animais. Fizemos isso para mostrar que ainda somos animais, que possuímos um excelente computador na cabeça e que somos descendentes de povos primitivos. A única diferença reside no fato de termos sido “domesticados” pela vida civilizada. Agimos como formigas operárias num formigueiro desorganizado que produz as desigualdades da riqueza, da glória e do poder entre nós mesmos. Punimos outras pessoas e somos punidos por elas, porque copiamos o modelo violento que nos foi ensinado e o repetimos dentro de casa e na rua. Sentimos culpa porque achamos que sempre somos os responsáveis pelas nossas ações e reações. Omitimo-nos porque não queremos ser agentes de transformação, cujo primeiro passo se inicia dentro de nós mesmos, e nos sentimos confusos com o modelo de convivência que nos cerca. Sentimos culpa porque, às vezes, reagimos inadequadamente e não conseguimos compreender a nossa ação reativa. Todos nós possuímos um conhecimento intuitivo que nos diz que devemos mudar. O mundo social que conhecemos dentro de nós, há milhares de anos, sempre repete: “Viver eu quero... Conviver é preciso!”
Estamos no “ponto zero” de um trabalho ativo de treinamento, onde o envolvimento com as pessoas deve dar-se de uma forma diferente. Não vamos achar que fizemos mais um curso teórico relacionado ao poder da mente, ao sucesso pessoal ou ligado a conteúdos místicos ou mágicos.
O objetivo desse trabalho exige a disposição pessoal e só tem sentido se tocar profundamente nas dúvidas, na coragem e no desejo de rever e compreender, com clareza, os problemas que enfrentamos no dia-a-dia.

A perfeita compreensão da parte teórica, aprofundada nos debates em grupo, visa permitir e facilitar a execução prática dos conteúdos aprendidos, através dos fatos ocorridos na vida real. A parte essencialmente prática, com certeza, deverá desvendar novas percepções na forma de lidar com os contatos pessoais de cada um. Os resultados terapêuticos, advindos de um treinamento voltado para a reflexão, revisão e compreensão dos contatos, provocam muitas surpresas tanto do lado de quem o faz como do lado de quem recebe e se beneficia com seus efeitos. A própria organização dos trabalhos, em grupos pequenos, determina a diferença entre este tipo de atividade e as palestras, conferências e seminários que lançam informações amplas sobre diferentes temas.
Nosso objetivo principal é a busca interna de um estímulo libertador que, a partir do interior de cada um, possa atingir qualitativamente os contatos com a nossa família, parentes, amigos, alunos e filhos. Visa melhorar a acuidade da nossa visão interna e externa sobre o que acontece dentro e ao redor de nós.
Se há alguns trechos “fortes”, contundentes e aparentemente agressivos no interior deste texto, é porque ainda há muitos preconceitos, obstáculos e tabus que aprendemos e cultivamos durante o desenvolvimento da nossa personalidade. Não é o nosso objetivo mudar radicalmente o comportamento de ninguém, mas, tão somente, contribuir para o alargamento e o aprofundamento da compreensão dos contatos, necessários à convivência saudável.

Como já havíamos dito anteriormente, a nossa preocupação com o agravamento visível, nas últimas décadas, dos fenômenos diretamente relacionados com o comportamento humano (guerras, fome, doenças mentais, neuroses, crimes, degradação ambiental) estimularam-nos a escrever este trabalho. Não que este trabalho possa, por si só, transformar a realidade atual, mas, a par e ao lado de tantas outras tentativas, acreditamos que possa ser um elemento de contribuição na busca da compreensão das causas que os mantêm em progressão.
Desde 1972 estamos acompanhando atentamente o aumento da freqüência das sociopatias e de outros processos mentais que atingem os líderes, atravessam as diferentes camadas sociais, mostrando-se devastadores como agentes da desorganização social na família, na escola e no trabalho. Dirigimos sempre o foco da nossa atenção para diferentes pontos: as pessoas que atendemos na clínica, os noticiários nacionais e internacionais, os contatos pessoais com os amigos, parentes e conhecidos, os livros e outros trabalhos relacionados a essa área. Em todos eles percebemos uma progressiva tendência de agravamento no âmbito das relações sociais e afetivas. Não nos consideramos nem pessimistas nem otimistas na constatação e interpretação desses fenômenos. Só sabemos que, ao cruzar os dados da observação, verificamos que a sua freqüência e intensidade sofrem um significativo aumento de ano para ano. Achamos que estamos caminhando para uma nova etapa onde a humanidade terá que rever (parece que já começou) os padrões de convivência atuais. A onda de violência e de misticismo a que atualmente assistimos parece ser proporcional à pressão materialista, tecnológica e consumista vigente nos nossos dias e que já se prolonga por mais de cinco décadas. A velocidade na mudança dos hábitos e costumes, em diferentes países, que só eram sentidos através das décadas, agora se sucedem e são sentidos através dos anos. Sabemos que a natureza, a qualidade e a direção das mudanças não são objeto de decisões intelectuais, nem de países nem de pessoas. Não há como projetar e controlar situações ligadas aos sentimentos, princípios e valores humanos, nem projetar e construir uma nova cultura através de projetos técnicos.
Nunca existirão leis que possam controlar o comportamento humano, a consciência ou o inconsciente das pessoas. É possível, porém, compreendê-los, na medida em que consigamos, dentro de nós, uma disposição suficientemente forte para iniciarmos essas mudanças pelo caminho da revisão e do redirecionamento das nossas ações diárias.
Chegamos ao final do nosso trabalho. Esperamos que os conceitos, pensamentos e opiniões aqui expostos possam ter levado à reflexão e análise da nossa condição atual de cidadãos e cidadãs, responsáveis que somos como modelo e exemplo para os que estão crescendo para ocupar o nosso lugar de adultos no futuro. Somos todos arquitetos e operários do futuro e da mudança.

Glossário
A
à socapa  à vontade, até não poder mais. 105
a.C. abreviatura que significa “antes de Cristo”. 40, 59
abandonoterapia apelido que dávamos aos pacientes esquecidos, que não faziam tratamento. 125
abstêmio aquele que evita bebidas alcoólicas. 112
ação preventiva ação que previne, evita. 19
”aché” nome dado ao índio adulto caçador, na tribo dos guaiaqui. 105
afetividade  qualidade de quem é afetivo. 25, 34, 61
afeto cultural  • afetividade pelo lugar onde nasceu e viveu. 43
afeto grupal  afetividade pelo grupo onde nasceu. 43
AIDS  • doença transmitida pelo vírus HIV, de cura sujeita à pesquisas. 81
almofarizes  recipientes onde se trituram substâncias sólidas. 59
aloés  planta suculenta, medicinal, da família das Liliáceas, cujas folhas contêm um suco amargo. 23
altaneira  que se eleva muito, que voa muito alto. Orgulhosa, soberba. 86
alterações do comportamento  expressão que substitui termos como: doença mental, loucura. 23, 24, 25, 28, 29, 30, 40, 95
altruísmo  amor ao próximo; abnegação, filantropia. 51
alucinatórias  de alucinação, ver ou ouvir o que não está ali. 45
ambigüidade  característica de imprecisão, que tem mais de um sentido. 105
Amor Fraterno  se refere ao amor de irmão. 61
Amor Materno  se refere ao amor de mãe. 61
Amor Paterno  se refere ao amor de pai. 61
Amor-Próprio  se refere ao amor por si próprio, gostar de si mesmo. 61
anabolismo  processo pelo qual o organismo absorve e incorpora substancias que fazem bem ao corpo. 47
anelando  aspirando a, desejando ardentemente. 17
anfetaminas  remédios que tiram o sono; o mesmo que “bolinha” e “rebite”. 85
aniz  planta originária do Egito, que possui muitas propriedades medicinais. 23
anos-luz  medida de tempo usada na Astronomia; o tempo que leva a luz para percorrer uma distância durante um ano. 101
antropóides  semelhantes aos homens. 60
Antropologia  ciência que estuda muitas características das sociedades humanas. 19, 38, 131
antropólogos  estudiosos da Antropologia. 53
arengas  brigas, animosidade entre pessoas, intrigas. 53
arquipélago melanésio  conjunto de ilhas existentes no sul do oceano Pacífico.  98
associal  ausência do social, o mesmo que isolamento. 110
atávico  reaparecimento num descendente, de características dos seus ancestrais. 23, 63
atitudes dissimuladas  atitudes camufladas, ocultas, encobertas, disfarçadas, fingidas, falsas, hipócritas. 83
Australophitecus  grupo de macacos semelhantes ao homem, encontrados na Austrália. 58
Auto-Estima  o mesmo que Amor-Próprio. 61
autoritarismo  maneira autoritária de conviver ou governar. 80, 114, 116
aversão  repugnância invencível. Animosidade, forte antipatia. 86, 100
B
Babilônia  cidade principal de um antigo império extinto, localizado no sudoeste da Ásia. 21, 22, 23
bagas  fruto carnoso que não se abre quando maduro, como o tomate. 102
bando  agrupamento social primitivo. 57, 103
beladona  planta solanácea venenosa, muito empregada em medicina como sedativo. 23
“beta”  ornamento labial usado pelos guaiaquí na época da iniciação dos adolescentes. Significa que o rapaz tornou-se adulto e caçador. 103
biosfera  camada da Terra onde vivem os seres vivos. 84
“birra”  capricho, teimosia. Obstinação caprichosa. Comportamento reativo infantil. 46, 72
bissexuais  se refere aos indivíduos que fazem uso tanto da homo como da heterossexualidade. 100
Boa Relação  o mesmo que Relação de Qualidade. 49
“bode expiatório”  pessoa sobre a qual se fazem cair as culpas alheias ou a quem são imputados todos os males. 26, 110
bom-senso  faculdade de julgar, raciocinar; juízo, tino. Modo de pensar equilibrado. 55, 57, 73
C
“cabeça fraca”  o mesmo que maluco, desmiolado, tantã, esquisito, desequilibrado, parafuso frouxo. 29
caçoadas  fazer troça a, zombar de. Fazer gozações com, rir de alguém. 105
capacidade de interpretação  função bastante complexa, necessita de bom equilíbrio psíquico, de vasta experiência pessoal e de uma quantidade e qualidade de informações diversificadas. 35, 45, 57
cardamono  planta usada pelos babilônios, entrava na composição de remédios. 23
cássia  planta da família das Leguminosas, a que pertencem as acácias. 23
catabolismo  processo pelo qual nosso organismo expele substâncias que poderão fazer-lhe mal. 47
cataplasmas  massa medicamentosa, que se aplica sobre a pele diretamente ou entre dois panos. 23
“centro receptor-processador-transmissor”  refere-se às características do cérebro, que recebe, processa e transmite.  39
cérebro  massa nervosa contida no crânio. 21, 25, 27, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 44, 45, 46, 47, 57, 58, 60, 61, 62
chacinas  matanças, morticínios, mortandades, massacres. 78
chantagem  ação de impor desejos ou favores, sob condições planejadas, promessas ou ameaças. 29, 39, 40, 81
charutos de “tauarí”  cigarros ritu¬ais dos índios. 82
CID  sigla de Código Internacional de Doenças. 23
“cidadãos que convivem”  refere-se aos índios, que dão valor especial à convivência. 38
cipó  designação comum a todas as plantas sarmentosas e trepadeiras, que pendem das árvores e nelas se entrelaçam. 121
cirurgiões-barbeiros  tipo de profissão que havia na Europa medieval e renascentista. 22
clã  grupo constituído de pessoas de descendência comum. 53, 54
código de Hamurabi  terrível esta¬tuto penal existente na Babilônia. Faz referências específicas sobre os direitos e de¬veres dos cidadãos. 21, 22, 113
código genético  código da hereditariedade e dos mecanismos da sua evolução nos seres organizados. 34
código Morse  sistema de comunicações codificado, pelo qual se transcreve ou traduz uma mensagem. 32
códigos ético-morais  sistemas culturais, pelo quais se aceitam ou não valores éticos e morais. 88
comando ordem-obediência  ato de mandar e ser obedecido. 91, 114
comportamento ativo  comportamento humano positivo e construtivo, que produz harmonia e equilíbrio interno (no psiquismo) e externo (na família e no ambiente) e que contém altos níveis de sentimentos, princípios e valores saudáveis nas pessoa que o originaram. 27, 28, 31, 32, 33, 36, 55, 68, 69, 70
comportamento reativo  comportamento humano negativo e destrutivo, que produz desarmonia e desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (no ambiente e na família) e que contém baixos níveis de sentimentos, princípios e valores saudáveis nas pessoa que o originaram. 33, 54, 68, 69, 70
conhecimento intuitivo  o mesmo que intuição. Conhecimento imediato e claro, sem recorrer ao raciocínio. Pressentimento. Conhecimento claro, direto, imediato e espontâneo da verdade. 19, 57, 89, 99, 128
conteúdo do comportamento  o que está contido no psiquismo e explica o comportamento de uma pessoa. 31
continente do comportamento  o que cerca e influencia o comportamento de uma pessoa. 31
convulsões  contrações musculares bruscas e involuntárias. 84
Corão  o livro sagrado do islamismo. 113
corrida armamentista  o mesmo que corrida nuclear, rearmamento. 74
CRD  comportamento reativo dissociativo (esquizofrenia). 45
crimes hediondos  crimes monstruosos, repugnantes, repulsivos. 29, 31
cristéis  o mesmo que “clister”. Lavagem intestinal. Introdução de medicamentos diretamente no reto. 23
cromossomas  cada um dos corpúsculos de cromatina que aparecem no núcleo de uma célula, durante a sua divisão. Constituem a sede das qualidades hereditárias representadas pelos genes. 97, 100
culpa  consulte sentimento de culpa. 26, 62, 80, 94, 127, 128
D
“daré”  na cultura dos índios guaiaquí é a mulher adulta que já pode ser esposa de um caçador. 104
“data vênia”  expressão usada pelo advogado em seus arrazoados, ao contrapor-se à opinião, que respeita e acata, do Juiz , ou do patrono adverso. 41
degredados  homens que foram deportados e que não podem voltar à sua terra natal. 116
delírio de grandeza  forma patológica de auto-engrandecimento. Estado mental confuso, desorientado e ilusório. 124
delírio de riqueza  forma patológica de auto-enriquecimento. Estado mental confuso, desorientado e ilusório. 124
Delírio Febril  • delírio que surge durante a febre alta. 84
demagogia  mentira, promessas impossíveis. Excitação das paixões populares em proveito político. 81
desenvolvimento psicossocial  desenvolvimento do psiquismo voltado para a adaptação social. 43, 106
“desequilibrado”  o mesmo que maluco, desmiolado, tantã, esquisito, parafuso frouxo. 29
“desmiolado”  o mesmo que maluco, tantã, esquisito, desequilibrado, parafuso frouxo. 29
Despersonalização  perda do reconhecimento da própria identidade, grave desorganização do psiquismo. 56
amas  deus dos babilônios que presidia a Justiça. 22
“dicas não verbais”  tudo aquilo que conseguimos perce¬ber e entender, sem o uso das palavras. 55
dicotomia  bifurcação, divisão em duas partes que se separam. 103
dimorfismo sexual  diferenças de forma entre os sexos masculino e feminino. 97
dissimulação  ato ou efeito de dissimular(-se). Fingimento, disfarce. 72, 81, 95
doenças mentais  conceito antigo de considerar doença as alterações do comportamento. 19, 24, 27, 28, 29, 36, 45, 46, 48, 56, 62, 98, 129
doenças psico-sócio-somáticas (psicossomáticas) o mesmo que doenças psicossomáticas. Alterações que aparecem ou são sentidas no corpo mas tem origem na mente e provocam sofrimento. 19, 37 ,40, 46, 85
“drag queens”  tipo feminino representado por transformistas. 100
drogadição  o mesmo que adição de drogas, toxicomania ou drogadependencia. Uso excessivo de drogas. 31, 40, 112, 113
drogadito(drogadependente) a pessoa que faz uso excessivo de drogas, viciado. 111, 112
E
Efeito Vitrine  recurso utilizado para comparar leituras de comportamento das pessoas. 70
ego  relativo à identidade do “eu”. 59, 85
egocentrismo  egoísmo, individualismo. 39, 81
emoções  componentes importantes de registro do psiquismo. 21, 25, 32, 35, 36, 43, 46, 47, 61, 72, 117, 125, 127
EMOTIZAR  impregnar de emoção uma informação para facilitar sua posterior memorização. 42
empíricas  com base em conhecimentos práticos devidos meramente à experiência. 86
emproada  que se dá ares de importância; pretensiosa, orgulhosa. 86
engramas  minúsculos grãos contendo dentro de si tantas informações (emoções, sentimentos, percepções, etc.) que dariam, depois de descomprimidas, para encher uma bola de futebol. 32, 42, 43
enxó  ferramenta de cabo curto e com chapa de aço cortante, para desbastar madeira. 59
Era Científica  período em que os conhecimentos humanos começaram a ser reunidos e organizados. 21
eremita ou ermitão  aquele que vive isolado dos outros por penitência ou decisão. 72
escala zoológica  sistema de organização e classificação dos seres do reino animal. 41, 77, 101
escargot  espécie de caracol comestível. 97
escrita cuneiforme  escrita dos assírios, caracterizada por elementos em forma de cunha. 22
“esperto como uma raposa”  se refere à esperteza de alguma pessoa. 29
religiosidade  qualidade do que é religioso. 62
“esquisito”  o mesmo que maluco, desmiolado, tantã, desequilibrado, parafuso frouxo. 29
esquizofrenia  alteração do comportamento onde há desintegração temporária do psiquismo. 24, 38, 45
estímulo do comportamento  o que mobiliza o comportamento de uma pessoa. 31
Etnocentrismo, Solidariedade Grupal ou Espírito-de-Grupo se refere aos sentimentos que mantém coeso um grupo de pessoas de uma mesma cultura. Tendência de se considerar a cultura de seu próprio povo ou do seu grupo, como medidora de todas as outras.  61, 107
Etnologia  estudo das etnias (pequenos grupos humanos de cultura própria). 89
etnólogos  os que estudam as etnias, grupos humanos com características cu1turais próprias. 53
etruscos  relativo ou pertencente à Etrúria, antiga região da Itália, ou aos seus habitantes, língua, civilização ou arte. Habitantes ou naturais da Etrúria. 23
F
“família extensa”  tipo de família existente em tribos indígenas, composto de: pai, mãe irmãos, avós, tios e tias, cunhados e cunhadas, primos e primas, etc. 53, 54, 77, 78, 114
Família Hipersintônica  a que lança o filho com forte impulso para o futuro da vida social. 74, 78
Família Hiposintônica  a que lança o filho com fraco impulso para o futuro da vida social. 74, 77
Família Homosintônica  a que lança o filho com impulso suficiente para o futuro da vida social. 74, 78
Família Simbiótica  a que se recusa a lançar (preparar) os filhos para o futuro da vida social. 74, 75
fantasias  faculdade criadora pela qual o homem inventa ou evoca imagens. Obra de imaginação. Idéia, devaneio. 36, 42, 45, 46, 56, 59, 88, 90, 96, 98, 107, 127
faraós  denominação dada aos reis do antigo Egito. 42
farmacopéia  livro que ensina a preparar os medicamentos. Coleção de receitas de medicamentos. 23
festas de iniciação  festas ou rituais nos quais se inicia alguém nos mistérios de alguma religião, doutrina, ou etapa da vida. Hábitos indígenas para promover a passagem de uma fase da vida para outra. 110
Freud  idealizador e criador da Psicanálise. 32, 38
função biopsicossocial  se refere a integração de funções essenciais: biológica, psicológica e social.  100
função centrífuga  se refere a função que foge do centro ou projeta para fora do centro. 77
função neurológica  se refere a função do sistema nervoso. 35, 36, 39
função psíquica  se refere a função do psiquismo. 35, 36, 39
G
“gêmula”  núcleo do qual se originará a planta adulta. 53
Genética  ramo da biologia que trata da hereditariedade e dos mecanismos da sua evolução nos seres organizados, iniciada por Gregor Johann Mendel. 60, 97, 100
gengibre  planta condimentar e medicinal. 23
genitália  a parte visível dos órgãos reprodutores. 105
genocídios  delitos contra a humanidade, extermínio de grupos culturais. 29
grupo étnico  designa as características próprias dos habitantes de um local, país ou região.  109
guaiaquí  grupo indígena brasileiro em fase de extinção. 102, 103, 104, 105
guariba  macaco grande da floresta amazônica. 80
H
Hamurabi  antigo legislador babilônico, criador de um código severo que regulamentava os direitos e deveres dos cidadãos da sua época. 21, 22, 113
hermafrodita  indivíduo que possui os dois sexo, masculino e feminino. 97, 101
Heródoto  historiador grego, que vi¬veu na Babilônia durante certo tempo. 21
heterossexuais  os que se interessam pelo sexo oposto. 99
heterossintonia  significa sintonia inadequada. 39
Iatrogênese  doença provocada pela administração excessiva de remédios pelo próprio médico. 81
hipocondríacos  pessoas que sofrem de receio mórbido de estarem doentes. 81
hipocrisia  fingimento, falsidade. 39, 40, 81, 83, 90
“hippies”  movimento de jovens que surgiu na década de sessenta, com forte resistência à organização da sociedade atual. Usaram o lema: Paz e Amor. 44, 63
holocausto nuclear  guerra nuclear que determinaria a extinção da vida na Terra.  73
homem de Cro-Magnon  antepassado do homem atual, de grande estatura e robustez. 58
homeostase cerebral  equilíbrio cerebral ou mental. 46
Homo perplexus perplexus  forma satírica de falar sobre a ignorância humana. 63
Homo sapiens sapiens  classificação zoológica do homem atual. 29, 63
homossintonia  significa sintonia adequada. 39
hortelã  nome comum a várias plantas labiadas, sendo as do gênero Menta, aromáticas, e usadas como condimento. Planta medicinal, de ótimo sabor e propriedades refrescantes bem conhecidas. 23
I
Identidade  Componente do psiquismo, essencial para sua organização interna. Capacidade de se auto-identificar que as pessoas possuem.35, 42, 43, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 57, 60, 61, 75, 78, 83, 97,88, 100, 105, 106, 112, 113, 114, 125
igualitária  característica de igualitarismo, ser justo com todos. 89
“impeachment”  impedimento de um governante de exercer suas funções políticas. 41
impulso autodestrutivo  impulso suicida, que se prejudica a si mesmo. 74
“in totum”  expressão latina que significa: no todo, totalmente. 41
inalações  absorção pelas vias respiratórias dos vapores de substâncias medicamentosas. 23
inconsciente  que não toma consciência. Parte da função psíquica. 25, 26, 31, 32, 38, 39, 72, 76, 105, 110, 129
inconsciente coletivo  forma grupal ou coletiva de organizar desejos, idéias ou aspirações. 24, 115
incontinência fecal  disfunção que provoca a incapacidade de conter as próprias fezes. 78
individualismo  egocentrismo, egoísmo. 39, 54, 60, 81, 83
“indústria da doença”  se refere a pessoas ou grupos que só pensam em ter lucros com a doença. 81, 85
infrator pessoa que infringe regras, normas ou leis. 40, 49, 109, 113, 116
infusões  meio de conservação temporária de uma substância em líquido, para dela se extraírem princípios medicamentosos. Maceração farmacêutica. 23
instinto agressivo  quando o objetivo do instinto está voltado para a agressão. 58, 73
instinto gregário  quando o objetivo do instinto está voltado para a formação de grupo. 58
instinto sexual  quando o objetivo do instinto está voltado para o ato sexual. 83, 96
instintos paternal e maternal  quando o objetivo do instinto está voltado para o amor ao filho. 58
Inteligência Emocional  capacidade aumentada do psiquismo, estando o mesmo em equilíbrio emocional. 39
interagir ação recíproca de duas ou mais pessoas. 30, 35
intuição  função refinada do psiquismo. Se caracteriza por uma percepção aguda e interpretação inconsciente de estímulos tenuemente conscientes. 34, 35, 57, 60
J
jacamins  nome comum a diversas aves da ordem dos Gruiformes. 89
jocoso  alegre, gracioso. Que provoca o riso. 100
joio  planta anual, gramínea que infesta as searas. Coisa má que, misturada com as boas, as prejudica e deprecia. Separar o joio do trigo: separar os bons dos maus; separar o que é bom do que não presta. 123
juízo crítico  função bastante complexa, necessita de bom equilíbrio psíquico, de vasta experiência pessoal e de uma quantidade e qualidade de informações diversificadas. 31, 34
“jyvondy”  palavra guaiaquí que denomina o tipo de caça feita com arco e flecha. 104
K
Kahlil Gibran  escritor, místico e desenhista líbano-norteamericano nascido no Líbano em 1883. 17, 74
“Kybuchuété”  novo caçador, na língua dos índios guaiaquí. Significa que o novo iniciado poderá ter uma mulher e deverá consequentemente prover as necessidades do novo lar. 103
“Kyrypy-meno”  na língua dos índios guaiaquí significa ânus-fazer-amor , relativo a homossexualismo. 105
L
La Lettera  carta de Américo Vespúcio ao rei Don Fernando de Castela, que se refere às novida¬des da nova terra descoberta e de seus habitantes. 99
labilidade  fragilidade. 62
lei de Talião  antigo sistema penal pelo qual o autor de um delito devia sofrer castigo igual ao dano por ele causado. 113
Leitura Profunda  forma de ler o que está por trás das palavras e dos gestos. 65
“lento como uma tartaruga”  • se refere à lentidão de alguma pessoa. 29
lésbica  mulher que pratica o ato homossexual. 100
libertinagem  devassidão, desregramento de costumes, licenciosidade. 105
Linguagem dos Sentimentos  forma de responder, depois de perceber que sentimentos geraram as palavras e gestos. 65, 70
linguagem emocional  forma específica e individual de linguagem que cada pessoa possui, independente do idioma ou da cultura. 69
linhagem  linha de parentesco; ascendência, estirpe, casta, raça. Condição social. 53
linimentos  preparado líquido ou pastoso que se aplica em fricções, contra dores musculares, etc. 23
líquido céfalo-raquidiano ou líquor  líquido no qual o cérebro e a medula flutuam e que lhes confere relativa segurança.33
livre-arbítrio  faculdade que tem o indivíduo de determinar a sua próprio conduta. 39, 41, 54, 108
“lixo tensional”  o mesmo que “stress”, tensão, ansiedade e nervosismo. 70
longevidade  longa duração de vida. Qualidade de quem é longevo. 23
loucura  forma inadequada de se referir às alterações do comportamento. Estado de quem é louco. Distúrbio mental; demência; psicose. Ato de louco. Insensatez. Aventura insensata. 24, 25, 26, 27, 29, 30, 45, 57, 62, 123, 124, 126
M
Má Relação  o mesmo que relação inadequada. Dificuldade dos adultos em compreender o comportamento das crianças e jovens. 49, 50
magnata  milionário. 89, 112, 123
mais-valia  o mesmo que lucro. 89
manipulação  o mesmo que chantagem; usar de expediente chantagista, indireto ou enganador para obter resultados que são usados em proveito próprio. 39
“mateiro”  pessoa que serve de guia na mata. 119
“mau elemento”  o mesmo que maluco, desmiolado, tantã, esquisito, desequilibrado, parafuso frouxo. 29
Mecanismos de Defesa da Mente  mecanismos usados pelo psiquismo para manter seu equilíbrio. 38
Medicina Assírio-Babilonica  medicina empírica exercida pelos assírios e babilônicos. 21
médico-sacerdote  tipo de profissão que havia na Europa medieval e renascentista. 22, 23
megalomania  mania de grandeza, ilusão de que se é uma pessoa de grande importância. 86
meimendro  planta usada pelos babilônios, entrava na composição de remédios.23
memória genética  hipótese defendida por alguns de que é possível guardar informações de ancestrais. 60
mendicância  ato de mendigar; mendigação, mendicidade. Condição de quem vive de esmolas. 101
“menino de rua”  menor abandonado que vive e mora na rua. 36, 88
mente  faculdade de conhecer; inteligência, poder intelectual. Entendimento, alma, espírito. Disposição para fazer alguma coisa. Idéia, resolução. Concepção, imaginação. Intenção, intuito, plano. 21, 24, 25, 30, 31, 33, 35, 36, 38, 45, 46, 47, 87, 117, 121, 128
“metabolismo do corpo”  processo pelo qual nosso organismo absorve e incorpora determinadas substancias que fazem bem ao corpo (anabolismo) e expele outras que poderão fazer-lhe mal (catabolismo). 47
metástases  irradiação dos tumores malignos para locais distantes no corpo. 115
mimetismo  capacidade que têm certos animais e plantas de adaptar-se à cor do ambiente ou de outros seres ou objetos, para passarem despercebidos de seus inimigos ou vítimas. Disfarce. 40, 117
Mimetismo Psicossocial  mensagens transmitidas pelo indivíduo, em forma de códigos ou camufladas, para a sua família e para a sociedade. 38, 40, 81
miraculosos  que fazem milagres. Milagrosos. Extraordinários, inexplicáveis, maravilhosos. 112
miragens  • efeito da refração que, nos desertos arenosos, faz ver na atmosfera a imagem invertida de objetos muito distantes, como cidades, oásis etc. Engano dos sentidos, ilusão. 94, 112
misticismo  crença religiosa ou filosófica dos místicos, que admitem comunicações ocultas entre os homens e a divindade. Aptidão ou tendência para crer no sobrenatural. Devoção religiosa. 21, 129
mito  fato ou passagem dos tempos fabulosos; fábula aplicada a uma religião politeísta. O que apenas existe na fantasia das pessoas crédulas. Exposição simbólica. 19, 24, 25, 80, 83, 86, 89, 90, 105, 106, 112, 120, 124
modelo cultural  conjunto de características particulares de um grupo humano que forma a sua cultura, que a identifica e pela qual se expressa. 54, 57, 78, 101, 105, 106, 114, 116, 117, 123
modelo interno da mente  conjunto de características particulares de um grupo humano que forma a sua cultura, que a identifica e pela qual se expressa. 33
moralista  que, ou quem escreve sobre moral. Que, ou quem preconiza preceitos morais. 98, 110, 112
“museniku”  nome de doença usado pelos assírios e babilônicos.23
N
nazi-fascismo  conjunto de doutrinas políticas dos partidos nacional -socialista alemão e do partido fascista italiano. 42
Neurologia  parte da medicina que estuda as doenças do sistema nervoso; nevrologia. 21
nômades  diz-se dos grupos humanos que não se fixam para morar num lugar definitivo e que vivem se mudando de um lugar para outro. 58, 102, 103
núcleos afetivos ou grupos afetivos  grupo que nos gerou, com o qual exercitamos nossas primeiras relações ou com o qual temos longa convivência e que ficará fortemente gravado em nosso psiquismo para toda a vida. 42, 43, 61, 124
O
óleo de rícino  óleo extraído das sementes da mamona. 23
“olho de águia”  se refere à acuidade visual de alguma pessoa. 29
opulência  abundância de bens. Grande riqueza. Grande abundância. Fausto, magnificência. 81, 95
Ordem Natural  o mesmo que Natureza. 98, 105
otário  indivíduo ingênuo, tolo, que facilmente se deixa enganar. 88
“ovelha negra”  expressão usada para discriminar o comportamento de uma pessoa dentro de um grupo. 29
P
P.M.D.  • abreviatura de Psicose Maníaco-depressiva. Distúrbio mental grave onde o estado maníaco e a depressão se destacam. 38
pacientes crônicos  portadores de alterações de comportamento que passam muitos anos fazendo tratamento inadequado com remédios ou são abandonados nos hospitais psiquiátricos. 88
pajé ou xamã  homem ou mulher, entre os indígenas, que exerce a função de feiticeiro, médico, profeta e sacerdote. Benzedor, curandeiro. 52, 82, 114, 115, 116, 119, 121, 122
palmeira Pindo  tipo de palmeira existente no Brasil cujo cerne é comestível. 102
“pané”  na língua dos índios guaiaquí significa: azar, azarado, sem sorte. 104
“panema”  • o mesmo que “pané”. 104, 105
pantomimas  arte ou ação de exprimir idéias ou sentimentos por meio de gestos. Representação teatral no final de espetáculos circenses, em que os atores só se exprimem por gestos. Embuste, logro. 86
papiro  tiras prensadas de uma planta que eram utilizadas pelos povos antigos para escrever. 113
papoula  planta da família das Papaveráceas de seiva leitosa, de que se extrai o ópio. A flor dessa planta. 23
para-realidade  estado de confusão ou entorpecimento mental causado por remédios ou substâncias que alteram as características normais do sistema nervoso. 25
“parafuso frouxo”  o mesmo que maluco, desmiolado, tantã, esquisito, desequilibrado. 29
paranormalidade  capacidade que têm alguns indivíduos de perceberem com outros sentidos. 34
pasteurização  ato ou efeito de pasteurizar. Processo de esterilizar determinado material (o leite etc.) por aquecimento de gradação variável, que pode chegar a 70ºC, esfriando-o rapidamente depois. 84
patogênico  aquilo que origina doença. 62
personalidade  qualidade do que é pessoal. Caráter essencial e exclusivo de uma pessoa; pessoalidade. Aquilo que a distingue de outra. Individualidade consciente; pessoa. 19, 25, 46, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 62, 64, 75, 78, 83, 85, 86, 92, 95, 112, 113, 114, 129
pertinente  pertencente, concernente, relativo. Que vem a propósito. 103
perversão  desvio, socialmente condenado, em especial na esfera sexual. 105
Pithecantropus erectus  gênero que identifica a transição entre o macaco e o homem atual. 58
“podium”  lugar para onde sobem os vencedores para serem homenageados e receberem troféus. 108
potencial destrutivo natural  o mesmo que destrutividade natural. 117
pré-colombianos  significa: antes de Colombo. Antes da invasão da América por Colombo. 107
pré-convulsões  estágio que antecede as contrações musculares bruscas e involuntárias. 84
pré-história  tempo que antecede a história, a escrita. 24, 74
pré-letrados  diz-se dos povos que não usam a comunicação escrita. 107
precognição  capacidade ou talento que os paranormais possuem de conhecerem previamente um fato antes mesmo que ele aconteça. 35
predador diz-se do, ou o ser que destrói outro violenta ou naturalmente. 58, 73
prepotente  muito poderoso ou influente. Que abusa do poder ou autoridade; despótico, opressor, tirano. 83, 86
prepúcio  dobra de pele que cobre a glande do pênis. 121
primatas  ordem dos mamíferos que compreende os símios, lêmures e o homem, derivados provavelmente de ancestral comum. 57, 113
Princípios  regras, leis ou preceitos pessoais que determinam o comportamento. Ditame moral, máximas inerentes a cada pessoa. 21, 25, 30, 31, 35, 37, 40, 44, 47, 55, 56, 57, 61, 62, 65, 71, 72, 78, 79, 90, 106, 107, 108, 116, 117, 127, 129
“programação anômala” distorção ou anomalia de aprendizagem 39, 40
“programas básicos”  significa o tratamento e a formação que o indivíduo recebe dentro de sua família. 34, 38, 39
prolíficas  que procriam abundantemente. Fecundas, férteis, produtivas. 101
prontuários  fichas ou pastas nas quais se organizam dados da evolução clínica de um paciente. 124
proselitismo  diligência em influenciar pessoas para convertê-las em adeptos de uma idéia, doutrina ou crença. 98
prospectos  programas que contém o plano, a descrição de uma obra, de um produto, de um negócio, etc. 123
proto-relação social  que indica a idéia de: primeira relação social. 61
Psicanálise  análise da mente; separação da psique em seus elementos constitutivos. Sistema e método de tratamento de desordens mentais e nervosas, criado e desenvolvido por Sigmund Freud, psicólogo austríaco. 19, 133, 134
psicomotricidade  resultante da ação neuro-emocional sobre a coordenação muscular. 25
Psiconeurose  o mesmo que neurose. Distúrbio psicológico, menos severo do que a psicose, mas suficientemente grave para limitar o ajustamento social e a capacidade de trabalho do indivíduo. 38, 40
psicopatológica  relativo às alterações mentais graves. 74
psicoses  o mesmo que alterações graves do comportamento. 40, 114
psique alma; o espírito; a mente. 74
Psiquiatria  parte da Medicina que se ocupa das doenças mentais . 19, 21, 135
psiquismo  complexa rede de fenômenos subjetivos que ocorrem no cérebro. Base sobre a qual se assentam todos os componentes que fazem funcionar o comportamento19, 24, 25, 27, 30, 31, 32, 35, 36, 39, 40, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 53, 54, 55, 56, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 69, 70, 72, 73, 75, 80, 87, 94, 95, 96, 97, 107, 114, 115, 116, 117, 124
Q
quadros clínicos e síndromes  formas de organizar e classificar as doenças. 24
quinquilharias  fato, acontecimento, ou objeto sem valor. Bagatela, coisa insignificante. 125, 126
R
Ramapithecus  antropóide conhecido apenas por fragmentos dos seus dentes e mandíbulas, viveu há 14 milhões de anos. Provavelmente apresentava mais semelhanças com os primeiros homens do que com os macacos. 58
“rápido como um coelho”  se refere à rapidez de alguma pessoa. 29
regressão à infância  ato ou efeito de regressar, de voltar a estágios anteriores do desenvolvimento emocional . 75, 78
Reinstalação da Sintonia Familiar  retorno às relações de qualidade dentro de um grupo familiar. 27, 49
Relação de Qualidade  o mesmo que relações saudáveis, não-neuróticas. 48, 49, 50, 65
religião  conjunto de dogmas e regras doutrinárias organizadas e elaboradas pelo homem.21, 81, 111, 112, 113
religiosidade  capacidade de crer ou acreditar em um ser superior, inerente a todos os seres humanos, independente da existência de organizações elaboradas pelo homem. 21, 34, 39, 44, 52, 62, 89, 109, 113, 115
representações mentais  • diferentes formas de organizar as informações para serem compreendidas e processadas pelo conjunto de programações psíquicas. 32
repressões  alterações leves, médias ou graves no processamento das emoções (informações), podendo provocar alterações do comportamento. 43
ritos ou rituais  conjunto de cerimônias e regras de uma religião ou cultura. Ordem ou conjunto de quaisquer cerimônias. Sistema das fórmulas e práticas das sociedades humanas. 109, 112
romã  fruto de romãzeira. 23
S
sátira  composição literária destinada a ridicularizar ou censurar inverdades, defeitos ou vícios; discurso ou escrito picante e sutil de crítica severa; censura jocosa. 42
secreções  produtos produzidos pelas glândulas; líquidos que contêm substâncias úteis ou nocivas ao organismo.  85
sentimento de culpa  sentimento que provoca muito sofrimento e está relacionado às crenças religiosas e às regras ético-morais da cultura. 80, 92, 94
sentimentos ato ou efeito de sentir (-se). Capacidade para sentir. Sensação psíquica, tal como as paixões, o pesar, a mágoa, o desgosto etc. Emoção terna ou elevada, tal como o amor, a amizade, o patriotismo. 21, 25,26, 30, 31, 32, 35, 36, 38,37, 61,62,63, 65,67,68,70,71,72,73,75,78,79, 86,92,96,104,106,107,108,109,
116,117,119,127,129
siclos de prata  moeda corrente que havia na antiga Babilônia. 21, 22
Simbiose  em psicologia significa: apego, colagem, atrelamento, dependência excessiva. 61, 72, 74, 75, 77
sinalização de deslocamento  mensagem em código que desloca para objetos, animais e ambiente o que está incomodando por dentro. 32
sinalização de relação  mensagem em código que desloca para outros o que está incomodando por dentro. 17
sinalização física  mensagem em código que desloca para o corpo o que está incomodando por dentro. 32
sinalizações  mensagens em código que apontam para a existência de possíveis comportamentos reativos.32, 46, 47, 48, 65, 67, 68, 69, 95
Sintonia Afetiva  forma de expressar com liberdade sentimentos, pensamentos, desejos, emoções para não produzir acúmulo desnecessário de tensões. 49, 50, 71
sintonizar usar sua sintonia afetiva. 47
Sistema Imunológico  conjunto de processos de autodefesa do corpo contra as doenças. 81, 124
Sistema Nervoso Central  conjunto de estruturas nervosas que comandam a vida vegetativa e de relação. 21, 36, 57
Sociologia  ciência que estuda os assuntos sociais e políticos, especialmente da origem e desenvolvimento das sociedades humanas em geral e de cada uma em particular. 19, 38
sodomita  o mesmo que pederasta e homossexual. 104
“software”  programa ou grupo de programas que instrui o hardware sobre a maneira como ele deve executar uma tarefa, inclusive sistemas operacionais, processadores de texto e programas de aplicação. 25, 36
“stress”  o mesmo que “lixo tensional”, aumento de tensão psíquica. 47, 94
T
tabuinhas babilônicas  pequenos pedaços de argila ou madeira onde eram feitas várias inscrições. 23
“tantã”  o mesmo que maluco, desmiolado, esquisito, desequilibrado, parafuso frouxo. 29
telecinesia  faculdade paranormal de deslocar objetos sem os tocar ou por quaisquer meios tecnológicos conhecidos. 35
telepatia  faculdade paranormal de, sem fazer uso dos sentidos naturais conhecer aquilo que se passa longe da pessoa; transmissão de pensamento. 35
temporã  que sucede ou vem antes do tempo próprio. Prematuro. 83
teozoomorfismo  uso de formas animais para expressar deuses ou divindades. 30
terapeutas auxiliares  denominação dada a todos os adultos que foram treinados pelo método MIRQ ( Método Interativo para a Relação de Qualidade)19
terapeutas ocupacionais  • os que se utilizam de atividades para alcançarem resultados terapêuticos. 124
terracota  argila manufaturada e cozida ao forno utilizada para a confecção de objetos de cerâmica. 23
“tios solteiros”  homens que ficam velhos sem casar, solteirões. 83
“titias”  mulheres que ficam velhas sem casar, solteironas. 83, 97
Torre de Babel  citação bíblica que fala sobre a construção, pelos homens, da Torre de Babel (Babel significa: confusão). 114
toxinas  produto tóxico de elaboração vital (por bactérias, animais, plantas), capaz de provocar a formação de anticorpos.47
Tradição  conjunto de atos, fatos, ritos, mitos, danças, crenças, usos e costumes, que são transmitidos de geração para geração de um povo e que mantêm preservadas as características culturais desse povo. Para os índios funciona como uma lei transcendental. 57, 89, 106, 110, 114, 115, 116, 120, 121
transexuais  que atravessam ou experimentam todos os limites da sexualidade. 100
transformistas  homens que se transformam visualmente para representar papéis femininos. 100
travestis  disfarce sob o traje de outro sexo. Homossexual que se veste com roupa do sexo oposto. 100
trobriandeses  habitantes do arquipélago Trobriand, grupo de ilhas de coral, no mar de Salomão, ao norte da extremidade oriental da ilha de Nova-Guiné. 98
tuxaua  o mesmo que chefe indígena, cacique ou morubixaba. 114, 118, 119
U
usufrutuários  os que só usufruem sem serem proprietários. 108
V
Valores aquilo que se valoriza individualmente. 21, 25, 30, 31, 35, 37, 40, 44, 47, 55, 56, 57, 61, 62, 65, 71,72, 78, 79, 88, 90, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 113, 115, 116, 117, 127, 128, 129
vida neuro-vegetativa  conjunto de movimentos automatizados (respiração, batimentos cardíacos, etc.) que mantêm a vida do corpo em equilíbrio. 35
vitórias-régias  plantas aquáticas da Amazônia, de folha circular e flutuante. 53
“Viver eu quero. Conviver é preciso !” expressão utilizada no texto para valorizar a convivência humana. Título deste trabalho. 74
voracidade  a condição de ser guloso, voraz; possui o sentido de nunca ficar satisfeito e querer sempre mais. 60, 107, 111
X
xamã  homem ou mulher, entre os indígenas, que exerce a função de feiticeiro, médico, profeta e sacerdote. Benzedor, curandeiro. 52, 82, 114, 115, 116, 119, 121, 122
Y
Yanomami  povo constituído por diversos grupos cujas línguas pertencem à mesma família, não classificada em troncos. Denominada anteriormente Xiriâna, Xirianá e Waiká, a família Yanomami abrange as línguas Yanomami, falada na maior extensão territorial, Yanomám ou Yanomá, Sanumá e Ninam ou Yanam, as quatro com vários dialetos. Os Yanomami vivem no oeste de Roraima, no norte do Amazonas e na Venezuela, num total de 20 mil índios. Habitam as florestas das serras Parima e Pacaraima, numa região com muitos rios e igarapés, afluentes dos rios Demêni, Mucajaí, Catrimân, Urariquera e outros. Referidos desde o século XVIII, constituem o povo mais numeroso da América que mantém seu patrimônio cultural pré-colombiano preservado em alto grau, a despeito das influências ocidentalizantes contemporâneas.
Praticam caça, pesca, coleta e, em menor grau, agricultura. Distribuem-se, no Brasil, em 150 aldeias, formadas por uma ou mais malocas. Cada maloca (ou xabono) abriga de 30 a 150 moradores e algumas chegam a 300. A vida social e econômica dessas comunidades é caracterizada pela intensa movimentação entre as aldeias, situadas de 10 a 100 km lineares umas das outras, distância percorrida em caminhadas pela floresta que levam de um a cinco dias. As relações são fraternais, com trocas, casamentos e rituais em comum. O território dos Yanomami começou a ser invadido no final da década de 1950: a Diocese do Rio Negro estabeleceu a Missão Maturacá em 1956-19557, a missão Evangélica da Amazônia (Meva) instalou-se na região do rio Mucajaí em 1958, a Missão Novas Tribos do Brasil chegou em 1963 e seguiram-se várias outras. Em 1970 a Rodovia Perimetral Norte cortou todo o território e, depois que o Projeto Radam (1975-1976) anunciou a existência de ouro, cassiterita e outros metais na região, afluíram milhares de garimpeiros. Os garimpeiros, estimados em 45 mil até 1987, levaram malária, pneumonia e outras doenças, prejudicaram a caça e a pesca, e causaram a fome e muitas mortes. No final da década de 1980, as forças armadas decidem implantar e consolidar o projeto Calha Norte, para a proteção de uma extensa faixa ao longo da fronteira amazônica brasileira. Para tal é proposto, entre outras medidas, a construção de quartéis e o incentivo da mineração e garimpagem no território imemorial dos Yanomami. Dessa forma, o território Yanomami é demarcado em um conjunto de 19 pequenas ilhas não contíguas, inseridas numa reserva florestal destinada à exploração econômica. Esta demarcação foi questionada pela Procuradoria Geral da República, seguindo-se então uma enfática campanha internacional denunciando o espoliamento do território Yanomami, enquanto estes eram atingidos pela fome e pelas doenças. 86, 119, 120
Z
zoantropia  alteração psíquica cujo portador pode acreditar que é um animal. 29
zoopatia  alteração psíquica cujo portador pode acreditar que tem um animal dentro de si. 30


Sumário
Sobre o Trabalho 7
VELHOS CONCEITOS SOBRE CÉREBRO, MENTE E COMPORTAMENTO 9
A Medicina Assírio-Babilonica 9
Médicos-Sacerdotes 10
Castigo Dos Deuses 11
Terapêutica 11
Comportamento e Doença 11
13
O MITO DA LOUCURA 13
Comportamento Ativo e Reativo: compreendendo as diferenças 18
Primeiros passos sobre um conceito novo 18
Observando o homem e outros animais 20
Comportamento Reativo: na pista de um conceito novo 21
_________________________________________________ 26
Psiquismo, inconsciente e comportamento reativo 26
Cérebro - um computador quase perfeito 29
Funções do Cérebro 30
33
Origem, desenvolvimento e instalação do Comportamento Reativo 33
Comportamento Reativo e Vida Afetiva 34
Mimetismo psicossocial: raízes do comportamento reativo 36
Os três grandes desejos do Homo sapiens 39
Identidade, Família e Cultura: Núcleos Afetivos 42
Família e Poder 44
47
Fantasia e Modelo Esquizofrênico 48
Sinalização: Código Inconsciente 49
Instalando o Radar 50
Recebendo e compreendendo as Mensagens 51
Relação de Qualidade 53
(respondendo aos códigos) 53
Alô....entendi. Câmbio! 55
56
Relação Ativa: a Boa Relação 56
56
Relação Reativa: a Má Relação 56
Amor, Identidade e 57
Cultura Humana 57
59
Amor e Identidade 59
59
59
A Identidade parece 59
com uma Cebola 59
61
A Personalidade e 65
suas múltiplas faces 65
Comportamento Ativo e Reativo: reações humanas 66
Perda da Integração Cultural: 69
A História da Solidão 69
Os antepassados do Homem 69
O Homem cria a Civilização: o caminho para a Solidão 71
O Indivíduo e a Civilização: a experiência da Solidão 74
Individualismo e Patologia: 75
Quem sou eu ? Quem são vocês ? 75
Eu era feliz e não sabia: as tentativas de retorno 79
80
A Ficção do Congelamento: 80
Quem é o culpado ? 80
81
Comportamento Reativo 81
no “dia-a-dia” 81
_________________________________________________________________ 83
Resumo dos Conceitos Básicos 83
• Leitura Profunda 83
83
• Linguagem dos Sentimentos 83
Compreendendo as Mudanças 85
que acontecem 85
A menina do sofá 85
O menino que não gostava 86
de tomar banho 86
O rapaz muito educado 87
O Efeito Vitrine 89
A estória do homem que não sabia ver 89
Comportamento Reativo 91
Auto-Orientado: 91
Solidão e Autodestruição 91
Simbiose Familiar: 95
solidão em Família 95
Família Simbiótica: 95
“gruda que eu gosto” 95
“Não posso crescer porque sou doente” 96
“Por favor deixem-me viver” 98
“Mamãe tenho medo.. .filha, eu também...” 99
Família Hiposintônica: 100
“Não sei se vou, não sei se fico...” 100
“Eu devo me arriscar, ou não...?” 100
Família Homosintônica: 101
“Sou dono do meu nariz” !!! 101
Família Hipersintônica: 101
“Águas passadas não movem moinhos” 101
Comportamento Reativo e Família 101
O caso do tapete: 102
“Meu tapete é mais importante do que você.” 102
Um caso estranho 103
Medicina de branco X medicina de índio 104
O Mito da Doença entre os brancos 105
1º Exemplo: 105
2º Exemplo: 107
O Papel dos Adultos 108
Comportamento Reativo: sinais do Corpo e da Alma 110
A Febre 110
A Dor 111
A Tosse 111
Um caso Militar 114
Comportamento Reativo Grupal Ritualizado 115
Há alguma luz no fim do túnel ? 116
Comportamento Reativo: Ideologia e Trabalho 117
Comportamento Reativo e Resistência: “o computador errou!” 121
TRABALHO 122
AGRESSÃO 122
AUSÊNCIA 123
TIMIDEZ 123
ÁLCOOL 124
Paternidade, Maternidade e Culpa 124
Comportamento Reativo em Casa, na Escola e na Rua 126
126
Comportamento Reativo e Namoro 127
Comportamento Reativo e Sexo 129
Comportamento Reativo e Homossexualismo 133
Furto e Afeto 143
Comportamento Reativo e Drogas 147
147
O valor social das drogas 147
A Droga nas Sociedades Primitivas 148
149
Conceitos e Preconceitos sobre as drogas na Sociedade Branca 149
150
Conceito Atual da Adição de Drogas 150
Admiração, Respeito, Autoridade e Infração 153
Equilíbrio e Desequilíbrio 158
na Cultura 158
159
Sentimento e Gesto 159
Quebrando Panelas 160
O Ovo de Pato 160
161
O Presente dos Colares 161
A Farra de Café 162
A Volta 162
A Distribuição da Comida 162
Uma ou mais Mulheres ? 163
A Lanterna Quebrada 163
164
Poucos filhos 164
Os Cumprimentos 164
165
O Cipó 165
Risos na Canoa 165
O Arco 166
Psicose, Grupo Afetivo e Cura 167
O Homem dos Sacos 167
Explicando os códigos: 169
173
Comportamento Reativo e Dinheiro 173
Punição, Omissão e Culpa: pensando sobre o futuro 174
SUGESTÕES 178
DE LEITURA 178
Glossário 185