sábado, 17 de abril de 2010

MANUAL DA COMUNIDADE ESCOLA

COLEÇÃO COMPORTAMENTO HUMANO


Uma experiência bem sucedida em comunidade de menores infratores

1ª EDIÇÃO


Luiz Gonzaga de Freitas Filho



Biografia do autor: (orelha do livro)

Luiz Gonzaga de Freitas Filho é médico formado pela Universidade Federal do Pará (1970); com curso de formação didática em Psicanálise pelo Grupo Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Belo Horizonte/MG (1979/1983). Médico chefe da Unidade Sanitária de Maués e assistente na Unidade Hospitalar de Parintins - FSESP/AM (1971/1973) coordenou e executou programas de saúde pública. Dirigiu a Divisão de Saúde e Higiene da Secretaria de Saúde do então Território Federal de Roraima (1973/1974) e participou como assistente no Curso de Administração em Saúde Pública promovido pela SESPA/OPS/OMS. Em 1974 chefiou o serviço de socorros de urgência do mesmo Território Federal de Roraima. Em 1976 dirigiu o Hospital da Paranapanema S/A durante o período de abertura de um trecho da rodovia Perimetral Norte. Participou como médico na Unidade de Saúde Eletronorte durante o início de implantação da usina hidroelétrica de Tucuruí/PA na execução de trabalhos de Clínica e Assistência Materno Infantil. Foi, de 1976 a 1985, psiquiatra da Escola FEBEM assessorando e executando trabalhos de reabilitação em comunidade terapêutica para menores Infratores. Durante o período em que viveu na Amazônia fez várias incursões em aldeias indígenas, coletando informações e estudando os trabalhos etnográficos de Pierre Clastres, Bronislau Malinowski, Protázio Frikel, entre outros etnólogos e antropólogos, que produziram trabalhos de campo. Atualmente desenvolve e aplica em consultório metodologia própria para uso em psicoterapia analítica e medicina psicossomática, criando alternativas de profilaxia em saúde mental com seus Grupos de Apoio Familiar.

É autor dos trabalhos:

* "Viver eu quero, conviver é preciso!" (texto).
* Relação de Qualidade (treinamento de pais e educadores para prevenir comportamentos reativos em crianças e adolescentes (slides eletrônicos do Power Point)).
* A Origem da Violência: Uma contribuição ao estudo do comportamento violento.
Em parceria:
* Manual da Comunidade-Escola: uma experiência bem sucedida em comunidade de menores infratores. (texto).
* Aprendendo a Ensinar: uma experiência bem sucedida com menor infrator considerado portador de retardo mental. (texto).
* Amadeu, um caso especial: uma experiência com menor considerado como infrator de “alta periculosidade” (texto).
* Diário de um hospital psiquiátrico

.Em fase de elaboração:
A prevenção da violência - Uma contribuição ao estudo do comportamento violento (texto).


MANUAL DA COMUNIDADE ESCOLA
Uma experiência bem sucedida em comunidade de menores infratores


Luiz Gonzaga de Freitas Filho



NOME – E D I T O R A


Capa: do autor
Copidesque:
Revisão:


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ()
()


Filho, Luiz Gonzaga de Freitas.
A Origem da Violência: Uma contribuição ao estudo do comportamento violento/ Luiz Gonzaga de Freitas Filho – Sete Lagoas, MG E d i t o r a, 1999. - (Coleção Comportamento Humano)

Bibliografia.
ISBN 00 000 0000 0

1. Comportamento 2. Violência 1. Título. II. Série.



00 - 0000 CDD 000.00



Índices para catálogo sistemático:

1. Cultura e Comportamento: Sociologia 000.00
2. Comportamento: Aspectos sociais 000.00
3. Comportamento e cultura: Sociologia 000.00


1ª edição
2000

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:
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Proibida a reprodução total ou parcial. Editora afiliada a ABDR.




COLEÇÃO COMPORTAMENTO HUMANO





Comportamento é ação de pessoas, é um fenômeno que envol¬ve, antes de tudo, gente. Ramo que abrange várias ciências concomitantemente e não pertence ao campo das ciências exatas. Transcende a esfera das meras relações econômicas.

A tendência da humanidade é a de se concentrar nas grandes cidades, o que torna esses núcleos humanos muitas vezes fonte de violência e neurose urbanas.

Dado esse quadro, vemos atualmente deteriorar-se cada vez mais as relações humanas, proporcionando ao indivíduo a experiência da violência nessas relações, que o distanciam da convivência harmoniosa e produzem alterações no seu psiquismo e no seu meio ambiente, tornando-o cada vez mais hostil e inadequado para o bem estar em comum.

Esta coleção pretende ser uma ferramenta de reflexão para todos os que se interessam pelo fenômeno da violência e pelos fatores que determinam sua existência e expansão, assim como para os profissionais atuantes no estudo dessa área, atendendo à demanda por bibliografia nacional e por novas visões da dinâmica social que possam unir vários interesses acadêmicos no grande desafio de fazer com que, no futuro, a vida em sociedade e sua compreensão não seja mais um privilégio de minorias, mas um direito de todo cidadão.

Coordenador






Este livro é dedicado aos menores infratores brasileiros e ás pessoas que ainda convivem ou conviveram entre eles. Meu desejo é resgatar, para a nossa civilização, uma “sabedoria na convivência” que ela ainda não possui.




AGRADECIMENTOS

A todos que, de forma direta ou indireta, tornaram possível esta obra.




SUMÁRIO



CAPÍTULO I 12
Objetivos 12
O menor e a conduta infratora 13
O rótulo de infrator 18
CAPÍTULO II 20
Sobre as anomalias das Instituições do Estado 20
CONTROLE 20
DESCONFIANÇA 20
RIGIDEZ 21
IMPOTÊNCIA E INCAPACIDADE 21
INÍCIO, DESENVOLVIMENTO E FIM DA COMUNIDADE 22
ASPECTOS GERAIS 22
OS PRIMEIROS TEMPOS 24
OS PRIMEIROS OBSTÁCULOS 25
O INÍCIO 25
AS MUDANÇAS 26
OS PRIMEIROS ANOS (1977/78/79) 27
ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO 27
CAPÍTULO III 29
O LIVRO DE OCORRÊNCIAS 29
OCORRÊNCIAS ANTERIORES A 1976 30
OCORRÊNCIAS (1977) 31
OCORRÊNCIAS (1978) 43
CAPÍTULO IV 54
CONSTRUINDO AS LEIS 54
ACORDO DE FUGA E OUTRAS NOVIDADES 57
OS ANOS SEGUINTES (1980/81/82) 58
TEMPOS ÁUREOS (1983/84/85) 61
CAMINHANDO PARA FORA DA COMUNIDADE 61
NASCE A ALA FECHADA 62
CONTATOS COM A FAMÍLIA 63
NASCE A EQUIPE MISTA 64
CAPÍTULO V 69
A INSTITUIÇÃO ESMAGA A COMUNIDADE 69
A DEMISSÃO DA DIRETORA 71
QUEM SÃO OS INFRATORES? 73
POLÍCIA, JUSTIÇA E INFRATORES 74
CONVERSANDO COM UM POLICIAL 75
CONVERSANDO COM UM INFRATOR 75
CAPÍTULO VI 77
O MANUAL ANTIGO 77
ORGANOGRAMA DA COMUNIDADE ESCOLA 116
CAPÍTULO VII 122
Evoluindo para um método 122
Visão sumária sobre o método MIRQ 123





CAPÍTULO I





Objetivos



O objetivo do presente trabalho é demonstrar que as fontes geradoras da conduta infratora - e de outras questões associadas à violência - estão ligadas ao comportamento reativo dos indivíduos nas sociedades. Que esse comportamento reativo tem sua origem nas anomalias da organização social que, atuando sobre o psiquismo humano, produzem desvios no convívio, produzindo insatisfações, com a conseqüente resposta reativa.

Não acreditamos que decretos ou leis humanas possuam ação efetiva sobre o comportamento individual ou sobre grupos de indivíduos. Certamente, a quantidade de leis criadas em todos os paises e em todos os tempos, jamais conseguiu ou conseguirá atingir seus objetivos de caráter social. O controle social é um fenômeno complexo porque deriva do conjunto de comportamentos individuais. A quantidade de leis criadas e a rigidez de sua essência estimulam mais comportamentos reativos e resultam em transgressão. Dizer que uma sociedade é democrática não basta. É necessário que o cidadão sinta essa realidade na pele, na prática, na realidade do dia-a-dia.

A crença dos que ainda apostam na alternativa do Estado, como meio de organizar as sociedades, é tão ilusória como acreditar em duendes e fadas. Desde a mais remota antiguidade outros dirigentes – faraós, reis, imperadores – tentaram a mesma fórmula: reduzir as massas à simples unidades comandáveis. O insucesso reside no fato de que cada ser humano possui seus próprios comandos. A mente humana sempre será regida pela liberdade, pelo bom senso, pela ética, pela justiça e gerenciada pelo livre-arbítrio. Nada conseguirá mudar a ordem natural das coisas.

Voltando ao tema da conduta infratora, em novembro de 1983, foram apresentados trabalhos no II Encontro Latino-americano e VI Encontro Internacional da rede de alternativa à psiquiatria, em Belo Horizonte, publicados na revista Itinerário em fevereiro de 1984. Destacamos dois desses trabalhos para ilustrar como era o pensamento sobre o tema, naquela época.






O menor e a conduta infratora


Antes de entrarmos no tema propriamente dito, gostaria de fazer reparos e levantar questões que me parecem importantes:

1) Em primeiro lugar, lembro que este tema não está desvinculado de outros problemas da nossa sociedade. Pelo contrário, está ligado a muitos outros e é indissociável de uma realidade social integral.

2) Convém lembrar que determinadas expressões usadas rotineiramente para qualificar o fenômeno da conduta anti-social são, na maioria das vezes, inadequadas, preconceituosas e até mesmo discriminadoras. São elas: "menor infrator", "conduta anti social", "menor delinqüente", "menor porta¬dor de distúrbios psicopatológicos", "alta periculosidade" etc. Essas expressões se originam de concepções limitadas e limitantes e servem à compreensão do problema segundo a formação do cidadão que a utiliza e aos valores inerentes a essa formação. Servem a diferentes fins, menos à compreensão clara e ao efetivo retorno do adolescente das classes marginalizadas ao seu lugar afetivo e social. Por exemplo, a expressão "menor infrator" pres¬supõe que a ordem social vigente é satisfatória e estaria sendo agredida injustificadamente pelo "menor infrator".

O termo "menor" que abarca desde o neonato até o jovem de 18 anos de idade é visivelmente inadequado, porquanto nega as diferentes etapas do desenvolvimento biológico, psicológico e social pelos quais passa o indivíduo nesse processo de crescimento. Essa divisão rígida de “maior” e "menor" leva em consideração precipuamente a responsabilidade penal do indivíduo para a aplicação da lei. A pobreza dessa concepção não permite a compreensão das causas que levam à infração, nem esclarece as situações psicossociais de cada fase evolutiva pelas quais passa o indivíduo.

3) Refutamos a importância abusiva que se tem pretendido dar ao problema, enquanto sistematicamente tratado como fenômeno meramente médico psiquiátrico, psicológico ou jurídico policial (legal); condenamos as ações inconseqüentes do uso excessivo de internações desnecessárias, do uso de psicofármacos "socializantes" e da confusa teia das psicoterapias condicionantes empregadas indiscriminadamente. Isso têm demonstrado a ineficácia e os riscos proporcionados por esses métodos.

Cumpre, portanto, denunciar as instituições e as práticas rotuladoras, que se estendem desde os diagnósticos médico psiquiátricos às internações indevidas, passando pelos métodos de “terapeutização", onde os jovens quase sempre assumem o papel passivo, até aos atos de detenção, repressão e tortura, ainda fortemente utilizados nas delegacias e estabelecimentos penais. Essas práticas cumprem, ao nosso ver, a função de promover a "indústria da doença", mantendo o número de jovens “doentes” necessários à continuidade dessas estratégias meramente lucrativas. Por outro lado, o caráter punitivo das detenções e dos métodos repressivos funciona como elemento estimulador de uma reatividade, progressiva¬mente orientada para a conduta anti-social. Há sete anos trabalhamos de modo cooperativo num sistema de comunidade escola fazenda e temos observado que a manifestação da conduta reativa só prolifera quando as práticas empregadas e os objetivos maiores da comunidade e dos indivíduos que nela se movimentam, se opõem aos anseios, aos projetos e às possibilidades de adaptação dessas pessoas ao ambiente onde vivem.

Nossa concepção é a de que to¬das as pessoas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultos, necessitam de um lugar geográfico, afetivo e cultural onde possam organizar se interna e externamente. Se nesse lugar é possível ter uma identidade pessoal, operativa e só¬cio cultural, a conduta se manifesta de modo diferenciado, facilitando globalmente a expressão da personalidade reativa do adolescente na direção da sua participação construtiva.

Entendemos que por detrás do rótulo de “infrator”, os adolescentes, que são encaminhados para a comunidade escola, possuem uma capa¬cidade afetiva, laborativa, intelectual, criativa e uma potencialidade visível de integrar se socialmente, a partir de uma vontade crítica. Nossa concepção de trabalho se fundamenta, portanto, no pressuposto de que todas as pessoas, independentemente de idade, classe social, cor, etc, possuem a capacidade de se organizar em grupos e individualmente, desde que possam expressar livremente seus sentimentos, pensamentos e ações, limitados apenas pela ordem consensual da própria organização comunitária da qual participam.

Desvalorizamos propositadamente as intervenções psiquiátricas, pedagógicas e terapêuticas, enquanto práticas desprovidas de sentido real para a vida da comunidade. Preferimos entendê las como instrumentos de apoio e ajuda, dentro das necessidades sentidas pelos membros da comunidade, ao invés de instrumentos de persuasão, controle e coerção.

Chamamos de conduta reativa às manifestações expressivas da conduta, comuns na fase adolescente, que procuram se movimentar no sentido da adaptação da personalidade às circunstâncias e vicissitudes que o ambiente lhe proporciona. Sabemos que nos adolescentes pobres das classes marginalizadas essas circunstâncias e vicissitudes, vivenciadas precocemente desde a fase gestacional e infância, imprimiram marcas profundas no desenvolvimento global da personalidade, gerando, com isso, movi¬mentos intensos de reatividade. É através da conduta que essa reatividade (infração) se manifesta e pode assumir diferentes formas, desde os intensos quadros de pseudoautismo, de¬pressão e suicídio, até os comportamentos confusionais, maníacos e homicidas. Temos aprendido continuamente, nesses anos, que o principal fator de cura ou de atenuação ponderável da conduta reativa do adolescente marginalizado, é a oferta de um ambiente facilitador para a livre expressão de sua personalidade irrequieta e contestadora, ao mesmo tempo em que lhe são lembrados os limites dessa liberdade, quando es¬ta começa a ultrapassar as regras estabelecidas, em consenso, pela organização da comunidade, que ele próprio ajuda a construir.

Nos casos em que é necessário um atendimento emergencial com medicação ou medidas contensoras, tomamos os cuidados necessários para que haja prévio acordo por parte do atendido ou que haja um sentido de proteção para o próprio assistido e para a comunidade que o rodeia. Nesse período de sete anos de convivência fomos obrigados a utilizar medicação psiquiátrica por três vezes, com pleno acordo do adolescente atendido e por tempo predeterminado, numa população média flutuante de cem jovens. Temos absoluta certeza de que todos os indivíduos, incluindo os adolescentes pobres, necessitam profundamente de um grupo afetivo que os valorize, que lhes proporcione identidade pessoal e que os promova e os aprove por seus atos construtivos dentro do espaço social. É por essa razão que colocamos os rituais terapêuticos sofisticados, as práticas pedagógicas moralistas, as armas químicas contenedoras e as punições desnecessárias, na prateleira da ineficácia, por não serem entendidas por nós como medidas significativas na obtenção de bons resultados.

Por outro lado, temos encontrado inúmeros obstáculos nesse caminho, começando pelas nossas próprias dificuldades pessoais em sermos abertos para novas idéias ou tolerantes e flexíveis o suficiente, para enfrentar situações críticas. Nossos erros, por vezes imperdoáveis, têm nos servido para aprender com os jovens a verdadeira prática da convivência, do trabalho e da vida.

Propositadamente, não me atenho a considerações teóricas de conteúdo acadêmico ao abordar tão importante tema por não considerá-¬Ias mais importantes que os princípios e as ações práticas. Fundamentamos esses princípios e essas ações práticas na certeza de termos constatado que a organização social atual, seus valores e suas regras de convivência, têm sido a verdadeira fonte geradora, não apenas dos desastres ecológicos e climáticos, mas também, e sobretudo, da emergência cada vez mais assustadora das anomalias do comportamento humano e das conseqüências decorrentes desses desequilíbrios. Temos cons¬ciência de que o conhecimento e a prática científica só apresentam sentido e valor quando submetidos ao julgamento dos cidadãos, dos grupos e das comunidades; e que os benefícios dos mesmos só possam ser utilizados de forma justa e refletida.

Para finalizar, achamos que nesses poucos anos temos aprendi¬do algumas lições que, numa tentativa de resumo, poderiam ser as¬sim expressas:

• As pessoas, independente¬mente de classe social, cor, sexo e outras particularidades, necessitam se expressar com liberdade e possuem capacidade inata de se organizarem em grupos e em pequenas comunidades, para poderem se equilibrar internamente como pessoas. Não necessitam de controles, modelos e regras cria¬das a partir "de fora" de seus próprios interesses ou aspirações, e, inevitavelmente, reagem contra elas. Essas reações podem ser rotula¬das de "doença mental", "conduta anti social", "drogadição", ou outra qualquer denominação que se queira dar;

• Os controles podem vir disfarçados sob denominações como: “tratamento psiquiátrico", "psicoterapia", "fé religiosa", "disciplina militar", “trabalho intenso para progredir na vida", etc.

• O homem atual, em função de sua extraordinária habilidade de se adaptar aos ambientes mais hostis, continua desenvolvendo sua capacidade de se organizar e for¬mar grupos desde as suas origens nas árvores e nas cavernas. No entanto, atualmente, a formação desses grupos possui conteúdo fortemente reativo e na direção oposta aos controles sociais que tentam limitar sua liberdade na convivência.

• As crianças, os jovens e os adultos formam subgrupos distintos, com suas regras e valores deter¬minados pela própria fase da vida em que se encontram. Convivem juntos, são interdependentes, mas pensam, sentem e agem de forma própria. Os povos denominados, por alguns, como "primitivos” apresentam maior capacidade de intuir e perceber essas diferenças, assimilando as e incorporando as à vida da comunidade de modo mais equilibrado.

• Os desvios do comportamento nas crianças, jovens e adultos, são conseqüência da desorganização sociocultural e não de pretensas fragilidades e incompetências individuais, chamadas vulgar¬mente de “doenças” e de “inaptidões” ao convívio social.

• Na comunidade Monsenhor Messias valorizamos o uso do "acordo" como forma de atingir o "desacordo", para que este possa ser manifestado e compreendido, mas nunca reprimido.

• A conduta, como fato concreto, substitui as inferências teóricas sobre tendências e comportamentos não manifestos e diminui a possibilidade de erros e julgamentos grosseiros.

• O número reduzido de pessoas na comunidade facilita a identidade pessoal e grupal, melhora os contatos e humaniza as relações;

• O livre exercício do pensamento, do sentimento e da ação, nos limites flexíveis de tolerância que a comunidade pode suportar, ajuda a desreprimir e orienta a reatividade para uma direção reflexiva, crítica e social;

• As formas de reagir: hipocondríaca, destrutiva, chantagista, do tipo "tira vantagem", do tipo "filho ¬obediente", do tipo "rapaz comportado" e outras do mesmo teor, são sistematicamente desvalorizadas e não frutificam no ambiente.

• Não valorizamos o culto à personalidade de quem quer que seja, dentro ou fora da comunidade, facilitando com isso a distribuição eqüitativa da virtude e do de¬feito a que todos estão sujeitos.

• Tentamos sempre guardar nossos conhecimentos psiquiátricos, terapêuticos e pedagógicos para os momentos reais de ajuda e apoio que só podem tornar se efetivos quando solicitados, implícita ou explicitamente.

• Não apostamos um centavo sequer na idéia da comunidade “paraíso institucional", por ser ingênua, mas sentimos necessidade de acreditar num processo de superação de leis, normas e valores sociais que transcendam os limita-dos muros das instituições e se projetem na nossa prática cotidiana, em qualquer lugar que possamos estar.

• Temos, por vezes, o hábito de, como o adolescente reativo pobre, criticar as instituições, seus controles e sua rigidez, sem estabelecer, paralelamente, uma crítica às nossas próprias necessidades de controlar e ser rígidos com os outros e conosco mesmos. Talvez a diferença funda¬mental seja a de que somos adultos e nossos estômagos regularmente estão cheios.

• Temos consciência de que a experiência que vivenciamos na comunidade Monsenhor Messias não deve e não pode ser transplantada, tal como é, para outras comunidades existentes ou em formação. Cada comunidade deve se organizar de modo próprio e estar aberta à crítica e ao debate, em ambiente livre e expressivo.

• Os movimentos culturais de natureza ritualística devem ser facilitados, e estimulados, pois representam uma forma espontânea e milenar de expressão e elaboração de conflitos humanos.

Somos, queiramos ou não, a base viva das instituições e da organização social. Dependem, sobretudo, de nós, os movimentos indispensáveis para a superação do tipo reativo de vida em que nos encontramos.



LUIZ CONZAGA DE FREITAS FILHO
Psiquiatra da Escola FEBEM "Monsenhor Messias"




Trabalho apresentado no II Encontro Latino-americano e VI Encontro Internacional da rede de alternativa à psiquiatria, em Belo Horizonte, novembro/83.





O rótulo de infrator


Quem pode negar o poder que a sugestão exerce em nosso inconsciente? É comum, no dia a dia, nos flagrarmos adquirindo o produto que tem mil e uma utilidades, fumando o cigarro do tipo “Ieva-vantagem" ou ainda usando a roupa que é a pele do jovem, sem percebemos que o fazemos levados pela sugestão, repetida incansavelmente pelos meios de comunicação.

Em nosso trabalho com os alunos da Escola Febem Monsenhor Messias, podemos verificar o quanto es¬se processo de sugestão ocorre e o quanto ele é prejudicial na formação do jovem, que virá a ser chamado de infrator.

Analisando o "processum vitae" de nossos educandos, verificamos que seus problemas de conduta co¬meçam muito cedo, quando ainda são pouco mais que bebês. Seus pais ou responsáveis geralmente indicam suas condutas reativas como "maus procedimentos" e é comum ouvirmos deles, com relação aos filhos, citações como: "Esse não tem mais jeito", isto é, desde pequeno já sofri muito com ele. "Não adianta mais, já lhe dei todo o tipo de castigo possível", etc.

A rotina do ambiente familiar é a do reforço pela conduta negativa. A cada problema, o menino ouve as mesmas recriminações, os mesmos lamentos. Muito pouco ou nenhum elogio advém de um sucesso. A relação que marca mais profundamente o educando é sempre a conseqüência de uma conduta errada, e por isso ela é sempre repetida.

Com o tempo, há o abandono da família e a união com outros meninos em situação semelhante. Nova¬mente ocorre o reforço das atitudes destrutivas. O melhor é sempre o mais audacioso, agressivo, valente. Nas passagens pela delegacia de polícia a sugestão é revigorada com a repetição de que "você não presta".

Com todo esse reforço, é claro que na época de seu internamento na FEBEM, como infrator, o menor sente se e age como tal, porque é is¬to que se espera dele. O conceito que tem de si próprio foi o que conseguiu formular durante todo o tempo de sua vida, escutando as opiniões a seu respeito emitidas por todos aqueles com quem conviveu, e, portanto, só pode ser depreciativo e inferior. Por isso, é muito comum ouvirmos de um aluno recém¬ admitido citações a respeito de si próprio, do tipo "Eu não sei fazer nada. Não consigo"; "Não terei muitos anos de vida. Nasci para ser ladrão e ser morto pela policia". "Este é meu destino" etc.

Nosso trabalho na unidade de Sete Lagoas baseia se, principal¬mente, em acreditar no potencial positivo que todas as pessoas possuem, dando chances para que este potencial se desenvolva. Novos valores são apresentados em contra-partida aos que lhe nortearam a vi¬da. Enfim, é lhe dado conhecer um modo alternativo de vida, no qual a solidariedade, a confiança e o respeito têm lugar de destaque.

Após muito trabalho, o aluno é desligado e aí ressurge o preconceito. Ele é um ex infrator, um egresso da Escola Febem Monsenhor Messias. É justo que, após anos de es¬forço do aluno e nossos, o rótulo volte a marcar lhe a vida?

O perigo de rotular alguém não está apenas no fato de que isso resulte na rejeição do rotulado pelas pessoas, mas também, e principalmente, no fato de incutir nele um papel a desempenhar.

Com o tempo, o rotulado passa a acreditar se diferente e até mesmo a sentir se como tal.

O "doente mental" tem, após a sua alta, que recuperar também o crédito das pessoas que o cercam, para deixar de sentir se doente. Com o "ex infrator" o que acontece é algo semelhante. Ele precisa sentir se valorizado e apoiado para sentir se recuperado. Como reestruturar sua vida, se o ambiente e as pessoas lhe forem hostis, negando lhe o direito de reerguer se de uma queda?

O papel da sociedade na recuperação do menor, dito infrator, é muito mais importante do que o atribuído e esperado pela FEBEM, pois é nela que está a complementação do trabalho. É preciso que as pessoas compreendam e assumam sua parcela de responsabilidade nesta tarefa, respeitando o nosso egresso, sem rótulos, pelo que ele é e pode vir a ser, esquecendo o que ele foi e respeitando lhe o direito de ser aceito e amado.



Ziléa Barbosa de Freitas
Diretora da Escola FEBEM "Monsenhor Messias"

Trabalho apresentado no II Encontro Latino-americano e VI Encontro Internacional da rede de alternativa à psiquiatria, em Belo Horizonte, novembro/83.


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Os textos acima foram publicados na revista Itinerário, publicação da Assessoria de Comunicação da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor de Minas Gerais, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social Belo Horizonte Fev/1984.

CAPÍTULO II



Sobre as anomalias das Instituições do Estado


Em outro trabalho - A ORIGEM DA VIOLÊNCIA: uma contribuição ao estudo do comportamento violento – dizíamos que “O Estado é uma concepção abstrata criada pelo homem. Representa o conjunto das Instituições que tentam ordenar a vida política, econômica, legislativa e religiosa de um agrupamento humano. Na verdade é constituído por castas de pessoas (burocratas) que detém todo o poder sobre o agrupamento (povo), através de procedimentos normativos (Instituições)”.

Uma das incongruências das instituições do Estado é não possuir conexão lógica com a diversidade de interesses dos grupos étnicos ou com os interesses diversificados que cada agrupamento humano possui. Uma descaracterização e desumanização da vida em grupo. Organizado como se fora uma empresa o Estado, através das instituições, trata com visão utilitária e monetarista seus protegidos(?), esperando deles obediência e produtividade, relegando a planos inferiores suas tradições, crenças, costumes, enfim, sua identidade cultural.

Essa realidade se mostrou verdadeira em todo o período de nove anos que trabalhamos na Escola FEBEM "Monsenhor Messias". Antes, porém, que comecemos a traçar um roteiro sobre o início e fim dessa experiência educativa, queremos abordar alguns pontos importantes sobre como se exerce a prepotência dos burocratas nas instituições. É importante destacar que os mesmos fenômenos que serão descritos abaixo são comuns nas famílias neuróticas do nosso tempo, talvez uma simples extensão recíproca desses dois espaços sociais.


CONTROLE

Os burocratas, como os pais, alimentam a ilusão de deter controle absoluto sobre seus comandados. Nada pode acontecer sem que passe pela sua observação e autorização. A sabedoria se originaria, segundo pensam, na concentração das ordens e nos desejos do chefe. Os subordinados seriam sentidos como seres irresponsáveis, com pouca experiência, sujeitos a muitos erros, isto é, imaturos. A função do burocrata estaria centrada na fantasia de controlar essa possibilidade de descontrole latente dos subordinados.


DESCONFIANÇA

Sentimento comum e esperado na relação com os subordinados que, nas fantasias do burocrata, poderia o estar protegendo dos boicotes e das ameaças de tomada do poder adquirido, por alguém com maior capacidade. Inseguro e com receio de admitir as potencialidades e habilidades demonstradas pelos subalternos, o burocrata os oprime. Talvez uma necessidade compulsiva de mostrar às instâncias superiores da teia institucional, sua força e superioridade em relação aos demais.


RIGIDEZ

É uma característica comum nos agrupamentos sociais – incluindo a Família – onde o poder não pode ser partilhado e o objetivo maior está concentrado na produção e obtenção de bens. Quando as relações humanas são reduzidas ao tamanho da escala de produção e de consumo, passam a ser rigidamente controladas pelo tempo, pelo custo e pela qualidade do produto. A convivência se limitaria à venda, à troca e às possibilidades de novos negócios. Essa é a função da rigidez: proporcionar “uma vida melhor”, segundo as normas vigentes. Essas são as fantasias partilhadas entre burocratas nas instituições.


IMPOTÊNCIA E INCAPACIDADE


Como nas instituições o todo importa menos que as partes, ou seja, o modelo funciona em base individualista - cada parte cuida mais dos seus interesses pessoais do que dos objetivos gerais -, ela abre brechas para que esses interesses pessoais possam fluir. Por essa razão, muitas vezes, as instituições se tornam impotentes para gerir o bem comum. Por essas fendas deslizam a vaidade, a ganância, a bajulação, a promoção, enfim, tudo o que possa ser sentido como vantagem pessoal. Esse hábito transforma a maioria das instituições em terreno propício a instalação do parasitismo desenfreado e da corrupção, determinando a sua desestruturação e originando sua impotência e incapacidade para alcançar os objetivos para os quais foram criadas.

Cientes dessa incapacidade e fragilidade institucional, os membros da Equipe de Educação e Reabilitação da Escola FEBEM "Monsenhor Messias" puderam, com tranqüilidade, projetar e conduzir seu trabalho durante nove anos introduzindo, no espaço das relações da comunidade, práticas saudáveis ao convívio social, organizando a estrutura administrativa e incorporando nas atividades os conceitos psicopedagógicos necessários para lidar com a conduta reativa. Agimos sempre com firmeza e determinação no sentido de não permitir que essa linha educativa fosse desviada de seus objetivos por normas e determinações superiores que pudessem alterar os rumos e as mudanças conseguidas pela comunidade. Sabíamos que o centro de decisão institucional se situa literalmente distante da realidade da vida comunitária, portanto, conseguimos durante quase uma década, atuar de forma diferenciada e, ao mesmo tempo, manter relações cordiais com a burocracia da instituição, conquistando uma autonomia e identidade nas atividades de rotina. A comunidade se autogeriu durante longo tempo, independentemente das normas institucionais e apesar delas. Mas não conseguiu se sobrepor aos interesses maiores da cúpula institucional submissa a uma ditadura militar vigente na época.




INÍCIO, DESENVOLVIMENTO E FIM DA COMUNIDADE




O tempo e a experiência mostram aos cidadãos o que de verdadeiro existe no interior das instituições e a natureza do caráter da maioria dos seus dirigentes. Pelo fato de nascerem da força dos decretos, desvinculadas de anseios verdadeiramente sociais, elas já nascem sem alma. São máquinas burras que acabam desvirtuando os objetivos para os quais foram criadas. Foi o que aconteceu na Escola FEBEM “Monsenhor Messias”. Uma experiência-modelo truncada no auge da sua evolução.


ASPECTOS GERAIS


Nosso primeiro contato com a Escola FEBEM “Monsenhor Messias” se deu em novembro de 1976. A primeira impressão que tivemos foi de desolação. Era o retrato de um depósito de infratores, decadente, sujo, pobre e sem vida. A face desanimada e conformada dos funcionários e a postura agressiva e reivindicativa dos internos se ajustavam, compondo um clima de campo-de-concentração. Um gueto instalado longe da cidade de Sete Lagoas. Baixos salários, comida ruim, falta de higiene e desorganização generalizada. O grande espaço de uma fazenda com muito verde contrastava com os velhos prédios, cheios de rabiscos e rachaduras. A falta de informações sobre organização administrativa, objetivos, população, faixa etária, e outras de vital importância, simplesmente não existiam. Aquela unidade da Febem havia atingido o máximo do seu declínio. A baixa escolaridade dos funcionários e a falta de expectativa de empregos melhores os mantinham presos àquelas ruínas. Estava situada na localidade de Wenceslau Braz, a vinte quilômetros de Sete Lagoas e a noventa de Belo Horizonte.

O tipo de governo existente era centrado na figura do diretor. Ele exercia uma postura paternalista-assistencialista e possuía uma influência carismática sobre alunos e funcionários. Referia-se aos internos como “jovens irresponsáveis”, “elementos de alta periculosidade” e outras expressões que denotavam o seu pouco interesse ou competência no lidar com assunto que julgava ser de responsabilidade do Estado. Alguns funcionários mais próximos eram contemplados com certos privilégios, enquanto outros, mais distantes, eram esquecidos. As questões disciplinares eram deixadas nas mãos do chefe dos monitores – o “Seu” Francisco, um homem dotado de coragem e determinação, sério e muito respeitado na comunidade. Tinha um porte físico avantajado e tomava as decisões sempre que outros funcionários o solicitassem. Anotava as ocorrências mais importantes em pequenos pedaços de papel e os apresentava ao diretor quando este aparecia na escola.

As questões de alimentação e limpeza eram deixadas nas mãos de uma senhora que cuidava da confecção das refeições e da limpeza geral – a Dona Maria. Era uma mulher dinâmica e trabalhadora que cuidava das tarefas domésticas como se estivesse em sua própria casa. Sempre ansiosa e preocupada com a quantidade de gêneros que demorava a ser enviada, da sede da Febem em Belo Horizonte, a escola e que geralmente chegava em quantidade insuficiente e com má qualidade. Era muito respeitada pelos alunos e funcionários. Tomava as decisões sempre que suas auxiliares de limpeza e cozinha a solicitassem. Estava em permanente litígio com o encarregado do almoxarifado que tinha a função de controlar e liberar o material necessário ao funcionamento da escola e que, ao que se dizia, desviava gêneros com freqüência.

Na verdade a comunidade funcionava num sistema “laissez-faire”, onde feudos dividiam o poder, disputando a simpatia do diretor que, quase sempre, estava distante, cuidando de assuntos políticos na cidade de Sete Lagoas. A segurança, a cozinha e o almoxarifado representavam os setores de maior interesse para o diretor, talvez, porque neles residissem as únicas esperanças de subsistência das pessoas que ali residiam. Outros setores como a horta, a sapataria e a roça existiam para justificar a presença e os salários minguados dos funcionários que lá trabalhavam.

Funcionava no prédio central da comunidade uma escola de 1ª a 4ª série, resultado de convênio entre Febem e Secretaria de Educação e Ensino (S.E.E.) de Sete Lagoas. A precariedade do seu funcionamento e as dificuldades materiais e humanas ali existentes eram proporcionais a tudo o mais que se via naquela comunidade-fazenda. As lamentações da coordenadora dessa escola só eram superadas pela sua dedicação e pelas esperanças de uma meia dúzia de professoras com as quais dividia seu desespero. Não eram treinadas para trabalhar com alunos portadores de conduta infratora. O medo e a incerteza destacavam-se em seus rostos e, em casos de dúvidas, delegavam suas decisões para o chefe dos monitores.

A uma distância aproximada de meio quilometro ficava o Pavilhão de Segurança (conjunto de celas). Era um prédio velho e úmido onde ficavam detidos os recém chegados, encaminhados pelo juizado de menores, após triagem e encaminhamento para a sede da Febem de Belo Horizonte. Muitas vezes eram encaminhados sem qualquer informação relevante e, algumas vezes, simplesmente por perambularem pelas ruas ou incomodarem a ordem pública. O tratamento e os métodos usados nessas celas dependiam do humor e do bom senso do monitor encarregado de vigiá-los. Espancamentos e fugas eram comuns e havia, por parte dos monitores, um certo temor de retaliação posterior a saída deles para a parte aberta da comunidade. Outros ficavam por longo tempo presos nesse lugar, por determinação judicial, e eram esquecidos pelo juiz e pela maioria dos funcionários da Febem.

Entre os internos da ala aberta destacava-se a lei do mais forte, exatamente igual aprenderam na família e nas ruas. Os mais velhos e mais violentos assumiam as lideranças e comandavam saques ao almoxarifado e as casa dos funcionários com os quais não simpatizavam. Arrombavam portas e penetravam nos prédios para roubar ou destruir objetos ou documentos. Suas roupas e sua higiene pessoal eram semelhantes ao que era usado na rua e nas delegacias de polícia. Drogas e produtos de furto eram guardados em esconderijos dentro e nas imediações da escola. As punições e ameaças eram os meios mais utilizados pelos monitores para impedir as condutas delituosas.

Freqüentemente o diretor era surpreendido por reclamações de moradores das vizinhanças e de Sete Lagoas. Internos que se evadiam da escola, sem serem percebidos, praticavam arrombamentos e furtos e se escondiam na escola ou fugiam definitivamente da comunidade. Moradores das cidades vizinhas conheciam a Escola FEBEM “Monsenhor Messias” sob a denominação de Reformatório “Alfredo Pinto”, sinônimo de local de detenção de menores delinqüentes.

Havia, de certa forma, um acordo implícito entre funcionários e internos que talvez pudesse ser explicitado pela seguinte frase: “não interfira na minha vida e no meu emprego e eu procurarei não tomar conhecimento do que está acontecendo”. A instituição, como fator de sobrevivência, era mais importante do que os sentimentos, princípios e valores circulantes. A ética da sobrevivência poderia estar sendo o eixo dos interesses de ambas as partes.


OS PRIMEIROS TEMPOS


Tínhamos sido convidados pela Assessora de Planejamento da Direção de Educação e Assistência da FEBEM Minas Gerais, para assumir a direção da Escola FEBEM “Monsenhor Messias”, uma escola de infratores, dentro de um projeto global de reestruturação planejado por setores progressistas da cúpula da FEBEM Minas Gerais, seguindo as recomendações da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM). O propósito era mudar o panorama crítico existente na rede de escolas sob responsabilidade da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM) em Minas Gerais. Como as unidades de infratores são as que mais incomodam as autoridades e repercutem negativamente, via mídia, na estabilidade das instituições e na distribuição de funções de poder institucional, a Escola FEBEM “Monsenhor Messias”, em Sete Lagoas, para infratores do sexo masculino e a Escola FEBEM “Barão de Camargos”, em Ouro Preto, para infratores do sexo feminino, foram priorizadas com destaque no processo de reestruturação.

Na fase de diagnóstico e levantamento das necessidades primárias ficamos surpresos com a desorganização e carência generalizada. Tínhamos delegação da assessora de planejamento para dirigir a Escola FEBEM “Monsenhor Messias” e contratar pessoal técnico e auxiliar para compor uma equipe que pudesse fazer frente ao trabalho de reorganização que se fazia necessário. Nunca tínhamos trabalhado com esse tipo de clientela. Nossa experiência reunida contava com alguns anos de trabalho com detentos, doentes mentais e planejamento nas áreas de educação e saúde. Mas éramos jovens e tínhamos uma expectativa de que poderíamos aprender a lidar com essa nova missão.

Dentro de nós havia um certo temor pela dimensão do empreendimento e pela falta de referências de outros trabalhos dessa natureza. Porém, o apoio que recebemos de alguns funcionários da sede da FEBEM em Belo Horizonte e a vontade de acertar, nos empurrou para frente.


OS PRIMEIROS OBSTÁCULOS

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No dia da nossa primeira visita a escola não fomos recebidos pelo diretor, que morava na cidade de Sete Lagoas. Soubemos que vinha algumas vezes durante a semana à escola para resolver questões burocráticas. Ele havia sido avisado de que seria substituído por uma equipe técnica e, durante algum tempo antes, havia iniciado uma campanha de desvalorização do novo trabalho e de incitamento dos funcionários e alunos no sentido de resistirem às mudanças. Fora-lhe solicitado pela direção da FEBEM em Belo Horizonte que nos ajudasse, prestando diversas informações para facilitar nossa adaptação ao novo ambiente. Não apareceu nas semanas seguintes à nossa contratação como dirigentes da escola, mas soubemos que a visitava durante a noite após o expediente, quando estávamos ausentes, para reforçar seu trabalho de oposição. Ao comunicar essas ocorrências à direção da FEBEM, fomos informados que sua demissão já havia sido concluída, mas que ele contava com certa influência nos meios políticos de Sete Lagoas e ainda era apoiado por alguns funcionários antigos da direção da FEBEM e da escola.

Essa situação durou vários meses. Sentíamos sua influência pelas atitudes hostis de funcionários e alunos. Em Sete Lagoas usava as lideranças com as quais convivia para dizer que havia sido traído pela FEBEM e para divulgar que a escola agora iria ser dirigida por um grupo de jovens inexperientes. Fomos obrigados a comunicar-lhe que estava proibido de visitar a escola durante a noite e que seriam tomadas providências legais se isso continuasse a acontecer. Após alguns meses essas pressões foram diminuindo até desaparecerem totalmente.


O INÍCIO


O primeiro ano de trabalho foi o que se mostrou mais difícil. Após algum tempo de reconhecimento do ambiente, dos hábitos e costumes da comunidade e contatos com funcionários e alunos, iniciamos pelo mais urgente: faxina, mudança da qualidade do padrão alimentar, reestruturação física e administrativa, opção pelo sistema de governo e pelos referenciais psicopedagógicos. Encerrada a contratação de pessoal técnico indispensável, de nível universitário, foi formado um primeiro grupo de trabalho para implementar essas primeiras ações, com a participação de técnicos e funcionários e que, no futuro, se constituiu no que passamos a chamar de Equipe de Educação e Reabilitação.

A tarefa mais complexa foi a de convencer funcionários e Equipe a reagir de forma diferenciada ao comportamento reativo dos alunos. Talvez essa tenha sido a mais ousada meta no processo de mudança de hábitos institucionais em ambiente de infratores adolescentes. Implementar uma metodologia que substitui uma visão punitiva e preconceituosa, por outra que acredita na transição de comportamentos reativos em comportamentos ativos; ou seja, responder qualitativamente através de uma compreensão dos mecanismos inconscientes que geram os comportamentos reativos que resultam na infração. Mais difícil ainda foi transformar a proposta em prática, pois o fato de vivermos numa sociedade alienada não nos dá uma visão crítica segura e suficiente para produzirmos transformações dentro de nós mesmos.


AS MUDANÇAS


Foi nesse clima de incertezas que iniciamos o trabalho. As resistências foram inúmeras, não apenas dos funcionários de baixa escolaridade, mas, em muitos casos, dos técnicos de nível superior, contratados para provocarem as mudanças. Com o passar do tempo concluímos que acervo e competência intelectual, por si só, não são suficientes para construir mudanças internas e externas. É bom lembrar que, nesse período (1977/1979), estávamos em plena ditadura militar no Brasil!

Nesses três anos agimos por intuição. Nem mesmo a metodologia estava completamente clara para nós. Tínhamos em mente que conhecimentos científicos de diferentes áreas (Psicologia, Psiquiatria, Psicanálise, Antropologia, Sociologia, Política, Educação, etc) precisavam juntar-se num todo interdisciplinar não-acadêmico e que, toda a comunidade precisaria participar. Essa participação teria que incluir: igualdade de direitos, liberdade de expressão, partilhamento do conhecimento e do poder. Os funcionários, para provocar mudanças, precisavam compor o discurso de forma coerente com as ações, pois os adolescentes com as experiências da rua e da família percebiam tudo de forma autoritária. Estávamos numa sociedade capitalista e num regime de exceção, o que vigia era a lei do mais forte. Falar em direitos dos adolescentes ou direitos humanos era um risco nessa época. Tínhamos aprendido nas aldeias indígenas que a liberdade é o bem supremo numa sociedade e que a expressão individual é sua prática. Segundo eles a lei é determinada pelo grupo, através do consenso, onde a figura humana representa o objeto principal da convivência; onde ninguém precisa sentir medo de ninguém, pois a ninguém pode ser delegado o privilégio absoluto do poder. Todo respeito à lei se baseia no diálogo que constrói o acordo. Os líderes para serem respeitados não podem impor seus desejos, pois é esse o estímulo que gera a violência e a reação do grupo. É o grupo que cria e gere a arquitetura das relações sociais e os líderes apenas a representam.

O trabalho deveria se desenvolver seguindo esses parâmetros. Para nós, o conhecimento técnico e cientifico de qualquer pessoa da comunidade deveria ser utilizado apenas como instrumento para obter objetivos comuns. Nenhuma ideologia deveria denominar essa experiência e nem mesmo a metodologia possuía um nome definido. Foi assim que começamos.




OS PRIMEIROS ANOS (1977/78/79)




ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO



Concluída a reforma dos prédios, a faxina geral, a mudança da qualidade do padrão alimentar, a reestruturação administrativa e a opção pelo sistema de governo e pelos referenciais psicopedagógicos, decidimos começar por nós mesmos. Dividimos a comunidade em blocos operativos para organizar as atividades e facilitar a obtenção de dados. Cada bloco operacional deveria ter um representante com direito a voz e voto na Equipe de Educação e Reabilitação. A equipe era constituída pelos representantes dos blocos, debatia as questões e tomava as decisões através do voto de maioria. Outras pessoas poderiam participar desde que convidadas pelos representantes. O Conselho Diretor congregava os funcionários que coordenavam e representavam os departamentos. A diretora coordenaria as reuniões do conselho diretor ou indicaria outro funcionário para tal fim. Essa era uma forma simplificada de organizar a estrutura funcional da comunidade, pois tínhamos que prestar contas à sede da Febem sobre os aspectos administrativos e psicopedagógicos da Unidade.

Estava assim constituída:

1 Conselho diretor
2 Equipe de Educação e Reabilitação
3 Departamentos
4 Divisões

O foco da nossa atenção estava voltado para os resultados dessa nova experiência e para os problemas e soluções encontradas nesse percurso. Controlar essas variáveis significaria aprendizagem e pesquisa dentro da Unidade e crescimento pessoal e profissional, ao mesmo tempo. Nesses primeiros passos era comum nos depararmos com atos violentos dos adolescentes e com o descrédito e resistência de alguns funcionários. Algumas vezes era necessário tomar atitudes firmes com demissão e contenção. Mas, em todos os casos, o que mais interessava era entender os aspectos construtivos dos atos e os erros porventura cometidos. Sabíamos que todos esses comportamentos reativos nada tinham a ver com a boa ou má índole do individuo. Eram apenas resultados manifestados através do comportamento. Nesses tempos o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não existia e falar de direitos humanos era pura teoria.

Aprendemos na prática que uma escola de infratores deve funcionar como um banco, onde as ocorrências diárias devem fechar todo dia como num caixa. Não se pode ter dúvidas e omitir ou protelar decisões. É necessário que se tenha um sistema dinâmico e seguro para operar com os comportamentos reativos, pois eles não esperam decisões tardias. Foi necessário criar um canal de informações que fluísse ligeiro entre todos e, ao mesmo tempo, atualizasse as posturas educativas que pudessem sofrer mudanças. Para isso foram instituídas as reuniões ordinárias da Equipe de Educação e Reabilitação. Elas deveriam acontecer todos os dias, como primeira ação da manhã, entre oito e nove horas. Nelas ficávamos sabendo de ocorrências noturnas e diurnas nos diferentes locais da comunidade. O coordenador do Departamento de Segurança possuía um livro onde eram anotados todos os fatos ocorridos nas vinte e quatro horas. Como já havíamos decidido distribuir as ações educativas entre todas as pessoas, as reuniões também funcionavam como treinamento e atualização. Era essencial que todos os representantes dos blocos participassem das avaliações e decisões feitas pela Equipe de Educação e Reabilitação e as transmitissem para as outras pessoas do seu bloco. Essa prática se mostrou eficiente e humanizou as ações permitindo que todos aprendessem com todos.

Exemplo:

Havia um interno que chegou a escola e não fazia contato com ninguém. As abordagens tradicionais com psicólogo, psiquiatra e assistente social fracassaram. As únicas informações que tínhamos sobre ele estavam contidas na ocorrência formal feita pela autoridade policial e pelo juizado de menores, tudo muito sucinto e pouco confiável. A Equipe de Educação e Reabilitação estava sem sugestões para pensar alguma forma de abordagem que surtisse efeito. Certa vez, convidada pela coordenadora da cozinha (Divisão de Serviços Domésticos), participou dessa reunião uma funcionária da cozinha que nos trouxe informações valiosas. Ela era uma pessoa alegre, gostava de cantar enquanto trabalhava e era muito simpática. Começou a perceber que era observada pelo interno e que este ficava durante muito tempo na porta prestando atenção sem falar. Já tinha sido informada sobre as dificuldades de contato do menor. Um dia ele aceitou o convite para ajudá-la a cortar legumes e após certo tempo já cantava junto com ela. Essa funcionária foi convidada para, junto com alguns técnicos, marcar reuniões especiais de ajuda ao menor e escolhida para ser sua terapeuta auxiliar. Ela nos passava informações sobre os progressos que percebia e nós colaborávamos com algumas sugestões e suporte especializado. Com o passar do tempo o menor expandiu seus contatos com outros funcionários e toda a escola ficou acessível a ele. Essa experiência nos provou que as habilidades de terapeuta podem estar presentes em qualquer pessoa e em qualquer lugar. A Equipe de Educação e Reabilitação aprendeu que as técnicas tradicionais de abordagem nem sempre surtem o efeito desejado.




CAPÍTULO III




O LIVRO DE OCORRÊNCIAS



As ocorrências na comunidade, que anteriormente eram apresentadas ao antigo diretor em pequenos pedaços de papel, passaram a ser supervisionadas diariamente pelo coordenador de segurança e passaram a ser lidas por ele, ou por um monitor substituto, nas reuniões matinais da Equipe de Educação e Reabilitação.

Pessoas que estivessem em qualquer local da escola podiam transmitir as ocorrências, diurnas e noturnas para os monitores que as anotavam e entregavam para o coordenador de segurança. Após lidas nas reuniões eram transcritas para um livro e convenientemente datadas. Dessa forma todos ficavam cientes sobre o que ocorria nas vinte e quatro horas da vida da comunidade. Nessa época o computador era uma ferramenta ainda inexistente no país, tudo tinha que ser organizado manual e diariamente.

A importância das ocorrências era óbvia: servia como termômetro que media a “temperatura-ambiente”, tanto em relação a sua freqüência e volume como em relação à gravidade do fato em si. Alunos que eram desligados, transferidos, fugas, retornados de fugas e os que ingressavam como novatos, produziam uma flutuação contínua. Não éramos certamente uma comunidade natural, mas uma experiência comunitária institucional mutável. Jamais poderíamos atingir uma estabilidade de costumes e uma diminuição das infrações pelo passar dos anos. Os resultados obtidos eram importantes como elementos orientadores de soluções anteriormente experimentadas e testadas.

O livro de ocorrências, no decorrer do tempo, poderia servir como memória e como mais um fator de avaliação do trabalho desenvolvido. Era grande, grosso e com páginas numeradas, como aqueles livros contábeis usados antigamente. O estilo literário das informações era diversificado, pois, escrito por várias pessoas de diferentes níveis de escolaridade, variava sua ortografia e gramática e às vezes se tornava cômico e mesmo ridículo. Como só nos interessavam as informações, ele permaneceu assim até o final da experiência. Preenchido totalmente, era substituído por outro novo e guardado no armário de arquivos. Se o leitor preferir lê-las depois é só passar para o capítulo IV, página 54. Agora passaremos a transcrever algumas ocorrências escritas pelo Sr. Francisco Dias dos Anjos (coordenador de segurança), já falecido, em diferentes épocas, para dar uma idéia do que se passava na comunidade; seria impossível transcrevê-las todas, não só pelo seu volume como pela impraticabilidade de passá-las para este documento. Porisso demos preferência aos dois primeiros anos – os mais difíceis. Erros ortográficos foram corrigidos para facilitar a leitura, porém o conteúdo original e a estrutura das frases foram mantidos.



OCORRÊNCIAS ANTERIORES A 1976



Em 1968 o pátio da Escola Febem (ala aberta) ainda era fechado e o monitor que deixasse alunos fugirem teria que ir atrás para recapturá-los e trazê-los de volta. Então fugiram quatro alunos no serviço do monitor Francisco Dias. Os alunos eram: José Argemiro (vulgo bambuí), Manuel (calinho), Apagaluz e Japonês. O monitor foi atrás pegou e os trouxe; na época o castigo era ficar só de calção (para não fugir) e raspar a cabeça dos fujões. E assim o monitor fez; e como estava calçando o pátio da escola com pedras de ardósia, o monitor os colocou para carregar pedras. Quando foi à tarde o monitor os viu cantando um samba que envolvia o nome do monitor e o ex-nome da escola que ninguém havia esquecido ainda. Então o samba composto por eles dizia assim:

“Você precisa conhecer o (reformatório) Alfredo Pinto.
Você precisa conhecer o “seu” Chicão.
Pra carregar pedras pesadas,
Com a cabeça raspada,
Pra deixar de ser ladrão.

Eu que era um cabra vivo, decidido e de coragem,
Vim cair nessa de carregar pedras pesadas,
Com a cabeça raspada
Pra deixar da malandragem”.

E aí repetia o primeiro verso.


Em 1968, no mês de dezembro, o tempo estava para chover e tinha um monitor por nome de Barradinho que trabalhava a noite e dormia muito no horário de serviço. Então ele pegou uma cadeira e colocou no corredor dos dormitórios, enrolou-se numa coberta, assentou na cadeira e dormiu. Os alunos de apelido Benfica e Crialete levantaram-se mais ou menos entre meia noite e uma hora da manhã e Barradinho estava dormindo. Eles pegaram a cadeira com muito jeito e a colocaram no meio do pátio. Quando caiu uma chuva bastante forte o monitor acordou muito bravo e dizendo: “se eu souber quem fez isto eu mato agora”. O outro monitor que também estava de serviço era um ex-aluno que se chamava José Antonio dos Santos (apelido José magro); viu tudo, mas nada falou, ficou fingindo que também estava dormindo, para sorrir depois.

Em 1975 dois alunos roubaram, na cidade de Sete Lagoas, um caminhão de distribuição de doces e balas. Os alunos trouxeram o carro para dentro da escola, abriram as portas traseiras e todos os alunos serviram-se à vontade. O fato foi comunicado a polícia pelos funcionários e, mais tarde, apareceu o motorista para busca-lo.



OCORRÊNCIAS (1977)


Ocorrência do dia 16/02/77
Quarta feira – O aluno Francisco Eugenio Roldão discutiu com o médico Dr. Luiz Gonzaga de Freitas, dirigindo-lhe palavras agressivas e ameaças.

Ocorrência do dia 17/02/77
Quinta feira – Os alunos Sérgio Arcanjo dos Santos e Ailton Eufrasino da Silva tomaram entorpecente (Optalidon) em grande quantidade, ficando sem poder trabalhar e provocando brigas com os outros alunos.
O aluno João Miguel Simões foi à cidade e bebeu bebida alcoólica chegando na escola embriagado, a ponto de dormir sem tirar os sapatos e quando conseguia falar chamava o nome de uma senhora que mora na escola febem.

Ocorrência do dia 18/02/77
O aluno Marco Rodrigues de Oliveira (marimbondo) tomou grande quantidade de comprimidos (Comital) ficando totalmente dopado, chegando até a urinar na roupa sem ver.
O aluno Celso Pedro dos Santos (marôla) agrediu o menor José Carlos da Silva, espancando-o sem nenhuma explicação.

Ocorrência do dia 19/02/77
O aluno Celso Pedro dos Santos (marôla) levantou às seis horas da manhã, entrou no dormitório do José Carlos da Silva, que ainda estava dormindo, espancando-o novamente sem dar explicação qual era o motivo. Quando o monitor Francisco Dias perguntou por que havia feito aquilo, ele respondeu que estava “invocado” e que “aquele pilantra ia ver com ele”. Então foi chamado atenção pelo monitor que pediu para que aquele fato nunca mais acontecesse. Mas quando foi na hora do almoço o menor Afrânio Moreira de Souza chegou perto do monitor Francisco para dizer que o Celso havia prometido de dar-lhe um sôco na cara. No momento que o Afrânio falava o Celso chegou e disse que ia bater mesmo e que não adiantava contar nada a ninguém. O monitor respondeu que perto dele o Afrânio não apanhava porque ele não ia permitir. Sem dizer nada o Celso partiu para o Afrânio, mas o Afrânio saiu correndo em direção do monitor José Alves que também estava de serviço; o José Alves tentou parar o Celso, mas ele pegou uma bandeja e atingiu o monitor José Alves no rosto, que ficou sangrando muito. O monitor Francisco tentou segurá-lo e conseguiu tomar a bandeja das mãos dele, mas ele escapuliu, pegou outra bandeja e veio com tudo em cima do monitor Francisco, que também pegou uma panela de alumínio e deu-lhe uma panelada na cabeça. O Celso soltou a bandeja e saiu correndo, dizendo que ia apanhar uns tijolos para jogar no monitor, mas o monitor correu atrás, pegou de novo e deu-lhe várias tapas no rosto e pontapés por todo lado. Quando o ia levando para o pavilhão de segurança, ele chorava e dizia que o monitor Francisco andava muito de lambreta e bicicleta e que ele ia esperá-lo atrás de uma moita para matá-lo; só não faria se nunca mais tivesse uma oportunidade para roubar um revólver.

Ocorrência do dia 20/02/77
O aluno Alcides José dos Santos (madureira) bebeu muita cachaça e ficou provocando o monitor Miguel Alves Guimarães, depois não agüentando mais ficar em pé, deitou-se dentro do dormitório onde vomitou-se todo, obrigando o aluno José Ivair (jacaré) a lavar porque não agüentava o mau cheiro.
Os alunos Antonio Amâncio Nazaré, Ailton Alves (ganso), Marco Rodrigues de Oliveira (marimbondo) tomaram comprimidos com pinga e ficaram muito doidos obrigando o monitor Miguel a deixá-los dormir fora do pavilhão de segurança com medo de que eles fizessem uma besteira lá dentro. Quando melhoraram foram chamados atenção pelo monitor Francisco Dias e o Marco Rodrigues afirmou que ia continuar tomando suas caipirinhas assim que tivesse jeito, porisso levou uma punição maior do que os outros.

Ocorrência do dia 24/02/77
O aluno Alcides José dos Santos (madureira) achou que a cozinheira tinha posto pouca comida na bandeja dele e, ao invés de pedir mais, xingou palavrões e perguntou se a cozinheira havia comprado a cozinha.

Ocorrência do dia 25/02/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 26/02/77
O aluno Paulo Roberto, numa brincadeira com o aluno Marco Gonçalves Coelho, agarrou-o pelo pescoço e, quando sentiu que Marco estava todo amolecido, soltou-o no chão. O monitor Lair Alves olhou e viu que estava desmaiado, levou para dentro do dormitório e colocou-o na cama achando que aquilo não valia nada; mas quando o monitor Francisco chegou às seis horas da manhã, notou que o Marco ainda estava desmaiado e com o pescoço torto. Levou-o imediatamente para o Pronto Socorro onde ficou um dia internado e melhorou logo com os medicamentos.

Ocorrência do dia 04/03/77
O aluno de apelido “dente de coelho” que trabalha na cozinha chamou o aluno Paulo César de Carvalho (marmitão) para a cozinha ficando lá até as 22h, fazendo uma bagunça tremenda, mexendo em tudo que era de comer que ali se encontrava.

Ocorrência do dia 05/03/77
Os alunos Antonio Amâncio Nazaré, José Luiz Gonzaga (sapatinho) e Sérgio Arcanjo dos Santos (pelé beiçola) forçaram a dormir no dormitório dos menores para praticar atos imorais com os mesmos que, por medo, cediam.

Ocorrência do dia 06/03/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 07/03/77
O aluno Ailton Alves (ganso), que estava de fuga da escola apresentou-se muito bêbado dizendo que tinha vindo se apresentar porque havia tomado um “pega” da polícia da cidade de Corinto e porisso não queria ficar mais na rua.

Ocorrência do dia 08/03/77
O ex-aluno Demétrio Barra Neto apareceu na escola dizendo que estava fazendo uma visita e aproveitava a oportunidade para pegar uns documentos dele que ainda estavam na escola, mas na verdade ele havia roubado um carro e só veio na escola para passear e esconder-se da polícia de Belo Horizonte. O carro era uma Variant que ficou encostada na rodovia que fica nas proximidades da escola e ele chegou a pé para que ninguém desconfiasse.

Ocorrência do dia 09/03/77
Arrombaram a porta do escritório, entraram e tiraram o cofre de madeira que se encontrava naquele recinto. Não descobrimos quem foi; apenas suspeitas fortes dos alunos Domingos de Jesus Machado, Alcides José dos Santos (madureira) e Antonio Amâncio Nazaré. Isso ocorreu as 7:40 h da noite.

Ocorrência do dia 20/08/77
O aluno Sebastião Daniel do Nascimento (pantera), que se evadiu da escola, apresentou-se trazendo um rádio, de marca Phillips, sem nenhum documento que provasse ser de sua propriedade.

Ocorrência do dia 21/09/77
O aluno Walter Firmino chegou da cidade as 21:h bêbado.

Ocorrência do dia 22/09/77
Os alunos José Carlos Leandro Pereira, Geraldo Alexandrino, Alcides José dos Santos (madureira), Luiz Ferreira Mendes (testinha), Sérgio Arcanjo dos Santos e Domingos de Jesus Machado ingeriram bebidas alcoólicas ficando exaltados, provocando várias discussões, isto por volta das 22h.

Ocorrência do dia 23/09/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 24/09/77
O aluno Antonio Pereira do Nascimento, que foi a cidade para fazer curso de torneiro mecânico, voltou as 21:40h trazendo bebida alcoólica e comprimidos de Optalidon que distribuiu com seus colegas José Carlos Leandro e Domingos de Jesus Machado, ficando o José Carlos dopado.
Evadiu-se da escola o aluno Adilson Alves da Silva.

Ocorrência do dia 25/09/77
Evadiram-se do pavilhão de segurança os alunos Pedro Rodrigues dos Santos (tingüí), Rui Resende de Oliveira e Eurípedes Machado da Costa.

Ocorrência do dia 26/09/77
O aluno José Donizete da Silva, ao chegar da cidade onde estava fazendo curso de mecânico de autos, havia tomado entorpecente provocando indisciplina na escola.
O aluno Wagner Eduardo brigou com o aluno José Aparecido de Souza ferindo-o nos braços com um ferro de cortar capim.
O aluno Walter José da Silva tomou meia garrafa de cachaça, ficando totalmente embriagado.

Ocorrência do dia 28/09/77
O aluno Walter Vitório escondeu-se para não trabalhar. Apareceu na hora do jantar; levou castigo de dois dias na cela.

Ocorrência do dia 29/09/77
O aluno Francisco Eugenio Roldão, que estava foragido, retornou por conta própria, trazendo uma mala contendo vários objetos de uso pessoal.

Ocorrência do dia 11/10/77
Os alunos José Mariano da Silva e Afonso Bento de Souza saíram da sala de aula sem permissão da professora; quando voltaram conduzidos pelo monitor Isaías, não quiseram estudar e dormiram o tempo todo até terminar a aula.

Ocorrência do dia 12/10/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 13/10/77
O aluno Edvaldo Evaristo dos Santos evadiu-se da escola e o aluno Jamil Carvalho Martins agrediu o aluno Adolfo Barbosa de Souza com socos no rosto, dizendo que estava descontando uma rixa antiga que era do tempo que eles estiveram juntos na delegacia de menores.

Ocorrência do dia 14/10/77
O aluno Derli do Amaral, chegando na escola depois das 22h, foi chamado atenção pelo monitor Francisco; não gostou e fugiu no mesmo dia.

Ocorrência do dia 15/10/77
Os alunos Gilmar Alvarenga França e Deusdete de Oliveira começaram uma discussão por causa de um cigarro terminando em luta corporal, com o Gilmar saindo com alguns ferimentos nos braços.

Ocorrência do dia 16/10/77
O aluno Carlos Sebastião Carneiro agrediu o aluno Wilson Marçal com certa violência, dizendo que o Wilson estava tentando abrir seu armário onde estão guardados seus objetos. Houve também um grande desentendimento entre os alunos Domingos Alves de Jesus e Nilo dos Reis Duarte, sem que eles quisessem dar muitas explicações, mas tudo ficou provado que era pederastia por parte do Nilo.

Ocorrência do dia 17/10/77
O aluno Domingos de Jesus Machado espancou o aluno Nilo dos Reis Duarte por motivo desconhecido dizendo que era brincadeira; nenhum dos dois quis dar explicações. Também os alunos Walter Firmino e José Ulisses Ribeiro começaram a brigar por causa de uma professora, terminando com o José Ulisses dando uma paulada na cabeça do Walter, cortando o couro cabeludo, precisando fazer curativo imediatamente. O aluno Carlos Lindemberg Lopes Ferreira, que estava foragido, retornou por conta própria.

Ocorrência do dia 18/10/77
O aluno José Arnaldo e o monitor Isaías Matias de Abreu tiveram um desentendimento na hora de sair para o curso, com o Isaías ameaçando de pegá-lo.
Os alunos Paulo César de Carvalho e José Geraldo Moreira começaram uma briga que foi separada na mesma hora; mesmo assim ambos saíram machucados: o Paulo César com fratura na mão direita e o José Geraldo com um corte por cima do olho esquerdo.
O aluno Domingos Alves de Jesus, depois do silêncio (22h), quando vários alunos já estavam dormindo, resolveu brincar de gritar e pular em cima das camas. O monitor José Maria chamou atenção duas vezes e ele não atendeu; na terceira, pegou-o de bofetadas.

Ocorrência do dia 19/10/77
Os alunos Dimas Waldemar Petterson e José Geraldo CândidoMoreira saíram depois do jantar para ir a cidade, sem permissão, comprar comprimidos de Artane, mas os farmacêuticos não quiseram vender sem receita médica e a farmácia que eles sempre compravam estava fechada. Chegaram na escola às quatro horas da manhã, foram ouvidos pelo monitor Francisco e levaram punição de trinta dias de castigos.
Os alunos Nilo dos Reis Duarte e Edvaldo da Cruz foram encontrados no barracão dos fundos de uma casa, aqui na escola, fazendo atos imorais. Ambos levaram punições.

Ocorrência do dia 20/10/77
O aluno José Alberto de Oliveira foi expulso do campo, onde treinava futebol, por indisciplina com o treinador.

Ocorrência do dia 21/10/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 22/10/77
O aluno Sérgio Arcanjo dos Santos pegou o aluno Nilo dos Reis Duarte numa “gravata” até que o Nilo caiu, machucando o nariz.

Ocorrência do dia 23/10/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 24/10/77
O aluno Antonio Pereira do Nascimento, que foi em casa passear com permissão para voltar no mesmo dia, não voltou; atrasou-se um dia, chegando na escola às 22h, dizendo que chegou em Sete Lagoas às 17h, mas preferiu ficar para o curso que está fazendo.
O aluno Silas Avelino começou com uma brincadeira e depois tentou “durar” (violentar) o José Aparecido de Souza, que não gostou e quis brigar.
O aluno Domingos Alves de Jesus estava com um pano molhado de querosene tomando pó, mas foi visto pelo monitor José Maria Martins, que o recolheu, antes que ele ficasse ruim.

Ocorrência do dia 25/10/77
O aluno Edson Vizane agrediu com palavrões o aluno José Aparecido de Souza só porque pediu que ele saísse da enfermaria.
Evadiu-se da escola o aluno Domingos Alves de Jesus.
Retornaram a escola os alunos Waltair de Paula Saborido e Wilson Borges Ferreira.

Ocorrência do dia 26/10/77
O aluno Nilton Laurindo do Carmo acusou o aluno Wagner Eduardo de ter roubado os seus cigarros; o Wagner não gostou, jogando-lhe um vidro de remédio. Começaram a brigar, mas foram separados imediatamente.

Ocorrência do dia 27/10/77
O aluno Nilton Laurindo Inácio deu um tapa no rosto do aluno Antonio de Souza dentro da sala de aula e rasgou a folha que ele escrevia. O Antonio ficou nervoso, rasgou o resto do caderno e quebrou o lápis, jogando tudo no Nilton.

Ocorrência do dia 28/10/77
Os alunos Benedito Luiz Simões e Sebastião Márcio Ramos começaram com uma brincadeira de jogar água um no outro, terminando em briga.

Ocorrência do dia 29/10/77
O aluno Paulo Tácio Gentil estava brincando com o aluno Adolfo, quando o aluno José Arnaldo chegou e disse para o Paulo Tácio que iria descontar uma biloquezada (bilboquê: brinquedo que consiste numa bola de madeira com um furo, amarrada por um cordel a um bastonete pontudo, no qual deve ela encaixar, quando impulsionada) que o Paulo havia jogado em sua testa; começaram a brigar, quando o José Arnaldo deu-lhe uma canivetada a altura da costela, ferindo-o gravemente.
Os alunos Antonio de Souza e Divino Pinto dos Santos estavam andando no campo procurando abelhas e filhotes de passarinhos quando foram surpreendidos pelos alunos Marcos Rodrigues de Oliveira, Edvaldo da Cruz e Jamil Carvalho Martins que os pegaram e praticaram atos imorais (pederastia) e depois tentaram enforcar o Antonio de Souza porque o Divino saiu correndo.
Os alunos Juraci Barreiros de Rezende e José Aparecido de Souza foram a cidade de Sete Lagoas sem permissão da direção da escola e roubaram vários objetos de uso pessoal, que já foram devolvidos aos seus legítimos donos.

Ocorrência do dia 30/10/77
Os alunos Paulo Eustáquio Duarte e Carlos Augusto Duarte roubaram uma espingarda e toda a munição da mesma e fugiram em seguida.

Ocorrência do dia 31/10/77
Evadiram-se da escola os alunos Edson Teixeira de Oliveira, Eurípedes Machado da Costa e Mozar Santana de Jesus.

Ocorrência do dia 01/11/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 02/11/77
Um grupo de quatro alunos menores saiu sem permissão para procurar mel de abelhas; só voltaram às 19:30h, ficaram sem jantar, não gostaram e reclamaram, mas os monitores só não guardaram o jantar deles porque pensaram que eles haviam fugido.

Ocorrência do dia 03/11/77
O aluno José Ulisses Ribeiro, queixando-se de uma doença, ficou nervoso e maltratou a diretora com palavras agressivas.
O ex-aluno Sirineu de Oliveira chegou na escola às 23h, mas voltou no mesmo instante aproveitando o mesmo táxi que o trouxe.

Ocorrência do dia 04/11/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 05/11/77
O monitor José Maria Martins faltou ao serviço.

Ocorrência do dia 06/11/77
Evadiram-se da escola os alunos José Mariano da Silva, Geraldo Alexandrino dos Santos e Wellington Márcio Gonçalves Rosa.
Os alunos que foram jogar futebol na cidade com permissão para voltar às 12h, não voltaram. São eles: José Donizete da Silva, Geraldo Corrêa Martins, Lenimarx José e Eduardo Levinhagen Figueiredo Torres. Só retornaram as 19:30h. Todos levaram punições.
O aluno Antonio de Souza pegou um ferro e quebrou o registro do banheiro, depois pegou um pano velho e entupiu o mesmo. Levou punição no pavilhão de segurança.


Ocorrência do dia 07/11/77
Os alunos Wilson Marçal e Antonio de Souza estavam destruindo todo o material dos banheiros da escola.

Ocorrência do dia 08/11/77
O aluno José Mariano da Silva que estava foragido da escola retornou por sua livre e espontânea vontade.

Ocorrência do dia 09/11/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 10/11/77
Os alunos Wilson Marçal e Gilmar Alvarenga começaram uma briga, ao se levantar, por causa de lugar de guardar objetos.

Ocorrência do dia 11/11/77
O aluno Nilo dos Reis Duarte, enciumado porque o aluno Vicente Elias deu um maço de cigarros para o aluno Antonio de Souza, deu várias bombadas na boca do Vicente com uma bomba de encher pneu de bicicleta.

Ocorrência do dia 12/11/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 13/11/77
Os alunos Dimas Waldemar Petterson e Hermes Barbosa foram para a cidade sem permissão da direção da escola.
O cadeado que fecha o portão do pátio das salas de aula desapareceu no dia 11/11/77 e apareceu no dia de hoje com o aluno Wilson Marçal.

Ocorrência do dia 14/11/77
O monitor Francisco Dias, ao fazer chamada na hora do almoço, notou que vários alunos chegaram atrasados. Ao passar para entrar em forma, os outros alunos, que estavam esperando, deram vários empurrões e o monitor ficou apenas sorrindo e disse: “da próxima vez vocês cheguem na hora certa”, mas o aluno José Maria da Silva Filho, que foi prejudicado com esta brincadeira de mau gosto, ficou nervoso e levou o fato para a direção da escola.

Ocorrência do dia 15/11/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 16/11/77
Os alunos Edson Vizane Botelho e Luiz Cláudio do Carmo Lana foram para a cidade sem permissão; lá furtaram vários objetos, quando chegaram foram para o pavilhão de segurança.
O aluno Genair Eugênio de Oliveira, numa brincadeira com o Dr. Luiz tomou dez comprimidos de Comital de uma só vez, ficando dopado. Á noite discutiu com quase todos os alunos, dizendo que as chaves dos outros serviam no seu armário e que eles o estavam roubando.
Evadiram-se do pavilhão de segurança os alunos Edson Teixeira de Oliveira e Eurípedes Machado da Costa.

Ocorrência do dia 18/11/77
Chegaram nove alunos para a escola sendo: Ismael Catarino, Márcio Antonio de Oliveira, Elias Bezerra Neto, João Batista Barbosa Martins, Fábio Vieira Rosa e Juarez dos Santos. Retornados de fuga: Paulo Fernandes de Jesus, Roberto Barbosa Sampaio e Walter Luiz da Silva.

Ocorrência do dia 19/11/77
Os alunos Genair Eugênio de Oliveira e José Geraldo Cândido começaram uma briga na hora do jantar, com o Genair pegando uma lata de lixo e mandando no José Geraldo, que saiu correndo; mas o Genair correu atrás, pegou um pedaço de pau e deu-lhe três pauladas nas costas, chegando a quebrar o pau. O monitor Francisco gritava com eles, mas eles não atendiam. Só pararam de brigar quando o monitor pegou um bambu e deu uma bambusada a altura do ombro do Genair, que soltou o pedaço de pau e disse que o José Geraldo havia “caguetado” (delatado) ele para o aluno Paulo Geraldo Santana e porisso ele não ia ficar desmoralizado.
O aluno Edvaldo Vieira dos Santos, que tem costume de xingar a todos de “filho de uma égua”, ao jogar futebol contra o monitor Francisco Dias, ao disputar uma bola com o mesmo, disse: “não tromba em mim filho de uma égua”. O monitor não gostou e disse: “olha que te dou um soco na cara”, o aluno respondeu: “eu também te dou um na cara”. O monitor ficou nervoso e disse: “você vai bater agora” e foi para o lado dele, mas ele saiu correndo e disse: “se tentar me pegar eu vou a Sete Lagoas contar para D. Ziléa (diretora) e o Dr. Luiz (psiquiatra) que este pilantra quer me bater”.

Ocorrência do dia 20/11/77
Evadiram-se da escola os alunos Hermes Barbosa de Oliveira, José Mariano da Silva, Demerval Rodrigues Coelho, Paulo Fernandes de Jesus, Roberto Sampaio Barbosa, Walter Luiz da Silva, Fábio Vieira Rosa e Sebastião Augusto de Souza.

Ocorrência do dia 21/11/77
Os alunos José Donizete da Silva e Walter Firmino quebraram as portas dos banheiros de pontapés, só porque eles queriam tomar banho e a porta estava fechada. Isto na hora do jantar.
Foi admitido hoje na escola o aluno Márcio Antonio Gonçalves Faria.

Ocorrência do dia 22/11/77
O aluno Wilson Marçal estava sujo de barro e não queria tomar banho para dormir. O monitor José Alves obrigou-o a tomar banho e ele começou a gritar para o monitor Francisco dizendo que havia arrancado um dente e que ia sentir-se mal, mas acabou tomando.
O aluno Walter Luiz, que estava foragido, retornou a escola por espontânea vontade.

Ocorrência do dia 23/11/77
O aluno Wilson Borges, na hora de dormir, entrou no dormitório dos menores dizendo que ia tomar banho, mas o aluno João Antonio do Nascimento não permitiu e o Wilson achou ruim e deu-lhe um chute. O João Antonio chamou o monitor, que tirou o Wilson e mandou que tomasse banho em outro dormitório.
Os alunos Francisco Eugênio e Edvaldo Vieira não queriam trabalhar e foram chamados atenção pelo monitor Francisco Dias que os obrigou a fazer faxina em volta da escola.

Ocorrência do dia 24/11/77
O aluno Marco Gonçalves Coellho, ao voltar do curso, discutiu com o motorista da kombi e voltou a pé, chegando na escola as 23:30h.
O aluno Carlos Lindemberg saiu sem permissão da direção da escola e foi apanhado na entrada da cidade pelo monitor Jonas, que o trouxe de volta as 21:30h.
Os alunos José Mariano e Paulo Tácio Gentil, na hora de dormir, começaram uma brincadeira e quebraram as camas.
Os alunos Francisco Eugênio e Lenimarx José começaram uma briga, mas foram chamados atenção e pararam na mesma hora.

Ocorrência do dia 25/11/77
O aluno Edson Vizane Botelho estava vendendo um relógio para um dos pintores quando o monitor viu e descobriu que o relógio havia sido roubado em Sete Lagoas.

Ocorrência do dia 26/11/77
Os alunos Wilson Marçal e Clécio Murilo da Conceição entraram pelo basculante da sala de aula e quebraram todos os vasos de flores que lá encontraram.
Os alunos Sebastião Daniel do Nascimento e Afonso Bento de Souza foram apanhados em flagrante quando arrancavam cogumelos (alucinógenos) para comer.

Ocorrência do dia 27/11/77
Os alunos José Carlos Leandro e Eduardo Levinhagen, que foram a cidade com permissão, quando voltaram, trouxeram um litro de Drink Drear, duas calças e dois vidros de xarope que serve como entorpecente e esconderam no mato, perto da escola, sendo que o vinho e o xarope foram comprados pelo Eduardo e o resto foi roubado pelo José Carlos. Os dois haviam tomado entorpecente e estavam fora do normal.
O aluno Vicente Elias, que foi a cidade com permissão para voltar às 18h, só retornou no dia seguinte, dizendo que não voltou na hora porque tinha errado o caminho.

Ocorrência do dia 28/11/77
O monitor Francisco Dias viu o aluno Dimas Waldemar Peterson conversando em sigilo com um dos pintores, ficou desconfiado e o chamou para conversar. Foi aí que descobriu que o Dimas estava querendo vender um relógio de pulso para o pintor, que não quis comprar e descobriu que o relógio foi roubado. O monitor recolheu o relógio e devolveu ao seu legítimo dono.

Ocorrência do dia 29/11/77
O aluno Sebastião Corrêa da Cruz foi desligado da escola por ordem do juiz de Sete Lagoas.

Ocorrência do dia 30/11/77
Os alunos Júlio César dos Santos e José Carlos da Silva brigaram por causa de lugar na fila, na hora do jantar.

Ocorrência do dia 01/12/77
Os alunos Lourival de Lima e Divino Pinto dos Santos evadiram-se da escola.
O aluno Clécio Murilo da Conceição entrou pelo basculante da sala de aula e rasgou todos os papéis que encontrou lá dentro, fazendo uma bagunça total.

Ocorrência do dia 02/12/77
Evadiram-se da escola os alunos Edvaldo Evaristo dos Santos, Donizete da Silva Costa e Leopoldo Ribeiro Damásio.
O aluno Vicente Elias foi encontrado pelo monitor José Alves, às 20:30h, arrancando o vidro do basculante do escritório com uma faca, quando o monitor perguntou por que ele estava fazendo aquilo; ele respondeu que queria entrar para pegar um dinheiro para fugir.

Ocorrência do dia 03/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 04/12/77
Evadiram-se da escola os alunos Sérgio Arcanjo dos Santos, Francisco Eugênio Roldão, Márcio Antonio Gonçalves Faria e Dimas Waldemar Peterson.

Ocorrência do dia 05/12/77
O aluno Genair Eugênio de Oliveira tomou um maço de cigarros do aluno Antonio de Sousa, dizendo que o Antonio o devia, mas como era mentira, o monitor obrigou-o a devolver; mesmo assim ele discutiu bastante com o Antonio.

Ocorrência do dia 06/12/77
Os alunos Francisco Eugênio Roldão e Dimas Waldemar Peterson, que estavam foragidos da escola, no dia 04/12 foram presos em Sete Lagoas e retornaram a escola no dia de hoje.

Ocorrência do dia 07/12/77
Os alunos Edson Vizane Botelho e Mauro Júlio Lucas, brigaram de socos e pontapés por causa de uma brincadeira que o Edson começou.
Foram admitidos na escola hoje os alunos Jaime José de Paula, Mauro Asterreitas Dias, Ivan Barbosa Evêncio e Adilson Antonio de Oliveira. Retornou de fuga o aluno Roberto Barbosa Sampaio.
Às 21:00h o aluno Wanderlino Rabelo de Souza tentou “durar” (estuprar) o aluno Gilmar Caixeta; como o menor não aceitou, ele o espancou bastante para amedrontá-lo. Mas o Gilmar correu e chamou o monitor Francisco Dias que o socorreu e levou o Wanderlino para o pavilhão de segurança.
O aluno Afrânio Moreira de Souza acordou às quatro horas da manhã, pregou uma borracha num pedaço de pau e começou a dar borrachadas em todos os alunos que ainda estavam dormindo, dizendo que já era hora de se levantar. Foi chamado atenção pelo monitor e tomada a borracha. Mais tarde ele foi para o córrego tomar banho junto com o aluno Carlos Augusto Duarte. Tentou afogá-lo, como não conseguiu, saiu da água, pegou uma pedra e mandou na cabeça do Carlos, que veio direto para a enfermaria.

Ocorrência do dia 08/12/77
Evadiu-se da escola o aluno José Carlos Martins Diniz.

Ocorrência do dia 09/12/77
O aluno Geraldo Aparecido de Castro defecou no pátio da sala de aula. Foi visto por vários alunos que chamaram o monitor. O Geraldo achou ruim, mas limpou toda a sujeira.

Ocorrência do dia 10/12/77
O aluno Nilo dos Reis Duarte trocou uma relação sexual por uma camisa com o aluno Antonio Rosa; quando iam para o lugar preferido foram seguidos pelos alunos José Carlos da Silva e Benedito Luiz Simões. O Nilo, então, deitou-se no chão e começou a gritar pelo monitor Francisco; o monitor veio correndo e o levou para dentro do pátio porque ele dizia que os outros dois queriam “durá-lo” (estuprá-lo), mas bastou um pequeno descuido do monitor para ele sair de novo com o mesmo Antonio Rosa para tentar alcançar seu objetivo dentro de um ônibus velho que fica perto da casa do motorista da escola. Mas como o monitor estava atento e não permitiu, o Antonio ficou zangado querendo a camisa de volta. Isto ocorreu às 20:40h.

Ocorrência do dia 11/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 12/12/77
Os alunos Wagner Eduardo, Paulo Tácio Gentil e Antonio de Souza roubaram uma galinha do funcionário José Francisco; levaram para o mato, assaram e comeram. Levaram castigo de trabalhar quinze dias na roça. O Antonio não gostou e reagiu com o monitor; foi levado para o pavilhão de segurança onde passou vinte e um dias de castigo.

Ocorrência do dia 13/12/77
O aluno Vicente de Paula Gomes ficou nervoso porque havia logrado o serviço e teve que trabalhar no segundo horário para pagar o tempo que não trabalhou.

Ocorrência do dia 14/12/77
O aluno José Ulisses comeu muito cogumelo, ficou dopado e tentou estragar a Kombi da escola. Foi levado para o pavilhão de segurança.
O aluno Deusdete Amaral ficou passando mal e quando melhorou começou a chorar em voz alta sem dizer porque estava chorando.

Ocorrência do dia 15/12/77
Foi admitido na escola o menor Getúlio Pedro Ferreira e retornados: Edson Teixeira de Oliveira, Geraldo Alexandrino dos Santos e Altamiro Alves Rodrigues.

Ocorrência do dia 16/12/77
Os alunos Juraci Barreiros de Rezende e Carlos Augusto Duarte entraram na casa do funcionário José Francisco e roubaram várias coisas. Isto porque eles haviam tomado gasolina e estavam muito doidos.

Ocorrência do dia 17/12/77
Os alunos José Carlos Leandro Pereira e marco Rodrigues de Oliveira quase todas as noites estão tomando chá de cogumelo (alucinógeno).

Ocorrência do dia 18/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 20/12/77
Evadiram-se da escola os alunos Márcio Antonio de Oliveira, Adilson Antonio de Oliveira e Getúlio Pedro Ferreira.

Ocorrência do dia 21/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 22/12/77
Evadiram-se da escola os alunos João Batista Martins dos Santos e Elias Bezerra Neto e foi admitido o menor Geraldo Batista do Nascimento.

Ocorrência do dia 23/12/77
O aluno José Arnaldo queria entrar no alojamento onde ficam os armários, o que não foi permitido pelo monitor Geraldino. O aluno José Arnaldo ficou nervoso e chamou o monitor para brigar; o monitor não quis, mas ele insistiu chutando a porta. Como o monitor não reagiu, ele veio e chutou a canela do monitor, dizendo que para os alunos grandes o monitor abria a qualquer hora, mas para os pequenos não. Isso ocorreu às 20h.
O aluno Nilo dos Reis Duarte estava praticando pederastia com o aluno Afonso Bento de Souza no estábulo, quando chegaram os alunos Jamil Carvalho e Walter Firmino dizendo que iam fazer o mesmo com ele; então, o Nilo deitou-se no chão e começou a gritar socorro, assustando a todos os que ouviam os gritos. Isso ocorreu às 20h mais ou menos.

Ocorrência do dia 24/12/77
Os alunos Ronaldo Ribeiro de Freitas, Walter Luiz da Silva, Afonso Bento, Geraldo aparecido de Castro e Antonio Rosa comeram cogumelos e ficaram passando mal.
O aluno Edson Vizane Botelho tomou vários comprimidos e ficou fora do normal.

Ocorrência do dia 25/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 26/12/77
O aluno Ademir Cordeiro dos Santos comeu muito cogumelo ficando totalmente desmaiado.
O aluno José Carlos Leandro Pereira chegou da cidade embriagado.

Ocorrência do dia 27/12/77
Foi admitido na escola o menor Roberto dos Santos, nesta data.

Ocorrência do dia 28/12/77
O aluno Afrânio Moreira de Souza, ao ser chamado atenção pelo seu instrutor, achou ruim, pegou um pedaço de pau e o chamou para brigar. O Sr. João, não aceitando, dispensou-o do serviço e o entregou para o monitor, que o colocou para trabalhar na roça; mas ele se escondeu o dia inteiro; quando foi a tarde encontrou-se com seu colega Wanderlino Rabelo de Sousa e fugiram.

Ocorrência do dia 29/12/77
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 30/12/77
Os alunos José Carlos Leandro Pereira e Edvaldo Vieira brigaram de socos porque um dizia que o artista do filme, que os dois assistiram, era homem e o outro, que era mulher.

Ocorrência do dia 31/12/77
Evadiu-se da escola o aluno Antonio de Pádua Rosa.



OCORRÊNCIAS (1978)



Ocorrência do dia 01/01/78
Evadiu-se da escola o aluno Divino Pinto dos Santos.
Os alunos Sebastião Márcio Ramos e Sebastião Daniel do Nascimento comeram muito cogumelo e ficaram passando mal.

Ocorrência do dia 02/01/78
Os alunos José Ulisses Ribeiro e Walter Vitório comeram muito cogumelo e ficaram dopados. O Walter foi deitar-se, fazendo uma sujeira imensa no dormitório. O José Ulisses resolveu destruir as coisas e querer brigar, dizendo sempre que teria de casar com a D. Mirian ou com a D. Inez (professoras); se não desse certo ele as mataria. Foi levado para o pavilhão de segurança. Na chegada deu um bote na mão do Sr. Raimundo, tomou-lhes as chaves e as mandou no rosto do mesmo. O Sr. Raimundo deu-lhe uns bofetões e o colocou na cela. Isso ocorreu as 20:30h.

Ocorrência do dia 03/01/78
O aluno Edson Vizane Botelho apareceu na escola com um relógio. O monitor deu-lhe um “aperto” para saber de onde ele havia arranjado, então ele contou que havia roubado num bar, na rua Randolfo Simões, em Sete Lagoas.

Ocorrência do dia 04/01/78
Evadiu-se da escola o aluno Antonio de Sousa.

Ocorrência do dia 05/01/78
O aluno Ideusdete Amaro quebrou um vidro com a mão e cortou-se, precisando ir ao pronto socorro.

Ocorrência do dia 06/01/78
O aluno José Maria Filho não queria trabalhar com o Sr. Izaias e agrediu o monitor Francisco com palavras; o monitor não gostou e obrigou-o a calar-se e ir trabalhar. O José Maria ficou muito nervoso.
O aluno Afrânio Moreira de Souza, que estava foragido da escola, retornou por conta própria, trazendo vários objetos furtados, inclusive um revólver de calibre 32. Foi recebido pelo monitor que entregou todos os objetos para a direção da escola e o Afrânio foi para o pavilhão de segurança.

Ocorrência do dia 07/01/78
O aluno Silas Avelino entrou no dormitório rasgando papel e jogando no chão, o monitor mandou que ele apanhasse; o Silas resmungou muito, mas apanhou e ficou o resto do dia provocando o monitor; como o monitor não deu atenção, ele juntou-se com o Geraldo Corrêa Martins, Reinaldo Rodrigues dos Santos e Marco Rodrigues de Oliveira para forçar a porta do refeitório; tanto fizeram força que estouraram o cadeado. O monitor ficou nervoso e deu-lhe uma cadeadada na cabeça que o feriu bem.

Ocorrência do dia 08/01/78
Os alunos José Carlos da Silva e José Donizete foram à cidade sem permissão; quando voltaram beberam muita cachaça e brigaram com vários alunos na escola.

Ocorrência do dia 09/01/78
Os alunos Francisco Eugênio e Marco Rodrigues estavam fazendo chá de cogumelo dentro do pátio da escola; foram chamados atenção severamente pelo monitor José Alves.

Ocorrência do dia 10/01/78
O aluno Nilo dos Reis Duarte escreveu uma carta para o Juiz de Belo Horizonte difamando funcionários da direção da escola.
O aluno Paulo Tácio Gentil retornou com atraso de dez dias.
O aluno Sérgio Arcanjo dos Santos, que estava foragido, retornou a escola totalmente dopado.
Os alunos Luiz Cláudio do Carmo Lana e Geraldo Corrêa Martins retornaram para a escola trazendo dois rádios, uma garrafa de vinho e um cigarro de maconha.
Foi admitido na escola o menor José Carlos Meira, nesta data.

Ocorrência do dia 11/01/78
Os alunos Benedito Luiz Simões e Wagner Eduardo, que foram à cidade para assistir futebol foram presos; o Benedito porque bebeu e quis brigar num bar e Wagner porque passou a mão nas pernas de uma moça dentro do campo de futebol.

Ocorrência do dia 12/01/78
Os alunos Ideusdete Amaro e José Maria da Silva Filho arrombaram o basculante da sala de aula e entraram. Não sei qual era a intenção deles.
Os menores João Batista Moreira, José Sérgio do Carmo e Murilo da Silva Júnior vieram de Sete Lagoas para a escola, aguardando ordem do juiz.

Ocorrência do dia 13/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 14/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 15/01/78
Evadiram-se da escola os alunos Geraldo Corrêa Martins, Sebastião Márcio Ramos e Sebastião Daniel do Nascimento.
O aluno Paulo Fernando Venâncio foi separar briga de cachorros e levou uma mordida no braço direito.

Ocorrência do dia 16/01/78
O aluno Geraldo Corrêa Martins, que estava foragido, retornou trazendo um rádio e negando-se a dizer onde foi adquirido.

Ocorrência do dia 17/01/78
O aluno Wagner Eduardo desrespeitou o Wagno (secretário) e o Dr. Afrânio Dias (psicólogo) com palavras agressivas.
Vários trabalhadores da companhia Sisel reclamaram que alguns alunos os chatearam por eles comerem na escola.

Ocorrência do dia 18/01/78
O aluno José Donizete estava dormindo na hora do serviço, na Cerâmica, o monitor viu e mandou que ele fosse trabalhar na roça; ficou chateado e quis brigar com o Lenimarx, pensando que havia sido ele quem contou.

Ocorrência do dia 19/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 20/01/78
Evadiram-se da escola os alunos Júlio César dos Santos Resende, Benedito Luiz Simões, Altamiro Alves de Oliveira, José Aparecido de Sousa e Osvaldo Rodrigues dos Santos.

Ocorrência do dia 21/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 22/01/78
Os alunos Ideusdete Amaro e Eduardo Figueiredo brigaram a ponto do Ideusdete entrar na cozinha e pegar uma faca para tentar furar o Eduardo, mas como o Eduardo tem mais físico, pegou-o e bateu bastante, indo os dois para o pavilhão de segurança.
O aluno José Arnaldo, sem motivo nenhum, mandou o aluno Divino em cima dos espinhos, deixando-o todo arranhado.
Os alunos José Carlos da Silva e Ademil Alves Rodrigues foram para a cidade jogar futebol; terminando o jogo, evadiram-se os dois.

Ocorrência do dia 23/01/78
O aluno José Carlos Leandro Pereira roubou todas as chaves-reserva da escola para entrar onde bem interessasse, mas foi descoberto pelo monitor que as recolheu de volta.

Ocorrência do dia 24/01/78
O aluno Nilo dos Reis Duarte desentendeu-se com o aluno Afonso Bento porque o Afonso lhe cobrou 15,00 que ele devia. Isso ocorreu na hora do café da manhã; na hora do almoço brigou com o Silas por causa de comida; pegou a colher de servir arroz e jogou no Silas. O monitor Francisco Dias chamou atenção do Nilo. Este entrou, pegou duas facas e veio para brigar com o monitor, mas o monitor também pegou a tranca da porta e o obrigou a colocar as facas no mesmo lugar.

Ocorrência do dia 25/01/78
O aluno João Antonio do Nascimento, que se evadiu da escola, deixou um recado com o seu colega Antonio Francisco, para dizer a toda a Equipe da escola que iria embora porque não queria ouvir mais mentiras deles.
O aluno Reinaldo Rodrigues dos Santos, ao passar perto do aluno Éber Sebastião, que estava brincando com um jogo de botões, deu-lhe um chute no rosto e disse que se contasse para o monitor apanharia dobrado.

Ocorrência do dia 26/01/78
Estiveram nas proximidades da escola três elementos estranhos. Conversaram com vários alunos e tudo indica que eles queriam raptar o aluno Jaime José de Paula, pois os rapazes eram mal encarados, falavam gíria e estavam armados de dois revolveres e uma faca grande. Eles queriam que mostrassem o Jaime para eles, dizendo que precisavam conversar com ele, mas o monitor Francisco Dias apareceu e os chamou para conversar; eles se assustaram e disseram que eram de Pedro Leopoldo e precisavam ir embora, saindo imediatamente.

Ocorrência do dia 27/01/78
O aluno Marco Rodrigues bateu no aluno Demerval Rodrigues porque na hora em que eles praticavam esporte, Demerval deixou a bola sair fora do campo.
O aluno Wagner Eduardo levou dois socos na boca, dados pelo José Arnaldo, só porque ele passou onde o José Arnaldo estava trabalhando.
O aluno Reinaldo Rodrigues roubou uma jaqueta do aluno Paulo Roberto e uma blusa da D. Maria Cecília Cristelli, e deu de presente para uma moça, filha de um funcionário.
Evadiram-se da escola os alunos Edson Teixeira de Oliveira e Luiz Salatiel dos Santos.

Ocorrência do dia 28/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 29/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 30/01/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 01/02/78
O aluno Carlos Eustáquio Duarte não quis trabalhar e escondeu-se no pomar; o monitor foi buscá-lo e ele quis cortar o monitor com a enxada. O monitor tomou a enxada e o colocou no pavilhão de segurança.
Retornou a escola, nesta data, o aluno Luiz Salatiel dos Santos.
O aluno José Alberto de Oliveira pediu a cozinheira um pouco de café e ela respondeu dizendo: “agora não tem coado”; então ele disse: “parece que você comprou a cozinha. É melhor enfiar o café naquele lugar”.

Ocorrência do dia 02/02/78
O aluno Demerval Rodrigues foi procurar abacate nos fundos da casa de um funcionário e o funcionário suspeitou que ele estava forçando a porta para entrar em sua casa e quis pegá-lo; só não pegou porque o aluno correu para perto da diretora.
O aluno Nilo dos Reis Duarte estava atrás do dormitório fazendo as suas transações com outro aluno quando foi visto por um grupo de alunos que o chamou de sem-vergonha. O Nilo ficou nervoso e foi reclamar com o monitor.

Ocorrência do dia 04/02/78
O aluno Paulo Tácio Gentil evadiu-se da escola.

Ocorrência do dia 05/02/78
Os alunos Dimas Waldemar Peterson e Geraldo Alexandrino saíram para ver carnaval em Sete Lagoas e voltaram bêbados.

Ocorrência do dia 06/02/78
O aluno Gilmar Alvarenga França evadiu-se da escola.
O aluno Geraldo aparecido de Castro roubou a radiola da professora, que estava guardada na sala de aula, e vendeu para o aluno Paulo Roberto Venâncio, dizendo que a mesma foi achada no mato.

Ocorrência do dia 07/02/78
Os alunos Geraldo Alexandrino dos Santos e Walter da Silva evadiram-se da escola.

Ocorrência do dia 08/02/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 09/02/78
O aluno Benedito Luiz Simões, que está foragido da escola, apresentou-se e trouxe um litro de cachaça para o aluno José Carlos da Silva que o escondeu no mato para tomar de noite.

Ocorrência do dia 10/02/78
O aluno José Ulisses saiu sem permissão e foi para a cidade. Só retornou as 20:30h.

Ocorrência do dia 11/02/78
O aluno Paulo Geraldo Santana que saiu da escola com permissão para passar o Natal com seus familiares, só retornou hoje, dizendo que foi preso na hora em que chegou a sua cidade e só foi solto dois dias antes do seu retorno.
O aluno Nilo dos Reis Duarte começou uma discussão com o aluno José Carlos Meira, dizendo que iria na sua cama tirar suas calças quando estivesse dormindo. O monitor não deixou que eles discutissem e mandou que fossem dormir. Mais tarde o Nilo levantou e foi fazer o prometido, o José Carlos deu-lhe uma pesada. O Nilo voltou, esperou que o José Carlos dormisse para ir na sua cama dar-lhe dois socos no nariz. O José Carlos ficou sangrando e o Nilo foi para o pavilhão de segurança. Isso ocorreu as 00:40h.

Ocorrência do dia 12/02/78
Os alunos Afrânio Moreira e José Carlos começaram uma briga. Os monitores Luiz e Geraldino foram separar e esbarraram no José Arnaldo que estava perto da briga. O José Arnaldo ficou nervoso e deu um soco no monitor Luiz, que partiu para cima dele querendo bater; só não bateu porque o outro monitor Francisco entrou no meio separando-os e dando uma outra punição para o José Arnaldo.
Os alunos Roberto Sampaio, Elias Bezerra, João Batista dos Santos e Domingos Alves de Jesus estavam preparados para fugir quando o monitor Francisco Dias desconfiou e os chamou para conversar; eles afirmaram que queriam ir mesmo, mas não iam mais, podia o monitor ficar tranqüilo. Logo depois o Elias fugiu, o resto cumpriu a palavra.

Ocorrência do dia 13/02/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 14/02/78
O aluno Wagner Eduardo brigou com o monitor Geraldino, precisando do outro monitor entrar para separar.

Ocorrência do dia 15/02/78
O aluno Edvaldo da Cruz reclamou para o monitor Francisco que o monitor Geraldino entrou no refeitório sem ser seu horário de serviço e como estava muito bêbado deu-lhe vários tapas nas costas sem motivo algum; o Edvaldo pediu para que ele parasse e ele continuou. O Edvaldo saiu do refeitório e ele veio atrás tentando pegá-lo, mas o Edvaldo pegou umas pedras e deu várias pedradas; vendo que acertou saiu correndo para não complicar mais.

Ocorrência do dia 16/02/78
Os alunos Mauro Júlio e Sebastião Márcio estavam brigando. O monitor Jonas os separou, mas o Mauro continuou insistindo para brigar e acabou levando um soco na boca dado pelo monitor.
Os alunos Divino Pinto, Antonio de Souza e Domingos Alves estavam brincando na árvore que tem no pátio da escola quando chegou o Afonso Bento e começou a bater nos meninos. O monitor Francisco ficou nervoso e deu vários cascudos no Afonso. Isso ocorreu às 21h.
Retornaram a escola os menores Hermes Barbosa, Mozart Santana de Jesus e Wellington Márcio Gonçalves Rosa. Foi admitido o aluno Cláudio Carvalho Lessa.

Ocorrência do dia 17/02/78
O monitor Geraldo e o aluno José Donizete apanharam algumas laranjas e foram chupar lá no quarto de solteiros à noite.

Ocorrência do dia 18/02/78
Os alunos Sérgio Arcanjo dos Santos e Roberto Sampaio foram à cidade sem permissão e trouxeram bebidas alcoólicas.
O aluno Jamil Carvalho deu um chute no peito do José Mariano sem a menor explicação.

Ocorrência do dia 19/02/78
Os alunos Paulo Geraldo Santana e José Geraldo Moreira saíram com permissão para voltar às 18h; só voltaram às duas horas da manhã.

Ocorrência do dia 20/02/78
Retornou a escola o aluno Ailton Alves e foi admitido o menor Carlos Antonio Lopes da Silva.

Ocorrência do dia 21/02/78
Os alunos Lenimarx José e José Carlos Leandro Pereira, que foram à cidade com permissão para voltar às 18h; só retornaram às 23h.
O aluno Ideusdete Amaro evadiu-se da escola nesta data.

Ocorrência do dia 22/02/78
Os alunos Wagner Eduardo e Geraldo Corrêa passaram o dia sem trabalhar dizendo que estavam doentes, mas quando foi a tarde foram para o campo jogar futebol.

Ocorrência do dia 23/02/78
Evadiram-se da escola os menores Cláudio Carvalho Lessa e José Custódio.
O aluno José Luiz Vieira, na hora do jantar, queria “revanche” (repetir a mesma comida) de carne com batatas; a cozinheira disse: “espera que ainda tem gente para jantar”. Ele ficou com raiva e mandou que ela enfiasse a comida na bunda.

Ocorrência do dia 24/02/78
O funcionário Geraldino discutiu com o aluno Jamil na hora do almoço por causa de fila no refeitório.

Ocorrência do dia 25/02/78
O monitor Geraldino estava bêbado, deixou a chave do seu quarto lá dentro e trancou o cadeado por fora; pediu que o aluno Demerval subisse pelo telhado, tirasse a chave deixando o buraco aberto. No outro dia sumiram alguns objetos de uso pessoal, o Geraldino ficou nervoso e acusou o Demerval de ter roubado.

Ocorrência do dia 26/02/78
Os alunos Francisco Eugênio e Luiz Cláudio brigaram; o Francisco deu um tapa no rosto do Luiz, que pegou uma faca e só não furou o Francisco porque o monitor não deixou.

Ocorrência do dia 27/02/78
O aluno Luiz Cláudio e o monitor Geraldino desentenderam-se e precisou que um outro monitor interferisse para que os dois não brigassem.

Ocorrência do dia 28/02/78
O aluno Clécio Murilo da Conceição apresentou-se na escola nesta data.
Os alunos José Carlos Diniz e Reinaldo Rodrigues dos Santos há vários dias vêm se escondendo de serviço; só aparecem à tarde, na hora do jantar.

Ocorrência do dia 29/02/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 30/02/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 01/03/78
O funcionário Geraldino desentendeu-se com o aluno José Carlos Diniz na hora do almoço por causa de furar fila.

Ocorrência do dia 02/03/78
Evadiram-se da escola os alunos Altamiro Alves de Oliveira e Demerval Rodrigues Coelho.
O aluno Reinaldo Rodrigues dos Santos, desobedecendo o monitor Luiz Tomás, não foi para o trabalho e passou o dia todo escondido.

Ocorrência do dia 03/03/78
O aluno José Carlos Diniz, escondeu-se para não trabalhar.

Ocorrência do dia 04/03/78
Os alunos Jaime José de Paula e Aluísio Salatiel passaram o dia fora da escola sem permissão da direção.
Evadiram-se da escola os alunos Genair Eugênio de Oliveira, Ailton Alves e Mauro Júlio Lucas. O Mauro Júlio apresentou-se no outro dia.

Ocorrência do dia 05/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 06/03/78
O aluno Reinaldo Rodrigues dos Santos, como sempre faz, não foi para o serviço.

Ocorrência do dia 07/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 08/03/78
O aluno Sérgio Arcanjo dos Santos foi à cidade sem permissão, comprou um litro de conhaque e vários comprimidos de Optalidon; tomou os comprimidos e ficou dopado, sendo levado para o pavilhão de segurança; ao entrar na cela tirou a camisa, jogou na lâmpada quebrando-a, pegou um pedaço e cortou-se no braço em vários lugares.

Ocorrência do dia 09/03/78
O aluno Altamiro Alves, que estava foragido, apareceu na escola com um carro roubado e levou seu colega Osvaldo Rodrigues.
Os alunos Domingos de Jesus Machado e Luiz Cláudio do Carmo Lana tomaram entorpecentes e “duraram” (estupraram) o menor José Alberto de Oliveira.
Os alunos José Arnaldo e José Donizete começaram uma briga quando jogavam “totó”, mas pararam logo porque o Paulo Geraldo Santana começou outra briga com o Domingos Machado de Jesus que envolveu doze alunos e todos brigaram de uma só vez.

Ocorrência do dia 10/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 11/03/78
O aluno Mauro Júlio Lucas queria entrar para o dormitório levando duas pernas de pau. O monitor não permitiu e ele ficou furioso, pegou duas pedras e queria jogar no monitor. Levou punição e foi para o pavilhão de segurança.
O aluno Denil Alves Rodrigues procurou o Sr. Francisco para conversar e estava chorando muito. Começou a reclamar que está vendo algo estranho ao redor dele, que não tinha explicações; inclusive uma borboleta preta que o acompanhava muito tempo e conseguiu pousar em seu ombro, o resto ele não sabia explicar, só estava sofrendo muito.

Ocorrência do dia 12/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 13/03/78
O aluno José Carlos Meira, quando trabalhava na marcenaria, começou a discutir com seu colega Aluísio Salatiel e deu-lhe uma “ferrada” (bateu com um ferro) no braço direito.
Os alunos Reinaldo Rodrigues dos Santos, Ademir Cordeiro e Derli do Amaral bagunçaram o tempo todo, não deixando a professora dar aula.

Ocorrência do dia 14/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 15/03/78
O aluno Domingos Machado de Jesus foi embora, desligado da escola.

Ocorrência do dia 16/03/78
Foram embora, foragidos, os alunos Jaime José de Paula e Aluísio Salatiel.

Ocorrência do dia 17/03/78
Evadiram-se da escola os menores José Carlos Meira e Wagner Eduardo Pereira. Ambos roubaram 100,00 do Paulo Venâncio antes de fugir.

Ocorrência do dia 18/03/78
O aluno Sebastião Márcio Ramos deu dois socos no menor Sebastião Militão sem motivo e depois disse: “é para você ver que sou bravo”.
O aluno José Maria da Silva Filho retornou a escola e disse que não vai mais trabalhar na firma onde estava.
Estiveram no portão de entrada da escola quatro elementos estranhos, sendo que três ficaram escondidos na beira da linha (férrea) quando o aluno Afonso Bento passou correndo e chamou o monitor Francisco Dias, que veio logo; mas eles perceberam e correram em direção a Sete Lagoas, não podendo ser identificados pelo Sr. Francisco, pois estava escuro. Isso ocorreu às 21h.

Ocorrência do dia 19/03/78
O aluno José Arnaldo estava jogando “totó” e perdeu; ficou com raiva e quebrou a mesa em que jogava.

Ocorrência do dia 21/03/78
O aluno Wanderlino Rabelo de Sousa, que estava foragido, retornou trazendo dez calças, duas jaquetas, um relógio de marca Seiko e um revólver da marca Taurus. Esses objetos foram recolhidos pelo monitor e entregues a direção da escola.

Ocorrência do dia 22/03/78
Evadiu-se da escola o menor José Carlos Martins Diniz nesta data.

Ocorrência do dia 23/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 24/03/78
O aluno Afrânio Moreira atirou uma pedra na cabeça do aluno Paulo Venâncio que o feriu bastante, precisando ser levado ao Pronto Socorro.

Ocorrência do dia 25/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 26/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 27/03/78
O aluno Reinaldo Rodrigues dos Santos dirigiu palavrões para o monitor Luiz Tomás.

Ocorrência do dia 28/03/78
O menor Carlos Alberto de Oliveira, que estava foragido desde Junho de 1977, retornou por conta própria, nesta data.

Ocorrência do dia 29/03/78
Serviço sem alterações.

Ocorrência do dia 30/03/78
O menor Afonso Bento, na hora de levantar, disse para o monitor Geraldino que não havia homem para tirá-lo da cama. O monitor forçou e eles acabaram trocando socos.
Na hora de entrar em forma para o café os alunos resolveram abusar um pouco do monitor Jonas, que ficou nervoso. Logo em seguida o aluno Roberto Sampaio saiu sem permissão dizendo que iria trabalhar, ao invés de ir para a aula. O Jonas chamou-o de volta e ele disse que não voltava; o monitor pegou-o, deu-lhe vários cascões (cascudos) e o levou para dentro do pátio.

Ocorrência do dia 31/03/78
O aluno Eduardo Levinhagen saiu da escola com permissão para treinar futebol em Sete Lagoas, não treinou e só retornou no outro dia.
O aluno Paulo Geraldo Santana saiu da escola para trabalhar, não trabalhou e retornou às 16h.

Ocorrência do dia 01/04/78
O aluno Lenimarx José de Aguiar Dias recebeu visita de uma moça que diz ser sua amiga e ficou com ele dentro da cerâmica até as 21:30h.

Ocorrência do dia 02/04/78
O aluno Tadeu Tibúrcio da Silva pediu ao monitor para ficar só perto dele, porque o aluno José Arnaldo havia prometido de fazer-lhe de mulher de qualquer maneira.

Ocorrência do dia 02/04/78
Os alunos Mozart Santana de Jesus e José Mariano da Silva saíram para procurar araticum (fruta do cerrado); foram atrás os alunos Reinaldo Rodrigues dos Santos, João Batista Martins, Mauro Júlio e Roberto Sampaio. Pegaram os dois, deram uma porrada no Mozart e depois usaram os dois como mulher.





CAPÍTULO IV



CONSTRUINDO AS LEIS



Ao mesmo tempo em que os funcionários da comunidade faziam um treinamento contínuo nas reuniões da manhã, os fatos transcorriam naturalmente. Nessa época ainda não havíamos discutido suficientemente sobre as mudanças que poderiam ser feitas no sistema de controle das infrações dentro da comunidade. Ainda vigorava o sistema antigo de punições. Alunos que chegavam nos carros da polícia ou nas Kombis da FEBEM eram levados diretamente para a cela (Pavilhão de Segurança) e lá permaneciam por tempo indeterminado. O que estava sendo modificado no Pavilhão de Segurança ficava restrito à alimentação, condições de higiene e uma discreta reformulação das relações pessoais.

Na parte aberta da comunidade as fugas, arrombamentos, estupros, brigas, desrespeito aos funcionários, uso e tráfico de drogas eram ocorrências de rotina. Era comum o interno destruir o patrimônio da escola e formar “gangs” lideradas pelos mais experientes para invadirem as propriedades vizinhas. As queixas da vizinhança eram freqüentes. Tudo isso era passível de punição e os funcionários ficavam atemorizados com as ameaças de represália. O mais respeitado era o coordenador de segurança, um senhor chamado de Chicão, alto, forte e corajoso, disposto a conter qualquer aluno que tentasse ameaçar alguém. Mas a proibição severa do uso de castigos físicos, determinada pela equipe, provocou um corte nessa modalidade de lidar com os conflitos. Isso gerou uma forte crise entre os monitores porque essa era a única e mais antiga forma de lidar com infrações. Agora todos teriam que pensar e experimentar novas formas para trabalhar com a conduta infratora. A insegurança tomou conta da escola.

Ativados pela indecisão dos funcionários os internos iniciaram movimentos de protesto, contra o rigor do sistema de punições, que chegavam até os ouvidos da Equipe de Educação e Reabilitação. Esse fato despertou a necessidade de avaliar essa prioridade com maior empenho. Esse era um dilema na comunidade: Quem pune? Por que se pune? Quem estabeleceu essas regras? O que fazer?

Essa questão gerou intensos e prolongados debates nas reuniões da Equipe. De um lado funcionários antigos e os mais autoritários que defendiam um aumento do rigor dos castigos; de outro lado alguns técnicos, e os mais idealistas, que propugnavam pela abolição das punições e, ainda, os mais radicais, que defendiam a pura e simples extinção do Pavilhão de Segurança (cela). Esses debates se prolongavam enquanto as novas idéias e os antigos costumes não encontravam uma solução conciliatória. O que aconteceria se as punições se tornassem mais rigorosas, já que os castigos físicos haviam sido abolidos e até dois monitores já haviam sido demitidos por desobedecerem com freqüência o que havia sido decidido pela Equipe? Como agir, no caso da abolição das punições, se os alunos se rebelassem e agredissem os funcionários? Se o Pavilhão de Segurança fosse extinto, como conter os alunos mais reativos? Era difícil obter respostas para essas perguntas. Até os alunos já tinham conhecimento do estado de dúvida reinante na cúpula da comunidade. Eles se sentiam poderosos diante da nossa incapacidade de tomar decisões, as pressões aumentavam e o assunto freqüentemente se transformava em pilhéria e deboche. Alguns alunos defendiam a volta dos castigos físicos dizendo: “ladrão e bandido têm mais é que levar porrada!”. Foi um momento difícil na vida da escola.

Antes, porém, de responder sensatamente a esta dificuldade, precisávamos compreender melhor como a punição era vista do ângulo do infrator e do ângulo dos funcionários da instituição e da sociedade em geral. O primeiro já possuía uma vasta experiência de castigos em toda a sua estória de vida, desde o ambiente familiar, passando pelas experiências da rua e da polícia e também nas outras instituições pelas quais passara. Nós, os integrantes da equipe, membros da classe média, possuíamos uma experiência bem diferente. Não sabíamos lidar com essa realidade. O Estado nas suas diferentes formas de organização sempre optou pela fórmula punitiva seguindo a regra: “a cada infração, uma punição correspondente”.

Durante uma reunião de equipe surgiu a idéia nova! Acreditávamos que o primeiro passo para a mudança estaria no uso livre da reação verbal (protestos, discordâncias, indignações). Depois viria o diálogo, o acordo e, por fim, o consenso. Por que então não transformar esse dilema num debate mais amplo, já que essa questão importava a todos, alunos e funcionários? Nossa inexperiência e o hábito de centralizar todas as decisões nos estava impedindo de pensar e agir com liberdade. Resolvemos partilhar nossas dúvidas e iniciamos a formação de grupos de debates para propor um novo regulamento para a comunidade. Cada grupo seria constituído de oito alunos e dois funcionários, sendo que todos tinham direito de voz e voto. Cada grupo deveria se reunir periodicamente e apresentaria no final um relatório com as decisões geradas pelo grupo. A comunidade se transformou numa oficina de reuniões e debates. O conteúdo das discussões deveria se limitar ao tipo de infração cometida e a punição correspondente a ela. Os que faltassem as reuniões não teriam o direito a reclamações posteriores. Caso essa proposta de revisar as punições para criar um novo regulamento não fosse aceita pela maioria dos alunos, continuaria em vigor o sistema existente. No final as proposições dos grupos seriam apreciadas pelos representantes de cada grupo em conjunto com a Equipe de Educação e Reabilitação, em uma grande reunião deliberativa, que homologaria o novo regulamento. Esse regulamento deveria ser testado no decorrer do tempo e as modificações que se fizessem necessárias teriam que ser avaliadas periodicamente pelos membros de cada grupo, até que se chegasse a forma ideal aprovada pela maioria.

Essa experiência nos fez descobrir que a melhor maneira de compreender e conviver com adolescentes é usando as ferramentas diálogo-acordo. A discordância exige o diálogo para compor o acordo. Aprendemos que essas ferramentas servem mais para produzir reflexão e amadurecimento (sociabilidade) do que para atingir soluções definitivas. Nesse período percebemos como o adolescente infrator é rígido e punitivo consigo próprio. A grande maioria das sugestões de castigos físicos violentos partia deles, exageravam nos períodos de detenção e na crueldade das punições. Na verdade estavam contando para nós a sua estória de vida violenta e as estratégias de sobrevivência que haviam aprendido. Para eles infração e castigo eram as experiências fortes das quais necessitavam para manter suas identidades preservadas e o equilíbrio mental indispensável. Uma aprendizagem iniciada no interior da família.

Surgiram também os boicotes. Desconfiados pelo convite de participar das decisões da comunidade, não acreditavam na proposta. A grande maioria dos internos nunca havia sido convidada para se expressar livremente, nem em casa nem na rua e muito menos nas delegacias e em outras instituições. Sentiam-se como simples objetos de controle dos poderosos contra os quais deveriam se opor impulsivamente e nunca se aliar. No início alguns líderes de grupos fizeram intensa campanha para dissuadir os outros alunos de participar das reuniões. Outras vezes ameaçavam se retirar das discussões com o objetivo de esvaziá-las. Foi feito um acordo de cavalheiros que consistia no seguinte: atendendo as reivindicações de alguns, o Pavilhão de Segurança (cela) seria desativado para que os presos pudessem participar das reuniões, e assim permaneceria, até a conclusão do regulamento. Se não houvesse qualquer ocorrência durante seis meses se poderia pensar na sua extinção através de um plebiscito. Havia um aluno que exercia forte liderança e que se opusera à idéia de extinção da cela. No terceiro dia sem ocorrências, ele furtou na vizinhança, quebrando o acordo e obrigando, com isso, a permanência da cela. Afirmava que cela foi feita pra bandido e que essa idéia de extinção estava fora da realidade. Era um rapaz inteligente e sensato.

Os funcionários antigos também estavam surpresos. Não contavam com a solução encontrada para lidar com as infrações. Não acreditavam que isso fosse levado a sério, pois estavam acostumados com o padrão centralizado, onde um só mandava e todos obedeciam. Alguns, às escondidas, faziam anedotas com as decisões da Equipe de Educação e Reabilitação, como se todos os seus membros tivessem enlouquecido. Diziam: “dar essa liberdade toda para bandido e ladrão vai acabar tirando nossa autoridade e bagunçando tudo”. Era a primeira vez que as pessoas da comunidade se defrontavam com liberdade de expressão e com regras igualitárias só existentes em aldeias indígenas. Nem o mais competente dos funcionários, nem mesmo a diretora e seu marido podiam ter privilégios, pois as regras existentes valiam para todos. Era como se aquela comunidade estivesse se exercitando para poder se adaptar ao período de distensão e retorno a normalidade democrática que viria acontecer anos depois no Brasil. Estávamos no final do ano de 1977.

Dizem os pesquisadores que certos animais, após um longo período de prisão e sofrimento, desaprendem a lidar com a liberdade e se tornam dependentes do dono. Era compreensível o comportamento de todos, pois o que poderia ser entendido com naturalidade era sentido como excesso de liberdade. O tempo encarregou-se de provar que tudo aquilo que fosse aprovado por todos seria para funcionar de verdade, seria p’ra valer!

O regulamento novo ficou pronto. Tinha sido construído por funcionários e alunos durante alguns meses de muito debate e reflexão. Era muito rigoroso e deixou os funcionários boquiabertos. Eles não esperavam que os jovens pudessem ser tão rígidos consigo próprios. Tentaram minimizar, dentro do possível, as penas mais cruéis e prolongadas. Durou menos de um ano e foi substituído por outro mais sensato e humano. Esse novo regulamento passou a ser respeitado e aceito com relativo apoio da comunidade. Decidiu-se que esse último regulamento poderia ser modificado desde que fossem mobilizados todos os níveis de representação da escola. Essa prática nos ensinou que uma verdadeira lei só se constrói com participação e só é respeitada quando consentida pela maioria; sua duração se efetivará por longo tempo se contemplar a todos sem discriminar ninguém. Essas tentativas de integrar os internos a comunidade acabou por surtir efeitos inesperados entre funcionários, incluídos os integrantes da Equipe de Educação e Reabilitação. Essa integração atingia a todos sem que pudéssemos ter percebido isso no início. Vivíamos entre as decepções das decisões erradas e a alegria das experiências que surtiam efeito.



ACORDO DE FUGA E OUTRAS NOVIDADES


O regulamento novo dispunha de mecanismos inovadores. Agora as fugas não estavam mais sujeitas a punição, elas eram um direito de qualquer um que quisesse abandonar a comunidade. Ninguém poderia fugir e voltar no dia seguinte. Tínhamos aprendido que essas pequenas fugas eram um expediente largamente usado para efetuar pequenos furtos na vizinhança e na cidade. Serviam também para a aquisição de drogas e intercâmbio com grupos que viviam nas ruas. Os novatos que chegavam continuavam indo para o Pavilhão de Segurança, porém o tempo de permanência era restrito. Lá era feito um trabalho de preparação que durava em média uma semana. Falava-se sobre o novo regulamento da escola e sobre os direitos e deveres na ala aberta. A decisão de ficar ou fugir após a saída da cela era da alçada do próprio aluno. A escola era agora um espaço de alternativas vantajosas para quem quisesse ficar, mas o direito de fugir estava assegurado.

Com a melhoria da comida, com as instalações mais confortáveis e com a reativação das oficinas de cursos profissionalizantes a comunidade se tornou mais atraente. Agora todo interno teria que fazer opções: ou fazer um curso, ou estudar na escola de primeiro grau ou ajudar em algum setor da escola ou fugir. Ficar ocioso significava para nós uma não-inserção naquilo que chamávamos de Integração Social Progressiva. Uma integração que preparava para a saída. Não queríamos estimular a dependência à comunidade, mas oferecer uma alternativa mais saudável de vida em grupo, com diálogo, acordo, trabalho, direito e dever. Os que optassem por aceitar esse convite poderiam modificar suas vidas e seriam ajudados por todos os funcionários. A fuga passou a ser uma opção.

Um manual escrito de forma accessível à leitura de todos os funcionários passou a circular na escola para que todos conhecessem os objetivos da comunidade. Foi também divulgado na cidade de Sete Lagoas e encaminhado a Belo Horizonte para ser distribuído em outras unidades da FEBEM. Organizada a vida interna, estávamos interessados na sensibilização das lideranças da cidade de Sete Lagoas, local para onde parte dos internos poderia completar os estudos iniciados na escola de primeiro grau, existente na comunidade, e conseguir estágios ou empregos em oficinas da cidade. A Divisão de Esportes e Lazer promovia jogos de futebol e os alunos se inscreviam para participar desde que estivessem filiados a uma das atividades da comunidade. Eram comuns as preleções, feitas pelo coordenador da área, antes dos jogos para evitar que os times convidados formassem um juízo de valor deturpado sobre os alunos mais agressivos. Com o tempo nosso time recebia convites para jogar em outras cidades. O comportamento social era um item importante para selecionar o participante da excursão ou evento esportivo.

As ações conjuntas dos Departamentos se faziam presentes nos eventos que envolviam toda a comunidade: festas juninas, natal, torneios internos, carnaval e outros mais, contavam com a participação efetiva de todos. Os funcionários eram estimulados a participar das palestras feitas em Sete Lagoas com o objetivo de esclarecer a população sobre o trabalho existente na escola. Setores ainda resistentes da cidade de Sete Lagoas eram convidados a participar dos eventos e a fazer visitas à escola para avaliar de perto os resultados. Agora as reivindicações de internos e funcionários podiam ser ouvidas em qualquer lugar da comunidade e transferidas para avaliação na Equipe.




OS ANOS SEGUINTES (1980/81/82)




Cada vez mais ia ficando claro para nós que participação com igualdade de direitos, liberdade de informação, compartilhamento de conhecimento e de poder podia produzir resultados surpreendentes. As reivindicações agressivas estavam se transformando em críticas veementes e em sugestões espontâneas. Já se notava uma diferença entre o modo de pensar e agir dos alunos integrados e dos novatos que chegavam. Os primeiros informavam aos recém-chegados quais os meios existentes para se adquirir vantagens e conseguir emprego ou estágio na cidade de Sete Lagoas. Isso não significa dizer que a comunidade havia se transformado numa ilha de paz. As infrações se sucediam, só que num ritmo diferente e com menor intensidade. Com treinamentos periódicos e com as reuniões diárias a experiência havia crescido junto com as habilidades em manter contatos pessoais em todos os níveis. Crescíamos todos juntos, alunos e funcionários. É mera ilusão pensar que só os internos amadurecem num ambiente livre e expressivo. Os primeiros conflitos interpessoais dentro da Equipe de Educação e Reabilitação e entre funcionários e alunos haviam experimentado o mesmo remédio: expressividade/diálogo/acordo - um remédio de efeito geral. A linguagem se tornaria habitual quando todos acreditassem poder atuar como cidadãos livres, e mais, quando os funcionários assumissem as funções de terapeutas e educadores. Alguns alunos já mostravam comportamento ativo (construtivo) diante de certas situações de conflito.


Durante todo esse percurso tivemos debates acalorados com alguns funcionários da sede da FEBEM em Belo Horizonte e do Juizado de Menores, que criticavam e se opunham aos métodos utilizados dentro da escola. Achavam-nos “excessivamente liberais” e atrevidos demais por não cumprirmos determinadas normas legais que, por sua rigidez, não condiziam com a nossa proposta de trabalho. Por outro lado, recebíamos apoio e incentivo da maioria dos funcionários que acompanhava de perto o crescimento da comunidade. Nosso melhor argumento era a apresentação dos resultados positivos obtidos até então. A Equipe de Educação e Reabilitação representava a comunidade, era apoiada e respeitada por todos porque aprendeu a distribuir o poder entre todos. A própria diretora não interferia nas decisões da Equipe porque fazia parte dela e a apoiava como instância superior das decisões na área terapêutica e pedagógica. A direção da escola tinha toda a liberdade de atuar no plano administrativo, cuja função ficava restrita a rotina de manutenção física e encaminhamento de dados para controle financeiro. Já éramos conhecidos e respeitados pela sede e por outras unidades da FEBEM.


O Departamento de Saúde fazia atendimento diário de alunos e funcionários nas áreas de odontologia, clinica geral, psiquiatria e psicologia, mas a atenção maior estava voltada para a área preventiva. Doenças comuns adquiridas na rua, como pediculoses, escabiose, micoses e verminoses eram sujeitas a rigoroso controle e ficavam sujeitas a inspeções de rotina, sobretudo na fase de recepção de alunos egressos de outras unidades, da rua e delegacias. Casos que merecessem atendimento especializado ou de urgência, eram encaminhados para Sete Lagoas, onde a escola possuía convênio para atendimento de urgência e especializado em caráter prioritário. Análises da água e equipamentos de segurança para uso nas oficinas e na agricultura eram obrigatórios e utilizados de rotina.


O Departamento de Trabalho, entre outras, possuía uma Divisão de Produção que cuidava da agricultura, da horta e da pecuária bovina. Embora de pequeno porte, toda a produção era orientada para consumo interno e racionalizada para diminuir os custos. Para isso foi contratado um técnico agrícola e iniciado um convênio de suporte com a EMATER local. Geralmente essa era a área escolhida pelos alunos egressos da zona rural para iniciarem sua adaptação à comunidade. Os alunos de origem urbana escolhiam geralmente as oficinas profissionalizantes e os indecisos poderiam se iniciar pelas atividades ocupacionais como faxina, cozinha e limpeza. Esse era o esquema geral. Havíamos aprendido, porém, que em certos casos, o aluno preferia trabalhar na companhia de algum funcionário com o qual houvesse estabelecido um bom nível de interesse e empatia. Nesses casos o funcionário se tornava responsável pelo acompanhamento mais próximo e pela evolução desse aluno. Essa era outra ferramenta-chave do trabalho. Além do remédio geral -expressividade/diálogo/acordo – havia um outro, específico, que o complementava com eficácia – o vínculo afetivo. Ambos reunidos poderiam estar construindo o processo de mudanças que ocorria. Todavia, era necessário acreditar e estar preparado para estabelecer esses contatos de qualidade sem perder o senso de realidade, pois estávamos lidando com adolescentes reativos pobres.


O conceito de trabalho integral havia sido pensado, no plano geral, como uma forma de associar as ações aos objetivos que se pretendia alcançar. Como técnicos e cidadãos de uma sociedade individualista, não sabíamos como operacionalizar esse conceito sem desumanizar as atividades. Também ainda não havíamos percebido que toda ação contém, embutida no seu cerne, uma intencionalidade que direciona para uma ideologia e uma prática de convivência, ou seja, uma qualidade determinada pelo modo de viver e conviver que forma hábitos. Como é comum ocorrer na maioria dos ambientes de trabalho, os atos estão, quase sempre, voltados para os interesses individuais e para as metas da instituição e não para o sentido coletivo das relações pessoais. Não pretendíamos trabalhar para a instituição, nossa intenção estava voltada para as mudanças que poderiam ocorrer na comunidade e que pudessem se refletir qualitativamente no comportamento de todos, internos e funcionários. Estávamos tentando buscar respostas para uma pergunta: É possível conviver num grupo humano solidário e, ao mesmo tempo, alcançar as metas de ressocialização propostas pela instituição? De que forma isso é possível? Ou, em outras palavras, como se aproximar da qualidade de convívio que existe nas sociedades naturais (aldeias indígenas), convivendo numa instituição do mundo civilizado?

Compreendemos que conhecimento e tecnologia avançada facilitam, mas não conduzem as mudanças; só a vontade de um grupo pode conseguir isso. Estávamos a caminho de aprender sobre o fenômeno da existência de menores infratores em uma sociedade e sobre as instituições criadas para esse fim, suas causas e suas alternativas de trabalho. Mesmo sem querer, existiam duas porções separadas pelo preconceito: os internos e os funcionários. O conceito de trabalho integral era um desafio para nós: Ou mudamos todos ou nada de novo acontecerá! Decidimos por colocar no eixo das nossas intenções, uma transformação geral. Aquela que pudesse criar uma nova alternativa de convivência, centrada na figura humana do interno e do funcionário. Todas as ações e atividades teriam que estar impregnadas dessa idéia. Nenhuma atitude ou atividade deveria afastar-se dessa direção.




TEMPOS ÁUREOS (1983/84/85)




CAMINHANDO PARA FORA DA COMUNIDADE



A prática conduzida através dos anos já surtia efeitos. Começavam a chegar visitantes curiosos de várias instituições da cidade de Sete Lagoas e de Belo Horizonte. Queriam assistir bem de perto o que tinham ouvido através da divulgação feita pela FEBEM-SEDE. Percorriam todos os locais da escola e falavam livremente com funcionários e alunos. Enchiam de perguntas os membros da Equipe de Educação e Reabilitação. Alguns ficavam impressionados com o estado físico e a limpeza dos prédios, com a intensa atividade nas oficinas e, sobretudo, com o modo de falar aberto e direto de funcionários e alunos. Foi a partir dessas visitas que se iniciaram os convites para fazermos palestras em outras cidades do Estado de Minas Gerais. A comunidade era representada sempre nos simpósios e encontros promovidos por outras instituições. Recebemos diferentes grupos, vindos de outros estados da federação, interessados em conhecer e trocar experiências. A escola não funcionava como um quartel organizado, como uma exposição preparada para os visitantes. Pelo contrário, alguns alunos usavam as visitas para desabafar suas queixas, fazer reivindicações e criticar a Equipe, tudo na frente de quem estivesse perto. Não havia “autoridades” na comunidade, todos podiam falar o que quisessem. Era esse o clima vigente.

Os visitantes mais experientes sabiam que a liberdade não se coaduna com o consenso absoluto, com a uniformidade de pensar e sentir e que as insatisfações pessoais necessitam de espaço aberto de expressão. Os monitores não precisavam vigiar, técnicos não aconselhavam e a direção não via necessidade de punir. Todos haviam elaborado um Regulamento Interno e poderiam mudá-lo quando quisessem. Havíamos introjetado conceitos de liberdade e limite. Os visitantes também ouviam alunos que estavam numa fase mais avançada, com atitudes menos reativas, animados com seus projetos para o futuro. Era fácil perceber os que se encontravam em estágios diferentes de integração.

Começaram a surgir convites para treinamentos em outros estados. Em locais distantes (Amazonas, Rondônia) era difícil obter recursos para passagem e estadia; nos mais próximos o número de participantes podia ser maior e as despesas de viagem mais baratas. Mesmo assim as dificuldades não cessavam. Reclamações sobre a qualidade dos produtos que chegavam para a cozinha, roupas escassas e padronizadas, materiais de escritório e muitas outras necessidades essenciais eram insistentemente cobradas à sede. Alunos repeliam o vestuário padronizado e preferiam roupas normais. Havíamos aprendido a reivindicar, assim como os alunos faziam, de forma insistente e firme. Já tínhamos relativa autonomia ao conseguir autorização para comercializar objetos produzidos na escola e algumas oficinas possuíam normas próprias para distribuição da renda gerada pela sua produção e distribuição entre seus membros. Uma parte dos calçados fabricados na sapataria era reservada para alunos e funcionários. A marcenaria podia produzir móveis para a comunidade ou para livre comercialização. A olaria produzia artigos e artesanato para venda e havia a possibilidade de ser utilizada por alunos, fora do horário normal de expediente, para produção particular. A serralheria era usada para treinamento profissional e aberta a encomendas externas. Cursos de mecânica de automóveis e consertos de aparelhos eletrodomésticos eram muito procurados pelos alunos. Havia as missas de domingo para a qual o comparecimento não era obrigatório. A abertura para representantes de outros credos religiosos era permitida.

Os internos haviam feito reivindicações para convidarem pessoas conhecidas da cidade de Sete Lagoas, onde trabalhavam ou estudavam, que mostravam desejo de participar de festas e eventos internos. Tudo era possível, desde que passasse pelo caminho do diálogo e do acordo. A Equipe sempre se via ás voltas com situações novas que tinha de resolver e que nem sempre permitiam uma resposta pronta para essas dificuldades, conflitos e insatisfações. Estávamos crescendo e perdendo as características monótonas de uma instituição de menores. Estávamos percebendo que a criatividade se expande normalmente quando as idéias e os atos podem fluir naturalmente.


NASCE A ALA FECHADA


Durante uma reunião de equipe surgiu outra idéia nova! A cela (Pavilhão de Segurança) incomodava e se tornava cada vez mais discrepante de outras áreas já desenvolvidas. Falou-se em reforma física e mudança radical no seu funcionamento, mas isso não convenceu a maioria. Ela ficava distante da ala aberta, era medieval na sua arquitetura e seu espaço não havia sido planejado para abrigar atividades preparatórias que pudessem adaptar os egressos, vindos das ruas e delegacias, às atividades oferecidas na ala aberta da comunidade. Por essas e outras razões a cela foi substituída por um novo espaço que passou a se chamar de Ala Fechada.

Esse local foi planejado para ser de tamanho apropriado para permitir um trabalho de adaptação, uma espécie de ante-sala para a ala aberta, com atividades e regulamentos próprios para os que chegavam da rua e de outras instituições. Havia sim uma restrição da liberdade e ela não era camuflada com palavras e gestos. Era necessário que a verdade fluísse pura e sem hipocrisia. Dizíamos aos recém chegados que seríamos obrigados a seguir a legislação do país e falávamos com base nos documentos de internação, na determinação judicial e nas ocorrências policiais. Era importante que, num primeiro contato, os internos pudessem perceber que a dissimulação e a mentira não faziam parte dos atos e do discurso no novo local. A primeira impressão teria que ser firme e verdadeira. Ele, interno, estava em regime de restrição da liberdade física, não poderia fugir dali. No entanto podia expressar livremente pensamentos, sentimentos e idéias, já que esses atributos humanos não são passiveis de detenção. Sua opção de fuga poderia ser feita tão logo cumprisse o tempo determinado para a detenção, que poderia variar segundo a gravidade das ocorrências praticadas e que também seriam proporcionais ao seu comportamento nessa Ala Fechada.

Atividades de pequeno porte, artesanatos, trabalhos manuais, artísticos e qualquer outra atividade poderia ser sugerida e desenvolvida naquele local, bem como atividades esportivas e de lazer, como peladas de futebol, jogo de damas e dominó. Numa segunda fase o aluno poderia executar tarefas na ala aberta, mas teria que retornar para dormir e fazer refeições na Ala Fechada. Com o passar do tempo foram introduzidas novas atividades no local e contratados novos funcionários para executar essas atividades. Treinamento e intercâmbio de experiências entre funcionários das alas aberta e fechada passaram a ocorrer com maior freqüência.



CONTATOS COM A FAMÍLIA


O conceito de trabalho integral era operacionalizado pela Equipe, através da coordenação do Departamento Social, sob forma de Integração Social Progressiva. A atuação de duas assistentes sociais que organizavam esse importante trabalho permitiam sua continuidade. Desde o ingresso (recepção) até a saída definitiva (desligamento) o interno era acompanhado e estimulado para seguir e transpor os níveis planejados pela Equipe. Desde a recepção procurávamos localizar seus núcleos afetivos primários (família, orfanatos, parentes) para facilitar um trabalho conjunto e permitir o reinício da sua retomada de vida após o desligamento. Contato com familiares ou substitutos, através de cartas, telefonemas e visitas, era um procedimento de grande importância para atenuar seu comportamento reativo e facilitar sua adaptação ao ambiente da comunidade. “Se alguém conseguir descobrir minha família e me ajudar a revê-la, é porque se importa realmente comigo”. Essa frase-padrão, mesmo não sendo falada, estava estampada no rosto da maioria dos alunos. Os interesses e condições da família (em receber o aluno, em arranjar lhe emprego, ambiente familiar favorável) eram determinantes para encurtar o tempo de permanência na comunidade. A instituição certamente não era o melhor lugar para ele, sabíamos disso.

O resultado do encontro com os familiares era imprevisível. Algumas vezes negado, outras vezes rejeitado e certas vezes envolvido por forte emoção. Sempre procurávamos mais informações, com os familiares, que pudessem atualizar os dados existentes nos prontuários, contudo era preciso manter uma discreta distancia para respeitar a privacidade do contato e a oportunidade, bastante rara, desse momento íntimo. Na grande maioria das vezes essas famílias se apresentavam desestruturadas ou mostravam sinais de despreparo pessoal para um convívio saudável. Estimulávamos essas pessoas para que voltassem mais vezes e, quando possível, combinávamos a ida do aluno em fins-de-semana ou durante as férias para visitar seus parentes e amigos. A única exigência feita era que cumprisse com a data combinada para o retorno a escola, porque isso fazia parte do Regulamento.

A maior parte das visitas era feita pelas mães acompanhada de algum irmão ou parente. Os funcionários que moravam na comunidade costumavam alojar os visitantes quando estes resolviam ficar alguns dias mais. As refeições eram servidas no refeitório da escola e alguma ajuda financeira para transporte era oferecida nos casos de necessidade.

Tínhamos, porém, algumas dúvidas. Como reintegrar pessoas em famílias que não apresentavam a mínima condição para conviver com elas? Como fazer para encaminhar alunos a famílias que já se haviam esfacelado ou não mais existiam? Como reinserir os internos numa sociedade altamente competitiva, individualista e preconceituosa? Tínhamos criado, nessa comunidade, um mundo que não existia lá fora?


NASCE A EQUIPE MISTA


As experiências com distribuição do poder haviam chegado em nível bastante incomum. Todos podiam ser ouvidos, todos podiam se expressar. A Equipe de Educação e Reabilitação era o centro para o qual convergiam as dúvidas, idéias e sugestões criadas nos grupos operativos, uma espécie de conselho superior que avaliava e debatia as contribuições. Por outro lado também era sentida como concentradora de poder pelos alunos, que não possuíam representação nela. Eles podiam sugerir e criticar, mas não podiam decidir.

Certa vez, num “papo” informal, um grupo defendeu a participação mais efetiva dos alunos nas decisões da comunidade. Essa crítica se relacionava ao fato de os alunos não estarem representados na Equipe de Educação e Reabilitação. O argumento estava contido na frase dita por um aluno: “Vocês falam em igualdade de direitos, mas não permitem que os alunos participem diretamente das decisões. Não temos voz e voto na Equipe e vocês não confiam em nós”.

Embora isso fosse verdade e já tivesse sido proposta uma mudança, há algum tempo atrás, pela própria Equipe, havia um consenso de que alunos não deveriam participar das decisões para não utilizarem indevidamente as informações veiculadas nas reuniões. Eram informações estratégicas que envolviam nomes de pessoas e decisões importantes que, muitas vezes, determinavam o rumo a ser seguido. Mesmo assim quatro membros da Equipe decidiram levar a frente essa reivindicação e iniciaram uma série de debates sobre essa questão. Após algum tempo chegou-se a conclusão que essa idéia poderia iniciar uma experiência nova. Não se tinha conhecimento, até então, de que a co-gestão em um ambiente de infratores pudesse levar a bons resultados. Parecia mais uma das “loucuras” da Equipe, tão criticada por certas pessoas da instituição FEBEM e do Juizado de Menores. Não havia qualquer bibliografia a respeito desse assunto.

Após estruturarem a idéia sob forma operacional para ser experimentada e aperfeiçoada com o tempo, esses membros a apresentaram e defenderam em uma reunião da Equipe de Educação e Reabilitação.

Caiu como uma bomba no centro da reunião! Mais uma vez os ânimos se exaltaram e a equipe se dividiu. Embora esse fato já fosse comum entre nós, as alas progressista e conservadora da Equipe reagiam, sempre que uma idéia mais audaciosa se apresentava para discussão. Uma espécie de terremoto cíclico que, vez por outra, estremecia as bases do grupo. Como, por tradição, as decisões discutidas e homologadas em reunião se incorporavam a vida da comunidade de forma séria e respeitável, a grande preocupação residia na imagem da Equipe já conquistada com muito esforço. Éramos um grupo que quase sempre não voltava atrás nas suas decisões. Toda vez que uma nova idéia era apresentada teria que ser refletida com cuidado para não abalar o alicerce já construído. Mas dessa vez parecia uma coisa absurda! Como permitir que adolescentes infratores interferissem no controle das decisões? Como compartilhar o poder de decisão com alunos. Como operacionalizar a proposta, de forma compatível com a realidade existente, sem sobrecarregar a Equipe, já tão cheia de tarefas? Era certamente um grande desafio manter dois centros de poder dentro da mesma comunidade!

Para discutir essa questão tivemos que combinar horários para fazer reuniões extraordinárias, fato que só acontecia nos assuntos muito relevantes e complexos. Não era sensato criarmos duas cabeças para comandar um só corpo. Seria o caos! Com paciência e reflexão conseguimos encontrar uma alternativa que, após certa resistência, se mostrou possível de ser experimentada. O consenso e a autorização, porém, estariam subordinados a uma condição: “Se a experiência se mostrasse útil como ferramenta educativa e se facilitasse o conjunto operacional da escola, poderia ser incorporada como atividade normal. O prazo estimado para mostrar resultados deveria ser inferior a seis meses”. Os membros defensores da idéia comemoraram a “vitória” e se entregaram ao trabalho de aperfeiçoamento da proposta.

O resultado da reunião foi comunicado aos alunos interessados e foi marcada uma data para a primeira reunião da nova equipe. Foi denominada de Equipe Mista pelo fato de ser constituída por alunos e funcionários. Nessa equipe o número de funcionários não podia exceder da quarta parte do total de membros reunidos e os funcionários participantes seriam escolhidos por alunos. A coordenação estaria sempre sendo feita por um líder dos alunos e o sistema de aprovação seguia o mesmo padrão usado na Equipe de Educação e Reabilitação. Os líderes deveriam fazer consultas e reuniões com a população de internos para obter as reivindicações e idéias circulantes entre eles. As reuniões ordinárias ocorreriam nas quartas-feiras pela manhã e teriam duração de uma hora. Reuniões extraordinárias poderiam ser feitas em casos de necessidade. Todos tinham direito de voz e voto. A ata poderia ser feita por funcionário ou aluno e, após leitura, seria aprovada e assinada pelos presentes. As propostas deveriam ser encaminhadas à Equipe de Educação e Reabilitação para avaliação e aprovação. Essas propostas aprovadas pelas duas equipes poderiam alterar antigos itens do Regulamento Interno ou substituir normas vigentes, desde que passassem por um tempo de experiência de verificação prática dos resultados.

Esse novo espaço de delegação de poder e co-gestão na vida da comunidade visava, entre outras coisas:

• Atender a uma solicitação justa e real de participação.
• Iniciar os líderes para uma forma de associação com base em reflexão e diálogo.
• Estreitar as relações entre o centro do poder representado pela Equipe de Educação e Reabilitação e a Equipe Mista, tornando-as cúmplices nos resultados obtidos pelas decisões conjuntas.
• Aperfeiçoar e estimular a noção comunitária de comando, a autonomia e a capacidade crítica dos envolvidos nas decisões.
• Permitir a expressão do potencial existente no ato de pensar, debater, julgar situações reais, etc.

As primeiras reuniões da Equipe Mista transcorreram num clima de grande desconfiança. Mesmo tendo conquistado um núcleo de poder, os internos ainda não acreditavam que fosse possível discutir livremente sobre qualquer tema vinculado à rotina da escola e que as decisões tomadas ali pudessem ter algum valor. Nem mesmo admitiam que os assuntos debatidos pela Equipe Mista pudessem ser levados em consideração pela Equipe de Educação e Reabilitação. Alguns líderes e a maioria dos alunos via nessa nova equipe um possível centro de delações de infrações que ainda eram cometidas nos subterrâneos do dia-a-dia. Surgiram grupos que olhavam para os membros da Equipe Mista como os “considerados” (protegidos) da escola; outros os acusavam de alcagüetes e otários. A freqüência às reuniões era irregular e os assuntos muitas vezes interrompidos por ameaças mútuas e palavrões entre alunos. Os funcionários atuavam, na maioria das vezes, como mediadores, na tentativa de acalmar os ânimos. Eram visíveis o autoritarismo, o individualismo e o exibicionismo entre os líderes.

Após certo tempo foi combinado que a pauta da reunião e a responsabilidade pelo comparecimento ficaria a cargo dos alunos. Se a Equipe Mista não conseguisse resolver suas questões internas e ficasse um mês sem se reunir, seria desativada e se encerraria por falta de interesse do corpo de internos da escola. Queríamos mostrar que ela era fruto do desejo dos alunos e que só eles poderiam mantê-la funcionando. Isso gerou mudança e as próximas reuniões começaram a melhorar de nível. A inexperiência dos internos em tratar com questões da realidade era um grande obstáculo para pensar e produzir idéias construtivas; a criatividade estava acostumada a lidar apenas com soluções imediatistas e reativas. No final do terceiro mês de reuniões surgiram as primeiras demonstrações de progresso: pedia-se apartes (dificilmente concedidos), a timidez no falar estava diminuindo, membros fundadores traziam alunos novatos para a reunião.

Certa vez um aluno, empolgado pela sua posição de coordenador da reunião, usou a expressão “nobre colega”; a gargalhada foi geral e ele ficou irritado com a reação do grupo. Os mais calados eram estimulados a falar, dar opiniões, expor idéias e pontos de vista. Os temas mais visados diziam respeito ao relacionamento com monitores, horário das refeições e de dormir, saídas para passear na cidade de Sete Lagoas e assuntos correlatos. Os funcionários escolhidos foram: o psiquiatra, o psicólogo, um monitor e uma funcionária do Departamento Social.

A primeira proposta concreta encaminhada para a Equipe de Educação e Reabilitação tratava de uma sugestão de mudança do regulamento Interno. Diziam os alunos que ao serem acordados pela manhã pelos monitores, sempre surgiam conflitos porque eram tratados com grosseria por estes. Os monitores, segundo eles, os xingavam e ameaçavam para não se atrasarem para o café no refeitório. O pessoal da cozinha já havia reclamado desses atrasos e, tudo isso, se refletia nos horários de almoço, lanche e jantar. A proposta feita e aprovada pela maioria dos alunos era a seguinte:

• Como o café era servido às sete horas e se encerrava as sete e meia, os monitores não mais teriam o encargo de acordar alunos. Haveria uma tolerância de quinze minutos para ingressarem no refeitório e os retardatários ficariam sem café, pois a porta seria fechada as sete e quinze sem possibilidade de justificativas. Isso diminuiria as tarefas dos monitores, evitaria conflitos e seria uma opção para os que preferissem dormir um pouco mais.

A proposta, segundo eles, havia passado por amplo debate com os alunos e aceita por quase todos, antes de ser discutida pela Equipe Mista. Essas discussões eram feitas nas horas de folga e a noite.

Levada para apreciação da Equipe de Educação e Reabilitação essa proposta provocou uma divisão de opiniões entre monitores. Uns achavam que “esse negócio de Equipe Mista querer mandar na escola não ia dar certo”. Outros eram favoráveis porque diminuía suas atividades e essa, de acordar os alunos, além de obrigá-los a levantar muito cedo, ainda era uma das mais trabalhosas. Todavia essa função de acordar os alunos pela manhã era muito antiga e dava aos monitores uma sensação de poder; alguns até assumiam um comportamento policial ao executá-la. A solução final já era esperada: “testar a nova proposta durante uma semana e prorrogá-la por mais tempo em caso de necessidade”. Os resultados seriam avaliados pelas duas equipes em conjunto e, caso se mostrasse viável, após um mês, passaria a se incorporar como atividade de rotina. Foi sugerido também afixar avisos no dormitório e refeitório para manter alunos e funcionários atentos para a nova regra. Nos avisos estava escrito:



ATENÇÃO

A partir da data abaixo mencionada haverá alterações na forma de acordar os alunos desta escola:

1. Os monitores não mais terão essa obrigação.
2. Os alunos acordarão por si e deverão ingressar no refeitório às sete horas.
3. Haverá uma tolerância de quinze minutos para esse ingresso e, a partir desse horário, a porta será fechada.
4. Qualquer justificativa terá que ser encaminhada ao monitor de plantão e só será aceita em casos especiais (alunos doentes, os que trabalham em horários extras, etc.).
5. Reclamações ou sugestões podem ser dirigidas à Equipe Mista que funciona as quartas-feiras na sala de reuniões do Departamento de Saúde, das nove às dez horas.


Wenceslau Braz, 22 de Maio de 1984.

Pela Equipe de Educação e Reabilitação: assinatura do coordenador
Pela Equipe Mista: assinatura do coordenador



Estava em pleno vigor a primeira contribuição conjunta Equipe de Educação e Reabilitação/Equipe Mista. Essa experiência iniciou uma nova fase na comunidade. Agora seria possível testar na prática os efeitos causados pela divisão do poder real entre funcionários e internos numa instituição de infratores. O tempo nos ensinaria como lidar com essa nova realidade.

Após um mês de testes e aperfeiçoamentos essa prática mostrou a qualidade dos seus resultados. Os próprios alunos conseguiam encontrar formas de solução para essa e outras questões que envolviam rotina e interesses diversificados. A Equipe Mista iniciou a descoberta do seu verdadeiro e importante papel nesse clima de responsabilidade partilhada e a participação dos seus membros ganhou novo estímulo. Não era mais necessário ficar dependente de decisões concentradas numa equipe apenas. Havia agora duas equipes sincronizadas para atuar na comunidade.

A Equipe Mista, a partir dessa experiência bem sucedida, passou a desfrutar de respeito e consideração em toda a escola. Agora podíamos responder com segurança à pergunta antes formulada: Era possível sim a participação efetiva de alunos nas áreas de atuação da Equipe de Educação e Reabilitação e - muito mais do que isso - era uma necessidade, antes desconhecida de todos.

Descobrir que infratores são capazes de organizar regras de convivência pelo diálogo e pelo acordo; que podem ter boas idéias; que podem formular respostas inteligentes para lidar com o caos da vida marginal, não foi propriamente a grande lição aprendida com as atuações da Equipe Mista. Já sabíamos que, entre eles, nos estabelecimentos penais, nas ruas e delegacias policiais e no submundo do crime organizado existem códigos cruéis que direcionam os objetivos desses grupos. O grande feito foi superar temores e preconceitos, para poder dividir a liberdade de pensar e agir coletivamente e decidir em consenso. O conceito de autoridade perde o sentido de necessidade quando, no grupo social, se insere a consciência do direito de participação, a liberdade e o bom senso. A Equipe Mista passou a ser construtiva quando nela esses elementos foram bem compreendidos e incorporados.




CAPÍTULO V



A INSTITUIÇÃO ESMAGA A COMUNIDADE



O trabalho com a Equipe Mista foi a última experiência importante levada a efeito pela Equipe de Educação e Reabilitação. Uma alternativa bastante diferente da realidade autoritária que se vivia na época. A partir daí se iniciaram reações que culminaram com o declínio e desmoronamento da comunidade. Nunca soubemos explicar ao certo o que aconteceu. Deixaremos, portanto, a critério do leitor atento o privilégio das possíveis explicações e hipóteses.

É interessante notar que o ser humano possui uma tendência de pensar e agir de forma rígida e homocêntrica, ou seja, em que toda a realidade circunjacente gira em torno do eixo das suas necessidades e aspirações humanas. Quando crianças costumamos ser marcadamente egocêntricos e acreditamos que os nossos pais sempre conseguem adivinhar nossos pensamentos e desejos (pensamento mágico); quando jovens achamos que nunca vamos morrer e que tudo se encontra ao nosso alcance e não precisamos nos preocupar com o futuro e com deveres. Na juventude nos incorporamos à manada que corre atrás do dinheiro, do poder e do sucesso. Na maturidade se iniciam as primeiras avaliações sobre a realidade da vida e sobre os limites que se nos apresentam. Contudo, é na velhice que somos obrigados a fazer uma completa reavaliação do percurso já feito e a admitir a relativa importância que temos.

Foi assim que nos deparamos com a realidade institucional. Achávamos que nosso êxito seria aplaudido e incentivado por todos e não teria limites para continuar crescendo. Não havíamos pensado que estávamos construindo uma experiência nova sob as bases antigas e falsas de uma instituição civilizada. A Escola FEBEM Monsenhor Messias estava ficando forte demais e sua importância começava a incomodar a matriz que a gerou e a bloquear interesses de outra instituições ligadas ao menor infrator. Já poderíamos estar sendo vistos como uma excrescência que poderia alastrar-se e contaminar outras partes do organismo institucional, subvertendo-o e obrigando-o a rever sua base frágil e doentia. Não fomos capazes de perceber isso a tempo e nem prestamos atenção para o fato de que o País se encontrava amordaçado pela ditadura militar da época. Estávamos completamente envolvidos no trabalho. Era como se estivéssemos dormindo e o sonho coletivo importasse mais do que o colchão, o leito ou o aposento que nos continha. Estávamos agindo exatamente igual a certos pesquisadores, burocratas, intelectuais e técnicos que, por sua onipotência, criam e conduzem seus objetivos sem a devida competência para avaliar as conseqüências ao longo do tempo.

Se nos voltarmos para a observação dos povos antigos, constataremos que esses fenômenos já ocorriam naquela época. As civilizações estratificadas em classes (nobres, sacerdotes e militares) disputavam o poder através das intrigas, assassinatos e manipulações políticas. Até Cristo foi crucificado pelo temor de que viesse a pretender o trono de Roma e, porisso, disse: “o meu reino não é desta terra”. Apenas as sociedades que se organizaram sem instituições mantiveram sua existência e continuaram convivendo sem a experiência da violência.

Algumas empresas, hoje em dia, preferem se estabelecer sob a forma legal de Fundações, com o maior grau possível de autonomia. Seus organizadores sabem que, ligadas e dependentes da teia institucional do Estado, certamente terão uma sobrevida menor e se tornarão mais vulneráveis aos perigos institucionais. Essa e outras formas de se proteger das insanidades da sociedade civilizada nos mostram o clima de insegurança e desconfiança de que somos portadores. Por que impedir, então, a fuga dos infratores das unidades que os contém? As características reativas da sua conduta infracional são mais prejudiciais do que as existentes nas elites da sociedade e nos diferentes níveis das casas de representação política do Estado?

Essas incoerências e ingenuidades cometidas por nós determinaram o fim dessa bem conduzida experiência. Éramos jovens e nossa capacidade de sonhar era enorme. Não fomos suficientemente inteligentes e realistas para perceber que estávamos erigindo uma arquitetura nova em terreno movediço. Sabíamos, porém, da dificuldade de reintegrar menores marginalizados, portadores de comportamento reativo, numa sociedade materialista e infratora; onde fraude, corrupção e ganância, entre outros, são os verdadeiros motores propulsores do seu funcionamento. Nela a figura humana não conta e não atua; jaz como mero acessório para que os donos do poder possam atingir seus objetivos individuais.

Nos últimos meses a FEBEM, alegando uma nova política de contenção de custos, havia reduzido pela metade os salários dos técnicos da Equipe de Educação e Reabilitação. Mesmo com o tempo e salário reduzidos os ânimos não diminuíram. Vimos nisso uma das formas de atingir o nosso trabalho com retaliações ao grupo. Havia um novo presidente da Febem desde alguns anos atrás, nomeado pelo que de mais espúrio havia na cúpula mantida pela ditadura militar. Embora não se possa afirmar com certeza, era provável que circulassem boatos pelos corredores da instituição, através de alguns invejosos e bajuladores, de que a Equipe de Educação e Reabilitação pudesse ser constituída de elementos subversivos e contrários ao regime militar.




A DEMISSÃO DA DIRETORA


Chegou o dia em que fomos obrigados a conhecer e enfrentar a realidade institucional; foi quando constatamos que ela é uma simples extensão de interesses de grupos que atuam sob a máscara solene de expressões como: Estado Nacional, Pátria, Estado Democrático, Estado de Direito e outras quinquilharias.

Certo dia a diretora da escola foi surpreendida com um pedido de internação para menores recolhidos nas ruas de Belo Horizonte. Havia na época uma forte pressão da mídia sobre autoridades ligadas ao trabalho com infratores. Televisões e jornais criticavam e exploravam as ocorrências de assaltos e arrombamentos na cidade. A secretaria de segurança pública, por determinação do juizado de menores, havia procedido a uma “operação limpeza” em toda a cidade. Era urgente, segundo as autoridades, que se tirasse de circulação o maior número possível de menores que perambulava pelas ruas. Esse grupo de menores poderia representar a primeira leva que deveria ir para algum lugar onde pudesse ficar depositado o maior tempo possível.

A capacidade de atendimento da escola havia sido projetada para abrigar, no máximo, cem internos. Em alguns períodos a população havia atingido a marca de cento e vinte. Nessas ocasiões o excesso de população provocava uma relativa desorganização nas atividades. Tínhamos como principal norma não permitir quebra na qualidade da rotina. Não éramos um depósito de menores, e sim uma experiência planejada e definida que estava dando certo. Provavelmente, se aceitássemos essa determinação estaríamos, em pouco tempo, com o dobro ou mais da capacidade normal. Era uma questão crucial, não havia mais vagas na Ala Fechada. Mais tarde outros grupos numerosos acabariam vindo. Já havíamos lutado, outras vezes, contra esse tipo de inconseqüência e conseguíramos vencer. Mas desta vez as pressões eram maiores e emanavam da mais alta cúpula da justiça do Estado.

A diretora negou-se várias vezes a receber os alunos excedentes e o assunto foi debatido na Equipe de Educação e Reabilitação. Em todos os momentos ficou claro que ceder a essas exigências seria o mesmo que desestabilizar todo o trabalho realizado até então. Ficou decidido que esses encaminhamentos não seriam aceitos e que reagiríamos com firmeza frente a essa situação. Diante das exigências de que a escola cumprisse as ordens superiores, a diretora tomou a decisão de não voltar atrás. Num último telefonema o funcionário com função de chefia, responsável pelos encaminhamentos, comunicou de forma conclusiva que os menores estariam seguindo no dia seguinte para a escola. A resposta da diretora foi: “Assim que eles chegarem eu estarei me demitindo da função de direção!”. Assim aconteceu. No dia seguinte, após a chegada dos menores, a diretora, que já havia preparado seu pedido de demissão, encaminhou-o e abandonou a escola. Daí em diante iniciou-se o processo de desagregação do trabalho. A Equipe de Educação e Reabilitação e a direção da comunidade foram desrespeitadas e pisoteadas pelas instituições que lhe deram suporte até aquele dia.

Os menores foram levados até a Ala Fechada e, após lhes ser comunicada a opção de fuga, debandaram em massa. Mesmo assim toda a comunidade se abalou. A diretora era casada com o psiquiatra e este também resolveu pedir demissão. Por solicitação insistente dela, e para não ocasionar uma comoção maior, o psiquiatra resolveu permanecer por mais seis meses na instituição.

Diretora e psiquiatra tinham sido as pessoas convidadas em 1976 para ativar essa comunidade em ruínas. Ambos exerciam forte liderança na Equipe que dirigia a escola. Agora poderiam estar representando para a instituição um estorvo, um obstáculo ideológico e, muito mais do que isso, uma denúncia viva que irritava as autoridades com suas práticas de liberdade, de autonomia, de governo partilhado. A Equipe de Educação e Reabilitação poderia estar sendo sentida como um foco subversivo, um verdadeiro “aparelho” incrustado na instituição Febem. O Estado não permite vida própria que fuja aos seus objetivos de controle.

Após a saída da diretora, cuja demissão fora aceita, iniciaram-se as investidas de pessoas, ligadas ao presidente da Febem, que almejavam ocupar o cargo vago. Nem sempre eram do seu grupo íntimo, mas usavam a mesma ideologia retrógrada existente no ambiente político e militar. É necessário lembrar que a escola ainda era detentora de um respeitável nome dentro e fora da Febem. Havia extrapolado as fronteiras do Estado e era conhecida como experiência-modelo em alguns lugares do país.

Uma dessas investidas foi tentada pelo diretor de uma unidade da instituição que comandava, sob modelo militar, uma escola na cidade mineira de Antonio Carlos. Chamava-se Benjamim Fullin. Era um velho senhor autoritário e narcisista que exigia total submissão de funcionários e alunos. Temperamental, ele próprio infligia castigos físicos em alunos “desobedientes”. Certo dia foi a nossa escola com o objetivo de se aproximar de funcionários e angariar-lhes simpatia. Conversou com membros da Equipe de Educação e Reabilitação, mas, na maior parte do tempo, preferiu fazer contatos prolongados com funcionários mais humildes. Prometeu-lhes muita vantagem, inclusive aumento de salário, e aproveitou para inocular intrigas entre esses funcionários e a Equipe. No dia seguinte o psiquiatra ficou sabendo dessa visita não anunciada e passou a conversar com vários funcionários que o colocaram a par das intenções do referido senhor. Incontinenti fez contato telefônico com o Sr. Benjamim Fullin e pediu-lhe explicações. Foi tratado com arrogância pelo senhor Fullin que negou suas intenções. Após uma acalorada discussão ouviu do psiquiatra: “Se o Sr. retornar a esta escola sem autorização, não descerá do carro e se reagir levará uma surra. Eu mesmo cuidarei disso”. Nunca mais retornou.

Os recursos e o apoio da sede à escola começaram a minguar. A diretora havia sido substituída por um psicólogo de Sete Lagoas. Sua inexperiência em dirigir uma comunidade de infratores se mostrava visível. Seu apoio a Equipe de Educação e Reabilitação não era decisivo. Após seis meses o psiquiatra pediu demissão. Com o passar do tempo a Escola FEBEM “Monsenhor Messias” foi involuindo e voltou a se transformar nas antigas ruínas que conhecêramos no início. Restou a experiência e a metodologia empregada que, após adaptações necessárias para ser utilizada em consultório e em grupos familiares, ganhou um nome e se transformou no MIRQ – Método Interativo para a Relação de Qualidade, que veremos mais adiante.



QUEM SÃO OS INFRATORES?






Costumo pensar que a audácia e o bom senso podem seguir de mãos dadas; só aos sensatos e audaciosos é dado o privilégio de novas aprendizagens. Homens e mulheres da sociedade que costumamos chamar de “civilizada” cometem sempre três grandes erros:

• Desaprenderam a conviver coletivamente.
• Sentem medo de partilhar o poder.
• Domesticam-se com facilidade.


Lembrando o pensamento de frei Leonardo Boff, nós nos acostumamos a agir como galinhas (de granja) e, quando fora da gaiola do condicionamento, não sabemos mais lidar com a liberdade. Sentimos temor de “voar alto” quando nosso componente águia se domestica pelo mito das leis, das instituições do Estado e pelo sentimento de culpa que o individualismo social e as religiões oficiais inoculam em nossas mentes. Em síntese, essa foi a lição aprendida com os infratores.

Se fosse dado ao homem civilizado o poder de reconstruir a natureza segundo a sua vontade provavelmente veríamos uma paisagem bem diferente: as flores seriam incolores para economizar tinta; os frutos nasceriam em embalagens para economizar mão-de-obra e o céu não seria azul para não atrair a atenção dos homens sensíveis à beleza, pois isso resultaria em perda de tempo e diminuiria a produção e o lucro. Teríamos um mundo prático, homogêneo e “sem problemas”.

Na verdade os infratores fazem o que gostaríamos de fazer. Rompem a ordem estabelecida refletindo a violência projetada sobre eles e sobre suas famílias. Usam a mesma moeda circulante na sociedade. Temos o costume de falar sobre violência sem antes compreender os mecanismos que a mantém viva. Quem diz que a solução para os transgressores é a punição e a detenção é porque não tem sua cabeça pendente na ponta da corda da sobrevivência. Se o instinto de sobrevivência e o anseio de liberdade não encontram espaço suficiente no meio social há que se ter outros recursos para manter a expectativa de vida.

Os infratores somos todos nós; cada qual contribuindo com sua parcela de individualismo, de omissão e comodismo. Burlamos o fisco, cometemos infrações de trânsito, roubamos pequenos objetos em shoppings e supermercados e estamos sempre atentos para tirar vantagem em diferentes situações. A aprendizagem da hipocrisia nos faz utilizar o discurso dos poderosos que usam a estratégia falsa de buscar entre os oprimidos a causa e a culpa dos desvios estruturais da sociedade. A conduta infratora é tão somente uma reação violenta e desordenada que aponta na direção da desorganização social.



POLÍCIA, JUSTIÇA E INFRATORES


Há quem acredite que os mitos indígenas e certas estórias circulantes entre caboclos da Amazônia estejam embasadas em lendas e superstições de povos culturalmente atrasados. Puro engano! Mitos, lendas e estórias regionais muitas vezes servem para alinhavar espaços inconscientes dessas populações, permitindo a formação de uma consciência ético-moral-ambiental, que acaba por determinar um comportamento construtivo consensual e equilibrado. Em certos grupos indígenas as mulheres, durante o período menstrual e muitos dias após o parto, não comem animais de pêlo (mamíferos) e se abstêm de determinadas obrigações. Em certas regiões, entre caboclos, as mulheres não comem as fêmeas de caranguejo ou siri que estiverem na época da reprodução (com ovos). Acreditam que nessa época esses alimentos não são apropriados porque estão “reimosos” (com reima) e podem fazer mal. Com isso estão praticando, entre outras coisas, uma importante contribuição ao equilíbrio populacional dessas espécies. Nesses casos a lenda substitui a lei com impressionante eficácia e sem sentido de proibição. Esse tipo de mecanismo social, inexistente entre civilizados, precisa de leis que, como se sabe, são geralmente infringidas. Inúmeros exemplos dessa natureza mostram que a existência de leis ou regras sociais nem sempre são eficazes. A tradição de uma narrativa mítica ou de uma lenda – nas sociedades naturais ou nas populações em equilíbrio social – possui uma extraordinária força condutora de comportamentos. A prepotência civilizada considera essa, e outras práticas, como atraso cultural e conduta não-científica.

Enquanto isso, lendas civilizadas pífias como justiça, estado democrático e salvação da alma, continuam alimentando a alienação das massas. A lógica utilizada pelos infratores jovens e adultos é a mesma para maioria dos cidadãos e cidadãs de uma sociedade materialista; o que muda são as formas de praticá-la. Juízes, burocratas, militares, políticos, comerciantes, empresários ou qualquer indivíduo que atue socialmente, vez por outra, aparecem em noticiários sob suspeita ou acusados dos mais variados tipos de delitos. Os advogados que os defendem nem sempre estão interessados na ética, no bom senso ou na justiça; geralmente ficam mais atentos aos honorários e em vencer as causas. Vejamos dois casos reais que esclarecem essa afirmativa:

CONVERSANDO COM UM POLICIAL


Certa vez um detetive da policia civil foi à escola para levar alunos foragidos da comunidade. Numa conversa informal perguntamos se era verdadeira a estória contada pela maioria dos alunos sobre propinas oferecidas por menores a policiais. A questão foi respondida com uma estória e uma pergunta:

“Naquele dia, pela manhã, havia levado minha filha pequena a uma consulta médica. Ela foi imediatamente internada porque estava com pneumonia”. Teria que comprar remédios e pagar exames. Estava cheio de dívidas, o dinheiro já tinha acabado e ainda estávamos no meio do mês. Na parte da tarde, participando de uma diligência, prendi dois menores que haviam assaltado um comerciante do bairro. Em certo momento eles me ofereceram uma quantia que daria para pagar as despesas que estava tendo com minha filha. Não tenho vergonha de falar isso, mas acabei optando pela saúde dela. O que faria o senhor no meu lugar?”


CONVERSANDO COM UM INFRATOR


“Após o almoço funcionários e alunos costumavam formar grupos informais para conversar. Os assuntos variavam desde futebol até política. Havia um aluno que era conhecido pelo seu discurso político-ideologico e pela sua habilidade em cometer assaltos. Costumava dizer: “Como é que um pai de família trabalhador pode sustentar seus filhos com um salário mínimo? Tem mesmo é que roubar!” Com a intenção de pura brincadeira, em certo momento, o psiquiatra perguntou ao aluno: “Vamos supor que você acabou de ganhar um prêmio de seis milhões. O que faria com todo esse dinheiro?” O aluno, desconfiado, se recusou a responder. Após insistentes pedidos, falou: “Metade eu guardava num banco, a outra metade saía por aí torrando em farras...!” O psiquiatra confrontou essa resposta com seu discurso habitual, dizendo: “Por que dessa vez você não pensou nos pobres e necessitados. Não lembrou nem da sua família. Sua ideologia não inclui os outros?” A gargalhada estrondou e ele falou: “Tá a fim de me sacanear é?”


Temos pensado muito, ultimamente, sobre a convivência humana, suas lógicas, seus mecanismos, seu desenvolvimento. Não basta apenas ficar atendendo pessoas e contando o dinheiro que se ganha no fim do mês. É necessário pensar nos descendentes e como será o mundo deles. O crescente aumento da violência e da infração no corpo das sociedades civilizadas não tem mostrado alternativas animadoras. Mesmo assim é preciso buscar saídas.

Passaremos agora ao manual montado pela Equipe interdisciplinar da escola e publicado no ano de 1983. Este manual foi feito para orientar os funcionários nos trabalhos de rotina dentro da comunidade. Sua linguagem simplificada facilitava a leitura e a compreensão das propostas adotadas pela Equipe de Educação e Reabilitação. No entanto, sempre esteve sujeito a modificações que se fizessem necessárias. Se, após algum tempo, outras práticas se mostrassem mais eficazes que as até então utilizadas essas alterações poderiam ocorrer.

A Equipe de Educação e Reabilitação, embora não explicitasse claramente, sempre atuava de forma experimental, ou seja, sempre testava na prática as estratégias terapêuticas e pedagógicas originadas na base da comunidade e que, após debates e propostas em consenso, eram aprovadas ou não, e colocadas em uso durante certo tempo para avaliação dos resultados. Da forma como está escrito, ele representa as idéias e as necessidades da época.






CAPÍTULO VI


O MANUAL ANTIGO






FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR
Escola FEBEM Monsenhor Messias - Sete Lagoas/MG






MANUAL DA COMUNIDADE ESCOLA
Uma tentativa de compreender e trabalhar com adolescentes portadores de desvio de conduta.




ESCOLA FEBEM MONSENHOR MESSIAS


Uma tentativa de compreender e trabalhar com adolescentes portadores de desvio de conduta.


Luiz Gonzaga de Freitas Filho* - Ziléa Barbosa de Freitas*





Luiz Gonzaga de Freitas Filho - médico psiquiatra da Escola FEBEM “Monsenhor Messias”.

*Ziléa Barbosa de Freitas - diretora da Escola FEBEM “Monsenhor Messias”.






Í N D I C E






01. Família, bando e escola



02. A comunidade escola
• princípios
• objetivos
• enfoque


03. Dinâmica da comunidade escola


04. Integração social progressiva
• critérios e procedimentos
• trabalho integral


05. Organização
• estrutural
• funcional
• regimento interno, normas e regulamentos



06. Ficha técnica



07. Reflexões finais










AGRADECIMENTOS



Nossos agradecimentos pela colaboração à Equipe Interdisciplinar da E.F.M. Messias:


Fredericus Antonius Stein (psicólogo)

Tânia Maria Senra Baia Borges (assistente social)

Sonia Maria Vieira Campos (assistente social)

Ana Geralda Gonçalves Coelho (coordenadora pedagógica)

Ciro José de Abreu (professar de educação física)

Osmar Gomes (técnico agrícola)

Edson Luiz de Souza (monitor)

Maria Cecília Cristelli (coordenadora de serviços domésticos)

Francisco Dias dos Anjos (coordenador de segurança)

José Tércio de Oliveira Machado (cirurgião dentista)

Rachel Mariana Carvalhal do Nascimento (coordenadora de escola de 1ª a 4ª série da S.E.E.)

Ilka Maria França Lanza (orientadora educacional da S.E.E.)

- Naderge Abreu de Oliveira Alves (supervisora pedagógica da S.E.E.)

E a todos os funcionários e alunos que tornaram possível este trabalho.


Agradecimentos especiais a:

- Margareth Fátima Chaves Dias (técnica do D.E. da FEBEM/MG)

-Funcionários da FEBEM/SEDE que, direta ou indiretamente, incentivaram o nosso trabalho.

- Pessoas da comunidade de Sete Lagoas que abrem espaços para a integração social de nossos alunos.





APRESENTAÇÃO





Há alguns anos temos nos preocupado em coletar material para tornar compreensível o trabalho nesta Unidade. Escrever o que se faz nos parece mais difícil do que escrever o que se pretende fazer.

A elaboração deste manual significa uma tentativa de organizar tudo o que tem sido feito. Sabemos, entretanto, que muito há que criar, que enriquecer e que corrigir, mas estamos conscientes de que o primeiro passo já foi dado.






Sete Lagoas, 05 de Janeiro de 1983






Luiz Gonzaga de Freitas Filho

Ziléa Barbosa de Freitas


BANDO

FAMÍLIA

ESCOLA


A FAMÍLIA






Ao nascer todas as pessoas passam a pertencer a um grupo social primário sua família. Para seu equilíbrio, a criança, menino ou menina, precisa desde antes de seu nascimento encontrar o ambiente adequado ao seu desenvolvimento.

Para melhor compreensão, passamos a descrever uma família, na qual isto acontece:

“Pedro da Silva é funcionário da Cooperativa já há alguns anos. Sua mulher Maria, é costureira e tem uma boa clientela. Embora com algumas dificuldades, a renda da família é suficiente para o sustento do casal e de seus quatros filhos.

Casados há doze anos, Pedro e Maria têm conseguido, através de diálogo, vencer as dificuldades comuns num relacionamento a dois e cada filho foi esperado com carinho e bem aceito por ambos. Seus filhos, quando atingiram a idade escolar, foram encaminhados ao Grupo e estão sendo acompanhados pelos pais na sua vida na escolar. Pedro e Maria são compreensivos para com seus êxitos e fracassos.

As crianças sentem-se seguras e relacionam-se bem com os adultos e com as crianças da escola e da vizinhança. A família freqüenta as casas de parentes e amigos, com os quais mantém relações amistosas. Pedro e Maria participam da Associação de seu bairro e colaboram na solução dos problemas da comunidade”. Neste ambiente, as quatro crianças, provavelmente, no futuro, apresentarão bons níveis de desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Fazendo uma analise desta situação familiar, podemos identificar alguns pontos que propiciam este desenvolvimento:


1º Há a presença dos pais pai e mãe

2º O casal vive em harmonia

3º Os pais dedicam afeto e atenção às crianças

4º Há condições financeiras favoráveis à criação dos filhos

5º As crianças sentem se seguras e amadas neste ambiente

6º - Os filhos vêem nas atitudes dos pais a preocupação com eles e com as outras pessoas.


Apresentaremos, agora, três casos de alunos desta escola, colhidos de seus próprios prontuários:

1º Caso

“C.S.C. é o 10º de uma família de 13 filhos. Faz seis anos que os pais se separaram. O pai deixou a família devido aos problemas que os filhos apresentavam”. Segundo C.S.C., seu pai era bastante enérgico com os filhos e quando estes não o obedeciam eram amarrados e dependurados em uma árvore no quintal. De madrugada a mãe desamarrava os, mas o pai nunca ficou sabendo quem os soltava.

Seu pai exercia a profissão de pedreiro, mas não contribuía com as despesas da família. A mãe é lavadeira e mantém a família com o pouco que ganha, ajudada por três dos filhos que trabalham como serviçais. O pai é alcoólatra e dois dos irmãos têm “problemas de nervos”. A família residia num barracão de 06 cômodos, mas, devido as fortes chuvas, desabou. Atualmente, estão morando com uma vizinha.”

2º Caso

“M.M.L. informou que seus pais separaram-se há cerca de 15 anos, tendo cada um constituído nova família”. Logo após a separação, o aluno ficou com o pai, saindo, sozinho, anos depois para viver em companhia da mãe. Seus pais tiveram seis filhos. Os únicos sobreviventes são M.M.L. e uma sua irmã que trabalha como cozinheira num restaurante, e que lhe dá algum dinheiro, e à sua mãe.

A mãe teve mais uma filha com o segundo companheiro e o pai, conforme informações do aluno, tem mais filhos do novo casamento, mas não sabe quantos, pois há muitos anos que não o vê. Seu pai era pedreiro e seu padrasto trabalha em fábrica de vasos, recebendo salário mínimo. Sua mãe tem “problema de coração” e residem em casa própria de quatro cômodos com água de cisterna e fossa.”

3º Caso

“A família de H.F.L. é constituída de oito pessoas: o pai, a mãe e seis filhos. A mãe é casada com o pai do menor. Há nove anos, no entanto, vive na companhia de um amante”. A casa é cedida pela Prefeitura Municipal, localizada atrás do Matadouro e próximo ao depósito de lixo público. A família é mantida pelo salário percebido pelo companheiro da mãe. O pai do aluno, não tendo assumido plenamente suas responsabilidades, levou sua mulher e filhos a passarem privações de toda ordem e sentido. Abandonou a família.

Até os quatro anos o menor, muitas vezes, teve que acompanhar a mãe pelas ruas mendigando para viver. O pai, alcoólatra inveterado, agredia fisicamente o filho, com muita freqüência. A mãe encontrou no amante a segurança de que precisava e passaram a viver juntos. Também ele é casado e tem filhos com a esposa legítima. Segundo a mãe do menor, a partir daí não mais passaram privações.

O menor sempre foi muito calado. Em casa, mostrava se insatisfeito e revoltado. Como é o único filho homem a mãe recorria a ele para ajudar a disciplinar as meninas. Estas tinham muito medo dele e o respeitavam de maneira exagerada, porque não as poupava. Ajudava a mãe, sem preconceitos, em qualquer serviço caseiro sempre que necessário. Nunca deu muita atenção a vizinhos, amigos, etc. Era pouco visto fora de casa. Se alguém o contrariasse ficava nervoso e não respeitava ninguém, nem mesmo a mãe. Para que ele convivesse com outros meninos e para que se mostrasse mais conveniente em casa, seu padrasto o inscreveu na Guarda Mirim. O menor teve infância muito conflituosa, passou por muitas dificuldades e não conseguiu libertar se."

Observando se estes três casos, podemos constatar que neles encontramos diferenças fundamentais se forem comparados com o caso da família de Pedro e Maria. Você seria capaz de dizer que diferenças encontrou? Será que as coisas negativas apresentadas nos três últimos casos contribuíram para formar um menor infrator?

Pois bem, levando em consideração a nossa experiência com os menores que têm passa¬do por esta Escola, e tomando conhecimento dos estudos que várias pessoas tem feito em diversas partes do mundo, chegamos a conclusão que os seguintes fatores contribuem para que se forme um menor infrator:

1º) Causa econômica

É a miséria, o desemprego, a doença, a fome, a ignorância, a falta de estudo na escola, enfim, tudo o que possa dificultar a vida de uma família.

2º) Causa familiar

É a ausência de um dos pais ou de ambos. A presença de pais violentos, viciados, sem carinho com os filhos, vivendo em constantes brigas, resultando, freqüentemente, em separações. Muitas vezes há rejeição e o abando¬no dos filhos.

3º) Causa ambiental

É o ambiente onde vive o menor, como as favelas, cortiços e bairros pobres, onde prolifera o desemprego, a violência, a prostituição, o crime. A influência dos grupos de maiores e menores se organizando para formarem bardos ou quadrilhas, onde trocam suas experiências, buscando, talvez, outro grupo social que substitua o ambiente desfavorável de sua família.

4º) Causa pessoal

São os menores com personalidade desestruturada, mais fracos, revoltados, rejeitados, sem condições de entender e superar o ambiente desorganizado de sua família e do ambiente marginal. Esses menores reagem com ódio e com outros sentimentos negativos contra sua própria família, seu ambiente e contra si próprios, em verdadeiro estado de confusão.





O BANDO



Vimos que o menor após ter experimentado as frustrações de uma família desorganizada e, muitas vezes, falida, passa a formar bandos ou grupos, tentando encontrar outro grupo social que a substitua. Ao se reunir com outros menores, que passaram por experiências semelhantes, esse relacionamento é marcado por três elementos principais:

1 Os sentimentos negativos (inveja, ciúme, ódio, etc.), que começaram a aprender na vida familiar.

2 A necessidade de pertencer a um novo grupo e aprender a conviver com ele.

3 A necessidade da sobrevivência física do grupo a que pertence, facilitando um sentimento de coesão e solidariedade com o grupo.

O bando ou grupo de menores é essencial¬mente constituído por pessoas que tiveram uma vida em família bastante insatisfatória, portanto, têm sentimentos semelhantes aprendidos no seio dessa família desestruturada. Sentimentos tais como inveja, hostilidade, desconfiança, etc., são comuns nesse grupo. Cada membro desempenha um papel na formação e funcionamento do grupo.

Os grupos em si possuem seus códigos internos de normas e valores Existem certos valores fortemente defendidos pelos integrantes do grupo, que representam forças de coesão. Entre eles temos a necessidade de lealdade de cada membro com o grupo (“caguetagem” representa pecado mortal); papéis que são constantemente reforçados como: o mais corajoso, o audacioso, o mais violento.

Todo grupo necessita de um líder. Esse líder representa uma figura paterna e se com¬porta de modo semelhante a um pai autoritário e violento. Isso, de certo modo, configura a continuidade do ambiente familiar antigo. De outro lado, essa figura autoritária, provoca medo e tensão entre seus membros, sendo assim um fator de desequilíbrio da coesão do grupo. Como o equilíbrio entre os membros do grupo é precário, eles deslocam ou projetam sua insatisfação para a sociedade e seus representantes (a polícia, as leis, os ricos etc.).

Motivados por esses sentimentos, o grupo, e cada membro individualmente, passa a repetir situações antigas, que começaram no seio de sua família, e que se concretizam nos delitos praticados. São esses delitos que passam a caracterizar o jovem ou a criança, como menor infrator.

A reação da sociedade, muitas vezes violenta e oposta, passa a ser novo elemento reforçador de atitudes anti sociais Agora o menor briga com o mundo e se sente justificado nessa briga porque acredita que o mundo é ruim mesmo e merece ser destruído. É provável que, inconscientemente, ele sinta as coisas assim: minha família é má, meu grupo é mau, o mundo é mau, logo, eu também sou mau. Esse é meu destino.
.
Em síntese, o menor infrator que muitas vezes é visto apenas em sua ação delituosa, deve ser visto em seu meio familiar desajustado, em seu grupo marginal agressivo e numa sociedade rígida e promotora de sua conduta anti-social.






A ESCOLA



Com essas características, e sendo um incômodo para a própria família e para a sociedade, o menor é rotulado de infrator e burocraticamente despachado para a instituição escola com a recomendação de que seja devolvido à sociedade como um cidadão útil e produtivo.

É assim que o menor chega à Escola FEBEM “Monsenhor Messias”:

1º trazendo a bagagem aprendida no convívio familiar.

2º trazendo todo um treinamento da vida marginal, adquirida no convívio com sua “gang” e nas passagens pela máquina policial.

3º sendo totalmente rejeitado pela sociedade, por ser um¬ elemento perigoso.
4º rotulado de “infrator” e acreditando fortemente nesse papel que lhe foi atribuído.

É claro que toda a sua conduta na Escola será um reflexo das experiências pelas quais passou¬ na família, nas “gangs” e na sociedade em geral. Assim, o aluno, geralmente apresenta o lado saudável de sua personalidade bloqueada por hábitos negativos aprendidos, uma vez que os sentimentos e atitudes positivas não eram valorizados no seu meio familiar e marginal.

Ao mesmo tempo em que se observa, no aluno, um potencial criativo, afetivo e coopera¬dor, percebe se também um comportamento destrutivo e defensivo mentira, chantagem, manipulação, impulsividade, hostilidade, desconfiança, apatia, medo, egoísmo, furto, etc.

Agora que caracterizamos como chega o menor em nossa escola, o que, com os recursos disponíveis, a escola pode lhe oferecer?

Pretendemos que uma escola de reeducação seja um universo provisório, onde uma alternativa diferente de vida seja oferecida às aspirações e aos projetos do menor.

Entendemos que, muitas vezes, as palavras reeducação, regeneração, reintegração, ressocialização, etc., são apenas palavras usadas institucionalmente, sem guardarem sentido lógico e realidade concreta. Sabemos por que elas existem e a que se destinam dentro da estrutura social vigente. Criadas com a intenção de discriminar e induzir comportamentos, conforme os interesses da ordem estabelecida, ignoram conscientemente as verdadeiras razões que dão origem à desintegração do universo social e suas conseqüências.

Acreditamos que o menor denominado infrator tenha o direito de compreender a si mesmo e ao mundo onde vive, a fim de que possa elaborar um projeto mais consciente de vida. Sua conduta anti social representa uma reação inconsciente de oposição, hostilidade e destrutividade genericamente dispersa no ambiente social, agravando, assim, um desequilíbrio já existente no meio externo, mas sobretudo no seu próprio mundo interno.

Nosso trabalho, ao contrário de pretender compor um modelo ideal de vida, se destina apenas a permitir, facilitar e mesmo estimular a elaboração e gestão de projetos individuais a partir do próprio indivíduo, desde os mais modestos até os mais arrojados. Nutrimo¬-nos da satisfação de assistir e cooperar com os mesmos.

Acreditamos firmemente no direito e nas capacidades de se autodirigir, pensar, agir e criar, inerentes a todo ser humano. Nossa tarefa, portanto, se destina a facilitar a ex¬pressão dessas capacidades a um grupo de pessoas, ao qual, de alguma forma, esse direito foi bloqueado.

Nosso objetivo de colaborar com o desenvolvimento físico, emocional e intelectual do menor visa tão somente permitir a integração harmoniosa de suas potencialidades na direção da sua felicidade individual e social. Para nós, a instituição com sua organização estrutural e funcional, as atividades, as atitudes de seus funcionários, a qualidade de seu relacionamento interpessoal, representam um meio, uma ferramenta de trabalho atuando com a finalidade de promover o bem estar do indivíduo e da comunidade escolar. Acreditamos, também, que este bem- estar nos envolve e nos atinge à medida que é vivenciado por nós.

Em última análise, quando falamos em “universo provisório”, significa que temos consciência da reduzida permanência do aluno na Escola e das dificuldades de compreender, nesse tempo mínimo, o que vê, o que sente e o que faz. Em resumo, quando nos propomos oferecer uma "alternativa diferente" queremos dizer que, sob a vivência da prática do comportamento e do conteúdo do discurso, não destacamos valores como: produtividade, posse e consumo de bens materiais, competição e obediência cega. Acreditamos, porém, em aquisições que representam um enriquecimento interno por valores tais como: cooperação, solidariedade, tolerância, pensamento crítico, autoestima, perseverança, etc. Isto enriquece as expressões da conduta.

No mundo atual, onde essas pretensões podem tornar-se ridículas, quando não suicidas, cremos, no entanto, que baseando-se nas suas vivencias anteriores, o menor poderá, com¬parando duas experiências diferentes, escolher um caminho e lutar por ele, usando seu próprio discernimento.




A COMUNIDADE-ESCOLA
PRINCÍPIOS
OBJETIVOS
ENFOQUE




PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM O TRABALHO


1º O aspecto produtivo está subordinado ao aspecto pedagógico.

A preocupação maior deve estar na formação do aluno através do trabalho do que no quanto ele é capaz de produzir.

2º A vida em grupo requer disciplina.

Aprender a reconhecer seus direitos e deveres é um passo para viver bem.

3º A individualidade é um bem incomparável.

Todo aluno é uma pessoa e um grupo de alunos é um grupo de pessoas e não uma massa humana, portanto, cada aluno deve ser tratado pela sua própria identidade.

4º A violência não educa.

Não é permitido qualquer tipo de violência dentro da comunidade escolar. Sempre há uma solução pacífica para todos os problemas.

5º No trabalho educativo, a integração é obrigatória, o consenso de idéias não.

Todos os que trabalham na comunidade es¬colar tem direito de expressar se segundo suas idéias, porém, têm o dever de cumprir as deliberações tomadas pela maioria.

OBJETIVOS

Gerais:
Favorecer o desenvolvimento físico, emocional e intelectual do aluno em nível individual e grupal, visando uma reorganização de valores e atitudes para sua reintegração social como indivíduo produtivo e participante crítico deste meio social.
Específicos:

1 Oferecer as condições básicas para um bom desenvolvimento físico através de alimentação adequada, esportes e lazer, trabalho, educação sanitária e atendimento médico odontológico, respeitando as condições e valores individuais.
2 Oferecer, na comunidade escola, um ambiente compreensivo, acolhedor e realista, onde cada um possa ocupar o seu espaço individual e reconhecer o espaço do outro, facilitando suas conquistas e estimulando um comportamento cooperador, no sentido de facilitar o crescimento do indivíduo e do grupo.

3 Facilitar o vínculo do menor com a comunidade e com a família, no trabalho de reeducação, visando abrir caminho para a futura reintegração sociofamiliar.

4 Oferecer e estimular condições de desenvolvimento laborativo, intelectual e artístico, como parte do projeto de vida de cada um e do grupo, visando, na medida do possível, o livre exercício de suas aptidões e tendências vocacionais.


ENFOQUE TERAPÊUTICO E PEDAGÓGICO





I - Abordagem, Atitudes e Relacionamento.

A abordagem do nosso trabalho se fundamenta em elementos de ordem biopsicosocioculturais. Um aluno pode apresentar dificuldades em uma ou mais destas áreas.

Nosso primeiro objetivo consiste em estreitar a relação pessoal com o aluno até que se consiga um vínculo afetivo autêntico e forte. Quando o aluno se assegura de que es¬sa relação apresenta certo nível de confiabilidade e segurança, ele se sentirá mais tranqüilo para tratar dos problemas e conceitos mais secretos que até então não se atrevera a discutir.

Para isso, por parte do funcionário, se deduz que, se por um lado devem ser cultivadas a atenção, compreensão e disponibilidade afetiva, por outro, devem ser mantidas a discreção, seriedade no trato com os problemas, e uma verdadeira disposição em ajudar.

Portanto, nossa visão inicial do aluno não é resolutiva. Percebemos que não é apenas a nossa vontade de ajudá-lo que nos levará a desenvolver bem o trabalho. É necessário compreender a sua história vital, nas suas relações com o ambiente, e nela, buscar os fundamentos psicogenéticos que possam esclarecer a sua conduta manifesta atual. Freqüentemente essa conduta representa um pedido de socorro camuflado e inconsciente, passível, portanto, de ser interpretada irrefletidamente e respondida com punição ou indiferença.

Nossa observação, durante esses anos de trabalho na Escola, nos faz acreditar que a estrutura básica da personalidade dos alunos é francamente esquizóide, seja sua conduta manifestada com aparência de intensa sociabilidade ou não.

Não existe qualquer formulação estabelecida em como romper essa "barreira esquizóide”. São essencialmente as atitudes dos funcionários que levarão a essa etapa. O caminho a ser percorrido pode se iniciar com uma conversa informal sobre qualquer assunto como: futebol, cantores e atores, televisão, etc; pode começar ajudando o aluno a escrever uma carta para a sua família ou para a namorada, quando isso é solicitado, ou pode começar fazendo um curativo ou emprestando uma revista ou outro objeto qualquer. Durante todo esse período de relacionamento o funcionário é testado e retestado pelo aluno, até que este conclua se suas expressões verbais guardam um sentido coerente com suas atitudes práticas na convivência. Muitas vezes, o funcionário é obrigado a saber lidar, durante essa caminhada, com os desvios de conduta apresentados, até que se atinja uma relação mais estável e próxima nesses contatos.

De algum modo, torna se perceptível que nessa fase de "aproximação" o aluno estará muito sensível a qualquer frustração e, principal¬mente, a atitudes que o levem a experimentar outra rejeição nessa nova relação. Esse temor é básico, pois se encontra fortemente arraigado à sua vivência precoce e reforçado continuamente pelas experiências posteriores.

Dissemos anteriormente que não há qual¬quer formulação estabelecida em como romper essa barreira esquizóide. Ora, a maneira pela qual ela é rompida depende essencialmente da habilidade em compreender e relacionar-se com o aluno, fator que consideramos de relevante importância no trabalho. De outro lado, isso estimula o funcionário a procurar a melhor forma que se adapte a sua atividade e habilidade pessoal, enriquecendo, portanto, sua participação e contribuição nessa tarefa.

Por outro lado, temos consciente a necessidade de estabelecer princípios sobre os quais os funcionários possam se orientar nesse percurso. Esses princípios estão diretamente relacionados com a estrutura básica da personalidade dos alunos e são particularmente os seguintes:


1º Evitar rejeição

Com base na história vital dos alunos, cuja essência foi a rejeição, é absolutamente necessário que não se reforce essa atitude. A aceitação e o respeito à pessoa do aluno é base para o bom relacionamento.

2º Estar disponível

Durante sua vida anterior ao internamento o aluno, pouca ou nenhuma atenção recebeu. É essencial dar lhe atenção.

3º Saber estabelecer limites

Compreender e aceitar o aluno não significa ser permissivo ou omisso diante de atitudes auto ou heterodestrutivas dele. Colocar limites na hora certa é ajudá-lo.

4º Compreender e saber responder às manifestações transferenciais

É preciso lembrar que o funcionário serve como um pára raios em relação às manifestações dos alunos. Nem sempre os atos agressivos, afetivos ou de indiferença dos alunos, estão dirigidos diretamente ao funcionário. Na maioria das vezes, o funcionário, sem saber, está representando para o aluno um papel simbólico de pai ou de mãe.

5º Ser aberto para avaliar e ser avaliado criticamente nas suas atitudes e dificuldades pessoais

O fato de ser funcionário não significa ser infalível. É preciso estar atento para seus próprios erros e falhas e estar aberto a receber críticas.

6º Pensar e agir com base na realidade

Explorar as capacidades dos alunos e as nossas, sabendo perceber as limitações dos alunos e as nossas, bem como as do ambiente social.

7º Valorizar os pontos positivos do aluno

Ao reforçar a autoestima do aluno esta¬remos estimulando os núcleos saudáveis de sua personalidade.


ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS E PEDAGÓGICAS


A equipe desta escola deve estar preparada para trabalhar com adolescentes portadores de desvios da conduta. Como o termo desvio de conduta é bastante amplo, julgamos conveniente definir melhor a nossa clientela. Sabemos, por outro lado, que a instituição FEBEM não pode se dar ao luxo de fazer uma triagem muito rigorosa para o atendimento nesta escola. Por isso julgamos recomendável, baseando nos nas nos¬sas capacidades e limitações, estabelecer critérios para a admissão de menores infratores. Dessa forma atenderemos todos os tipos de alunos encaminhados, com exceção dos seguintes casos:

1 alunos portadores de doenças transmissíveis.

2 alunos com déficit mental acentuado.

3 alunos com psicopatia grave e inadaptação ao ambiente.

4 alunos em surto ou estado psicótico.

5 alunos com idade inferior a 14 e superior a 18 anos.

6 alunos com impulsividade exagerada e baixo controle da agressividade, •inacessível à abordagem terapêutica numa escola aberta.

7 alunos com porte físico acentuadamente fraco e com baixo nível de autodefesa.

8 alunos com necessidade de atendimento hospitalar e/ou especializado.

Assim, a clientela desta escola deverá ser de alunos, que embora tenham cometido deli¬tos dos mais variados tipos, apresentem permeabilidade à abordagem terapêutico pedagógica utilizada nesta unidade da FEBEM. Os demais casos deverão ser encaminhados a locais especializados para atendimento adequado.

Com uma clientela assim definida, teremos condições de organizar nosso trabalho no que diz respeito à tipologia, às estratégias e avaliações periódicas, dirigindo os resultados para os objetivos já mencionados desenvolvimento físico, intelectual e emocional.

a) Tipologia

A tipologia deverá ser feita com base na conduta. Teremos, portanto, diferentes tipos de comportamento:

• o agressivo

• o depressivo

• o maníaco

• o manipulador

• o confuso

• o desconfiado, etc

Essa tipologia visa facilitar a compreensão dos funcionários para características de conduta que possam ocorrer, sendo um primeiro passo para a metodização do trabalho. O segundo passo será a compreensão um pouco mais profunda de cada manifestação em si, com os correspondentes mecanismos de defesa. Nesse passo se iniciará um conhecimento, por parte dos funcionários, de conceitos sobre mundo inconsciente, isto é, da relação entre comportamento e mundo inconsciente.

O terceiro passo e os seguintes serão a manutenção de um processo contínuo de estudos, discussões e debates sobre elementos psicogenéticos, ambiente familiar e ambiente social amplo.

Em todo o processo estarão embutidas as discussões sobre a melhor maneira de trabalhar as ocorrências, as atitudes e as manifestações transferenciais, procurando apoiar os funcionários neste complexo trabalho.

Essa tipologia não tem por fim rotular os alunos, mas representa uma hipótese de trabalho, um início de observação da conduta, de compreensão dessa conduta, e de uma resposta adequada a ela.

Tendo como base de trabalho o relacionamento interpessoal, a manifestação distorcida da conduta dificulta qualquer tipo de relacionamento terapêutico e pedagógico, proporcionando uma resposta contratransferencial do funcionário (emocional).

Com a compreensão simplificada de conceitos que geram a reatividade dos alunos, o relacionamento se trans¬formará de uma reação puramente emocional, por parte do funcionário, num processo consciente e metódico de como pensar e agir frente a diferentes tipos de conduta.

Assim, o funcionário terá melhorado a capacidade de observar, compreender e responder adequadamente a diferentes situações.


b) Integração Social Progressiva propósito e fundamentação


Partindo do pressuposto de que o aluno sempre buscou um grupo com características afetivas, no qual ele pudesse se integrar, passando do grupo familiar aos bandos de rua e, por acidente, à escola, acreditamos que exista nele um potencial afetivo que procura uma nova integração e é através dele que se realizará todo o trabalho.

Tendo sido encaminhado à escola através de uma determinação judicial, todo funcionário tem claro que não houve uma escolha no internamento, por parte do aluno, e que isto representará uma forte barreira na sua integração. Não tendo escolhido aquele grupo para conviver, o aluno geralmente sente se obrigado em permanecer rejeitando o novo ambiente. Ao mesmo tempo em que sente o internamento como punição, o sente também como restrição da liberdade, como prisão.

As primeiras reações do interno precisam ser compreendidas a fim de facilitar sua permanência na escola. Não só os contatos pessoais, mas as respostas que precisam ser dadas neste momento devem favorecer a sua compreensão da realidade atual – infração, resultando na determinação judicial do internamento e os sentimentos em relação a essa situação.

No ambiente familiar o aluno recebia, pela sua conduta anti social, um padrão de respostas que era sempre o mesmo, ou seja, punição, rejeição e rotulagem. Com isso sua carência afetiva não era suprida e a única maneira que o menor possuía de manter uma proximidade afetiva era repetir a ação anti social, estabelecendo, assim, um círculo vicioso.

Com o tempo, isto se constituiu numa forte vivência, ou seja, no único elemento de aprendizagem recebido, reforçando continuamente o papel de infrator que lhe foi atribuído. Subitamente, este processo é interrompido por uma ação judicial e o menor se vê afastado do seu ambiente familiar ou do seu bando de rua e colocado numa escola para menores infratores a Escola FEBEM “Monsenhor Messias”.

Na maioria das vezes o menor já traz consigo uma imagem pronta da escola a Escola de Infratores. Essa imagem, geralmente, é carregada de fantasias (punição, rejeição, violência, etc), que representam, por um lado, suas vivências anteriores e, em parte, é resultado da realidade ou de estereótipos sociais.

Suas primeiras reações são de intensa desconfiança e resistência à permanência no novo ambiente. Essa intensa desconfiança aliada a dificuldade de adaptar-se ao novo ambiente pode resultar em fuga ou na criação de mecanismos de defesa que facilitem a permanência. O aluno que permanece no ambiente escolar passará por um processo que resultará em diferentes manifestações da expressão da conduta, podendo aparecer sob forma de depressão, agressividade intensa, falsa sociabilidade, aparente indiferença, etc.

É neste momento que ele procura observar e entender, ao seu modo, a nova situação, buscando maior segurança, a descoberta de novo espaço individual e o significado das novas relações interpessoais.

Tendo se situado e integrado ao novo ambiente, o aluno se sentirá seguro para restabelecer seus vínculos afetivos interrompidos bruscamente com o internamento. Começarão a emergir, então, manifestações transferenciais no sentido de buscar novamente um equilíbrio interno. Sua casa passará a ser a Escola, seus irmãos os outros alunos e seus pais serão escolhidos entre os funcionários, e poderão ser aqueles com os quais melhor se estabelecerem as identificações parentais.

Para o seu inconsciente, essas figuras substitutas representarão, na relação, os vínculos perdidos com os membros da sua verdadeira família, embora esta continue a existir. Se as relações familiares foram conflituosas, ele tentará reeditar no ambiente escolar o mesmo relacionamento que vivenciava no seio de sua família e no de seu bando.

Dá se, então, início a um trabalho de integração na comunidade escola. A escola representará para o aluno os três níveis das suas relações anteriores:

• As pessoas com as quais se identificará nas figuras paterna e materna e os outros alunos, representarão uma dimensão modificada de sua família.

• As experiências grupais - grupo de oficina, grupo de esportes, grupo de escola de 1º grau, etc - estarão representando, também de forma modificada, suas experiências com os bandos de rua.
• As normas fixadas pela comunidade escola representarão as normas da sociedade.

Como temos dentro da comunidade escola os três níveis de representação das vivências anteriores dos alunos, podemos interferir nestes três níveis, conscientemente, no senti¬do terapêutico e pedagógico, modificando: a qualidade da relação interpessoal, os valores e objetivos dos grupos e o significado das normas como instrumento de organização social.

Essas três vivências ocorrem simultaneamente e não de maneira isolada.

Quando modificamos intencionalmente a qualidade da relação, queremos suprir uma falta que ocorreu numa fase do desenvolvimento do aluno. As atitudes de rejeição, de inafetividade, de indiferença, de omissão e outras mais, serão substituídas, através dos educadores, por outras atitudes como: aceitação, afetividade, disponibilidade, atenção, assertividade, etc.

Quando modificarmos os valores e objetivos dos grupos, introduzindo operações que exigem solidariedade, organização, responsabilidade, criatividade e produto final, estaremos proporcionando diferentes oportunidades de vivenciar experiências grupais construtivas em substituição às experiências grupais destrutivas a que eles estavam acostumados a vivenciar.

Quando introduzimos na comunidade escolar um tipo de governo, onde é possível a participação, a livre expressão e tomada de decisões em todos os níveis, estamos proporcionando a todos os funcionários e alunos, ao mesmo tempo, um envolvimento na elaboração das normas e regulamentos, e a garantia, com isso, do respeito a elas, enquanto representarem um consenso; ou a possibilidade de modificá las, se elas já não estiverem representando os anseios da maioria.






DINÂMICA DA COMUNIDADE ESCOLA





Para compreendermos o funcionamento da comunidade nos seus diferentes níveis de trabalho é necessário revermos novamente as vivências dos alunos, nos três planos anteriormente citados:

a família
o bando de rua
a sociedade (experiências com a polícia, com instituições de assistência, com o trabalho, com ricos e pobres, etc).

Já vimos esses três planos em capítulo anterior. Chamamos atenção, porém, para as últimas vivências do aluno, imediatamente anteriores a vinda dele para a Escola.

Nesse ponto, dividimos os alunos em dois grandes grupos:

1º - Aqueles que sofreram intensamente e por tempo prolongado as influências do meio marginal, marcados pelas experiências freqüentes com a máquina policial, afastados do ambiente familiar.

2º - Os que não tiveram suas últimas experiências afastados do ambiente familiar e não sofreram um longo processo de convivência com o meio marginal e com tudo que o cerca.

Em síntese, os primeiros, já afastados há muito do ambiente familiar, perderam ou enfraqueceram seus vínculos com este núcleo substituindo-os, parcial ou inteiramente, por valores dos grupos a que pertenceram. São menores já com características fortes do meio marginal de zona urbana.

O outro grupo se caracteriza por manter fortes vínculos familiares que, embora conflituosos, não foram ainda substituídos por valores do meio marginal.

Ao longo de seis anos de trabalho observamos que os alunos pertencentes ao 1º grupo apresentam maiores dificuldades de adaptação à comunidade, sobretudo na etapa inicial. Entre estes é comum a prática da fuga, a dificuldade com autoridade, com a incorporação de normas e hábitos higiênicos, enfim, com tudo que possa representar uma vida organizada. Suas detenções freqüentes e prolongadas, suas vivências com a polícia e com diferentes grupos marginais fizeram nos incorporar essas experiências como um novo sistema de vida.

Interessa nos saber, também, ao longo de todo o processo vital, como cada aluno reagiu frente às diferentes situações que vivenciou, comparando-as com suas reações frente às situações que vivencia atualmente na comunidade-escola. Com isso, teremos elementos suficientes para uma compreensão dinâmica de cada personalidade e de suas características individuais.

O trabalho a ser desenvolvido deve tomar como base essas características individuais que serão acompanhadas durante as diferentes etapas do processo de reintegração. Para nós, essa reintegração passará a ocorrer progressivamente partindo de um nível interno, emocional, e daí se projetando para um nível cada vez mais amplo, passando pelas mudanças da conduta dentro da comunidade escola, na comunidade de Sete Lagoas, na família e na sociedade como um todo. A esse processo chamamos de Integração Social Progressiva.

Partimos da premissa de que todo desvio de conduta representa, em primeiro plano, um fator de desintegração no nível interno, que passa, depois, a se manifestar exteriormente através da conduta. As modalidades pelas quais essa conduta é manifestada corresponde às diferentes formas de reagir frente a situações de conflito interno e relacional.

Essas formas de expressão da conduta podem ocorrer em diferentes direções, a saber:

a) Podem ser dirigidas, preferencialmente, para o ambiente externo.
Exemplo: furtos, impulsos destrutivos direcionados para fora (agressão, hostilidade, manipulação, etc).

b) Podem estar dirigidas, preferencialmente, para o ambiente interno.
Exemplo: impulsos autodestrutivos, rigidez, depressão, etc.

c) Podem ocorrer nos dois sentidos intercaladamente.

Observamos que essa última situação é a que ocorre com mais freqüência, sobretudo quando o aluno inicia seu processo interno de elaboração de conflitos e começa a se apresentar de modo confuso em relação as suas próprias atitudes.

Assim, entendemos que:

1 É pouco efetivo no trabalho, nos contentarmos com o rótulo de infrator ou outro qualquer termo ou diagnóstico, sem que possamos ter uma compreensão mais profunda das causas e dos significados dessa conduta que, para nós, é movida por aprendizagens conflitivas e motivações inconscientes. Utilizando a imagem de um “iceberg”, diremos que a ponta que emerge (a conduta) e que pode ser vista, é sustenta¬da pela sua base submersa (conflito e motivação inconsciente), imensa, invisível e, portanto, mergulhada no desconhecimento.

2 As atividades na comunidade escola (oficinas, ensino, tarefas, reuniões, etc) constituem um continente propício sobre o qual o conteúdo da conduta pode se manifestar, ser compreendido e trabalhado.

3 A saída gradual da comunidade escola para a comunidade abrangente (Sete Lagoas), isto é, os estágios nas oficinas da cidade, os biscates, a freqüência ás aulas nas escolas ex¬ternas (Sete Lagoas), os jogos de futebol nos campos dos adversários, etc, representam uma dimensão ampliada desse continente onde o conteúdo da conduta pode se manifestar, ser compreendido e trabalhado.

Concluímos, então, que o ponto focal do trabalho em todos os momentos é a personalidade do aluno e suas diferentes manifestações ao longo do tempo. Toda a estrutura montada ou existente, na comunidade escola, funciona como um suporte que permite, facilita e mesmo estimula um processo de elaboração interna e, ao mesmo tempo, propicia a emergência das manifestações saudáveis e positivas dessa mesma personalidade, promovendo, dessa forma, a reintegração em um universo cada vez maior, a partir da reestruturação de seu mundo interno.

É interessante observar que todos esses níveis de integração devem ocorrer dentro de condições favoráveis, a saber:

1 Respeitando as necessidades, capacidades e ritmo de desenvolvimento individual.

2 Levando em conta os pressupostos terapêuticos e pedagógicos, sem, no entanto, supervalorizá los ou torná los rígidos e mecânicos, negando, com isso, a capacidade espontânea e natural que cada aluno possui, de se avaliar criticamente e fazer opções.

3 Tirando lições do método e das técnicas empregadas, aprendendo a criticá-las e aperfeiçoá las no sentido da necessidade de futuras reformulações.

4 Entendendo a comunidade escola não como um me¬ ro e neutro local de trabalho e as atividades como simples manifestações intelectuais programadas. Na convivência, o bom humor, o debate, o afeto, as alegrias e tristezas e as demais manifestações humanas devem estar presentes tal como existem dentro de nós. Negar essas condições significa representar um papel de educador e não vivê lo integral¬mente.

Podemos dizer que toda a estratégia que confere significado aos programas e atividades se fundamenta em três pressupostos básicos:

• Que o aluno é capaz de fazer - capacidade laborativa.

• Que o aluno é capaz de sentir - capacidade afetiva.

• Que o aluno é capaz de compreender-se a si e ao mundo - capacidade de integração social.

Apresentamos a seguir, esses três pressupostos básicos, discriminados numa dimensão individual grupal e social:


CAPACIDADE LABORATIVA

A No plano individual
a.1. Intelectual

1º nível lê, escreve e faz cálculo
2º nível -acompanha programas de ensino de qualquer natureza.
3º nível - elabora e cria intelectualmente.

a.2. Operativo

1º nível - produz objetos; compreende melhor seus deveres e direitos em relação ao trabalho; interessa se pela atividade e participa melhor.

2º nível - amplia esses conhecimentos, direitos e deveres trabalhando em oficinas da comunidade.

3º nível – aprende a enfrentar seus problemas com relação ao trabalho de modo independente.

B No plano grupal
b.1. Intelectual

1º nível permanece no grupo; solicita a professora; aceita a solicitação da professora por outros membros do grupo.

2º nível colabora com a professora e executa suas tarefas; colabora com a professora, com os colegas e executa suas tarefas.

3º nível mantém esses relacionamentos estáveis por tempo prolongado e progride visivelmente na aprendizagem; habitua se a dividir com o grupo os objetivos intelectuais.

b.2. Operativo

1º nível comparece as atividades de trabalho; permanece no grupo e atua com individualismo.

2º nível colabora com o Instrutor e com os colegas no processo de trabalho; incorpora hábitos e atitudes necessários ao funcionamento da oficina.

3º nível - participa com responsabilidade e atua criticamente em todas as etapas do trabalho; mantém por tempo prolongado uma conduta operativa grupal.

CAPACIDADE AFETIVA

Como o aluno se sente e sente os outros:

A Nível de recepção

- sente se confuso diante de toda uma situação nova.

- sente se ameaçado e foge; ou permanece com grande esforço (resiste a uma aproximação com pessoas ou a participar de atividades).

- sente se menos ameaçado (tenta adaptar se, experimentando papéis artificiais).



B Nível de adaptação

- sente desejo de contatos pessoais e de ter um papel definido (tenta participar de uma atividade e estabelecer relações pessoais, mas sente se incapaz e insatisfeito).

- exprime (ou fantasia) sentimentos mistos de ódio, afeto, desconfiança, etc. Oscila muito em relação a esses sentimentos tanto nas relações pessoais quanto nas relações com a atividade em que se encontra.


C Nível de Integração

- sente se mais seguro em relação ao seu papel no grupo e nas relações pessoais (permanece por tampo prolongado em uma atividade e melhora seu relacionamento pessoal).

- manifesta seus sentimentos e pensamentos de modo mais elaborado e espontâneo.


D Nível de desligamento

- integra se na atividade escolhida e torna se responsável e interessado.

- sente se seguro e discrimina com base na realidade seus sentimentos e pensamentos. Estabelece relações pessoais estáveis.


Observação:

Nesse processo são esperados fenômenos de regressão a fases anteriores, ocasionados por "situações difíceis”. Essas regressões podem indicar “pontos fracos" (núcleos não bem elaborados) no desenvolvimento global da personalidade.




CAPACIDADE DE INTEGRAÇÃO SOCIAL



A – Compreensão do seu papel no grupo

- ganha identidade laborativa ao sentir que é capaz de produzir.

- melhora sua autoestima quando constata que é capaz de atuar de modo produtivo.


B – Reconhecimento do papel do grupo a que pertence

- percebe uma função produtiva e social do seu grupo.

- preocupa-se em manter sua satisfação de produzir e manter o grupo produzindo.


C - Avaliação dessas compreensões num plano crítico.

- aprende a avaliar criticamente a função produtiva e social do seu grupo numa dimensão ampliada.

- aceita crítica e sugestão em relação ao seu trabalho e ao desempenho do grupo de mo¬do reflexivo.



INTEGRAÇÃO SOCIAL PROGRESSIVA
- CRITÉRIOS E PROCEDIMENTOS
TRABALHO INTEGRAL




CRITÉRIOS E PROCEDIMENTOS




Para tornar efetivo o acompanhamento dos alunos em seu crescimento global - desenvolvimento das capacidades de fazer, sentir e pensar criticamente - faz se necessário criar níveis de desenvolvimento. Esses níveis refletem as mudanças adquiridas (interna e externamente) durante sua permanência na Escola.

Em outras palavras, interessa nos saber:

1 Se houve mudança na conduta
2 Se essa mudança ocorreu a partir de seu mundo interno (ego)
3 Se houve elaboração suficientemente forte para mantê-la estável.

A seguir, apresentamos os níveis de desenvolvimento do aluno citados anteriormente:

I Recepção
A Observação

primeiros contatos

levantamento de dados

observação da conduta (tipagem)

atividades iniciais

- admissão à comunidade ou transferência

B Adaptação

reforço dos contatos (contatos preferenciais)

estudo do caso

acompanhamento do aluno (nas atividades e no desenvolvimento pessoal)

II Integração à Escola

desempenho nas atividades

permanência por tempo prolongado numa atividade.

melhora no relacionamento grupal

desenvolvimento pessoal

maior segurança nas relações pessoais

manifestação de sentimentos e pensamentos de modo mais elaborado e espontâneo.

III Integração sociofamiliar

A Situação na comunidade exclusa (Sete Lagoas ou outra cidade)

desempenho nas atividades

permanência por tempo prolongado numa atividade (escola de 5ª a 8ª série, estágios)

melhora no relacionamento grupal fora da comunidade-escola

desenvolvimento pessoal

maior segurança nas relações pessoais (colegas de escola, de trabalho, patrões, etc).

- manifestações do sentimento e do pensamento de forma mais elaborada e espontânea com pessoas estranhas a comunidade escola

B Situação familiar

contatos com familiares ou substitutos ¬(cartas, telefonemas, visitas, etc.)

interesse e condições da família (em receber o aluno, em arranjar lhe emprego, renda familiar razoável, ambiente familiar favorável)

C Situação individual

- em condições de manter se sozinho sem assistência da família

- sem condições de manter se sozinho, necessitando de apoio inicial

IV Desligamento e acompanhamento à distância

Desligamento

- motivo do desligamento
- condições do desligamento

- reações ao desligamento

Acompanhamento à distância

- desempenho nas atividades

- desenvolvimento pessoal



TRABALHO INTEGRAL



As atividades são as unidades de trabalho integral. Trabalho Integral significa a fusão de todos os conceitos, princípios e atitudes de natureza educativa que se encontram embuti¬dos e se tornam indissociáveis na operação das atividades.

Dissemos que as atividades representam as unidades de trabalho integral porque elas representam a base da organização. É através delas que podemos compreender, acompanhar, aferir, analisar o processo de desenvolvimento grupal e individual, os anseios, as dificuldades e os êxitos de cada um e de todos. Aí também nos incluímos como agentes e pacientes da organização.

As atividades reunidas compõem programas. Os programas são instrumentos de planeja¬mento, acompanhamento e avaliação de todos os esforços despendidos durante o período anual.

Os programas têm como objetivo coordenar as atividades do período anual, compatibilizando recursos e ações que viabilizem o processo de desenvolvimento num plano geral. A avaliação dos êxitos ou dos fracassos de partes, ou do programa como um todo, nos possibilita um redirecionamento coerente e uma visão global dos acontecimentos ao longo do tempo de trabalho.

A avaliação anual dos programas leva a obter informações que permitem a verificação das atividades que se prestam melhor ao trabalho integral. Para isso serão utilizados indicadores que resumam o que se conseguiu durante um ano, no que se refere a três pontos básicos:

1 Indicadores da capacidade laborativa
2 Indicadores da capacidade afetiva
3 Indicadores da capacidade de pensar criticamente.

Cada indicador nos mostrará até onde cada aluno conseguiu caminhar e o que será necessário corrigir ou enriquecer nas atividades.



ORGANIZAÇÃO
ESTRUTURAL
FUNCIONAL
REGIMENTO INTERNO, NORMAS E REGULAMENTOS




ORGANIZAÇÃO





Organização Estrutural

A organização estrutural da escola foi planejada para permitir os trabalhos de reabilitação. Sua composição atual (Conselho Diretor, Departamentos, Divisões, etc.) permanece enquanto servir aos objetivos anteriormente mencionados.

Podemos simplificar esta compreensão dizendo que a organização suporte (administração) serve a organização fim (atividades educativas e terapêuticas). Essa organização estrutural não será, portanto, uma organização estática e definitiva. Pelo contrário, sofrerá alterações sempre que a atualização das experiências assim o exigir.

Embora a estrutura da escola esteja subordinada a recursos e a normas administrativas advindas de planos superiores, que muitas vezes incompatibilizam, com a sua rigidez, os trabalhos educativos e terapêuticos, temos consciência de que somente, com um longo trabalho de reformulação crítica e com boa vontade, poderemos realizar melhor o nosso propósito de fazer da estrutura administrativa um instrumento facilitador dos nossos objetivos de campo.

Assim, pensamos que essa estrutura maior deve atuar de forma facilitadora, compondo-se sempre com as necessidades do trabalho sua função e deverá deixar de existir ou ser modificada, quando essas necessidades sofrerem alterações.

A importância maior dessa estrutura é a de ajustar a compreensão dos objetivos das atividades através de uma visualização da organização global.
Essa estrutura é composta de:

1 Conselho diretor
2 Equipe de Educação e Reabilitação
3 Departamentos
4 Divisões

Organização Funcional

Procuraremos aqui explicar qual a função de cada parte da estrutura anteriormente mencionada.

As pessoas que trabalham na Escola, sejam funcionários ou alunos, estão de alguma forma ligadas a cada uma ou a várias partes dessa estrutura e às suas atividades; cumprem não só os objetivos ligados a sua função, mas, sobretudo colaboram com o desenvolvimento dos trabalhos de outras pessoas no processo de ressocialização.

Vejamos, então, como funcionam essas partes:

Conselho diretor

O Conselho diretor congrega os funcionários que coordenam e representam os departamentos. Caberá a diretora coordenar as reuniões do Conselho diretor, ou indicar outro funcionário para tal fim.

A esse Conselho compete discutir e deliberar sobre assuntos de âmbito geral, tanto no nível administrativo quanto no educativo e terapêutico em consonância com a Equipe de Educação e Reabilitação. Será eleito e composto por coordenadores de cada Departamento, membro dessa Equipe.

Equipe de Educação e Reabilitação

Esta equipe é constituída de pessoal técnico e não técnico ligado mais diretamente às questões de educação e reabilitação. Esta composição está assim proposta:

Departamento Social: dois funcionários

Departamento de Saúde: quatro funcionários

Departamento de Ensino: três funcionários

Departamento de Trabalho: dois funcionários

Departamento de Educação Física: um funcionário

Departamento de Administração: dois funcionários

Departamento de Atividades Ocupacionais e Segurança: dois funcionários

A coordenação da Equipe de Educação e Reabilitação estará a cargo da diretora ou de um substituto por ela indicado. A Equipe poderá usar também o sistema de rodízio na coordenação.

À Equipe de Educação e Reabilitação compete estudar, deliberar e avaliar questões específicas de âmbito pedagógico e terapêutico.

Departamentos

Departamento de Administração

Este departamento visa proporcionar suporte ao funcionamento da Escola e, particularmente, facilitar a execução dos programas terapêuticos e educativos. Este departamento se subdivide em:

1- Divisão de Secretaria
2- Divisão de Conservação
3- Divisão de Serviços Domésticos
4- Divisão de Almoxarifado
5- Divisão de Transporte

Departamento de Segurança

Este departamento visa assegurar a ordem na comunidade escola. Este departamento se subdivide em:

1- Divisão de Monitoria
2 Divisão de Contenção (Pavilhão de Segurança)

Departamento de Trabalho

Este departamento visa a preparação do aluno para sua reintegração social através da atividade produtiva e sua colocação consciente no mercado de trabalho. Este departamento se subdivide em:

1 Divisão de Iniciação Profissional (Cursos)

2 Divisão de Estágios

3 Divisão de Empregos

4-Divisão de Atividades Ocupacionais

5-Divisão de Produção

Departamento Social

Este departamento visa, acompanhar o menor desde seu internamento até a sua saída da Escola. Sua função é integradora, proporcionando simultaneamente um contato real com a comunidade educativa, com a família e com a sociedade abrangente. Este departamento se subdivide em:

1 Divisão de Recepção e Adaptação

2 Divisão de Documentação e Prontuários

3 Divisão de Família e Comunidade

4 Divisão de Desligamento e Reintegração Social

Departamento de Saúde

Este departamento visa prestar serviços médico odontológícos e psicológicos aos alunos e funcionários, bem como orientar e treinar funcionários em sua relação terapêutico educativa com os menores. Este departamento se subdivide em:

1-Divisão de Assistência Médica
2-Divisão de Odontologia
3-Divisão de Psicologia
4-Divisão Sanitária

Departamento de Educação Física

Este departamento visa promover o desenvolvimento físico e a integração do aluno a grupos sociais cada vez maiores. Este departamento se subdivide em:

1- Divisão de Esportes
2- Divisão de Lazer
3- Divisão de Aulas Sistemáticas

Departamento de Ensino

Este departamento visa promover o ensino de 1ª a 4ª série do 1º grau, voltando se especialmente para a alfabetização. Este departamento se subdivide em:

1 Divisão de Ensino Acadêmico
2 Divisão de Alfabetização

Para garantir uma unidade de trabalho, os departamentos manterão reuniões periódicas de seus membros, tanto no nível administrativo quanto no pedagógico. Essas reuniões devem representar uma síntese do pensamento das pessoas do departamento, sendo as questões administrativas encaminhadas, através de seus representantes, ao Conselho Diretor, e os assuntos de ordem pedagógica através de seus representantes, à Equipe de Educação e Reabilitação, ficando dessa forma assegurada a participação integrada de todos os funcionários com voz e voto na vida da comunidade escolar, bem como um treinamento sistemático de todas as pessoas envolvi¬das no trabalho. Em face da importância dessas reuniões, a presença de todos os funcionários é obrigatória.

REGIMENTO INTERNO, NORMAS E REGULAMENTOS

O Regimento Interno é a Constituição da comunidade escola. É o conjunto de princípios, leis e normas que regem a vida das pessoas da comunidade. Tem como objetivo facilitar a compreensão dos direitos e deveres de cada um e de todos os membros.

A elaboração, as discussões e as mudanças nesse Regimento implicam obrigatoriamente numa consulta e participação ampla de todos os segmentos que compõem a comunidade escola.

As normas são os atos baixados pela direção da Escola, com ou sem a participação do Conselho Diretor, de caráter administrativo e de duração transitória e que se destinam a corrigir situações que necessitem de ações rápidas e efetivas. As normas não têm competência para modificar situações já previstas no Regimento Interno.

Os regulamentos são instrumentos independentes, utilizados por pessoas que se agrupam em torno de atividades e que tem por finalidade dar organicidade a estas. Podem ser discutidos e implantados livremente em oficinas, salas de aula, setores, departamentos, etc, desde não se choquem com disposições preexistentes em normas e no Regimento Interno da Escola.

Outro objetivo dos regulamentos é o de estimular a participação nos debates e nas decisões, servindo como elemento de expressão criativa e ao mesmo tempo crítica.

Admite se a possibilidade do conteúdo dos regulamentos vir a aperfeiçoar as normas e a melhorar o Regimento Interno da comunidade escola, já que eles representam os anseios e a criação de novas experiências de organização originadas nas camadas de base da população escolar. É um instrumento de participação escolar.




ORGANOGRAMA DA COMUNIDADE ESCOLA





FICHA TÉCNICA


Escola FEBEM “Monsenhor Messias”
Endereço: Wenceslau Braz Sete Lagoas/MG Telefone 921-2778 CEP 35700
Regime de Atendimento : Permanência

Histórico:

A antiga fazenda Wenceslau Braz, nos arredores de Sete Lagoas, foi adaptada para receber a Escola de Reforma “Alfredo Pinto”, criada pelo Decreto nº 7.326 de 31/08/1926, destinada ao recebimento de menores delinqüentes. Atendendo às conclusões da moderna pedagogia, em 27/10/1941 (Decreto lei nº 803) foi substituído da designação do estabelecimento o título “Escola de Reforma” por Oficina Escola “Alfredo Pinto”. A lei nº 2.988, promulgada pela Assembléia Legislativa, publicada no Diário Oficial de 07/12/1963, alterou novamente a denominação da Oficina Escola “Alfredo Pinto” para Instituto Educacional “Monsenhor Messias”. O Decreto nº 7.645 de 27/05/1964, que classifica os estabelecimentos de menores do D.S.M., transformou o educandário em Escola de Artes Industriais, conservando, porém, a sua denominação. Posteriormente, com o advento da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, passou a denominar se Escola FEBEM “Monsenhor Messias”.

Definição da Clientela: Menores Infratores, do sexo masculino, na faixa etária entre 14 e 18 anos.
Nível intelectual e de personalidade: Qualquer nível e com qualquer quadro psicopatológico, pois não é feita uma triagem anteriormente.
Capacidade de Atendimento: 100 alunos.




REFLEXÕES FINAIS



Dissemos no início deste documento que tudo o que aqui está escrito representa “uma tentativa de compreender e trabalhar com adolescentes portadores de desvio de conduta”.

Encerramos este trabalho fazendo reflexões críticas necessárias, com a intenção de deixar em aberto questões que julgamos fundamentais.

Transformamos em perguntas essas questões e qualificamos de grande importância as considerações do leitor crítico. São as seguintes:

1ª - Desvio de conduta, infração, delinqüência, são conceitos que definem corretamente o que acontece com um indivíduo ou são conceitos necessários à manutenção de valores e normas de uma sociedade?

2ª - Se fizermos uma análise da conduta das pessoas que conhecemos e se utilizarmos os mesmos critérios adotados para os alunos internos dessa escola, a que conclusões chegaremos?

3ª Você concorda com a maioria dos valores e normas sociais? Se não concorda, de que maneira você consegue infringi-las sem se tornar um infrator reconhecido socialmente?

4ª O atestado médico e a sentença do juiz, entre outros, são procedimentos utilizados criteriosamente e de maneira igualitária nas diferentes classes sociais?

5ª Por que determinados homens, quando se apropriam de verbas públicas ou cometem outros delitos, têm tratamento diferente que lhes confere imunidade?

6ª O que aconteceria com as Instituições cria¬das para internar pessoas portadoras de conduta anti-social, na hipótese de que a maioria dessas pessoas fosse detectada e internada?

Gostaríamos que essas reflexões e outras mais permanecessem como portas abertas a nossa inteligência. E que as sugestões e ações correspondentes fossem impregnadas de justiça e amor.

Não sabemos na verdade se os alunos que tentamos reintegrar na sociedade estão per¬correndo o melhor dos caminhos. Só nos resta acreditar nisso e pensar na direção da esperança.


Sete Lagoas, 05 de janeiro de 1983.
Luiz Gonzaga de Freitas Filho
Ziléa Barbosa de Freitas

Encerramos aqui a apresentação do manual existente na época. Ele sofreu modificações com o passar do tempo, mas não pôde ser reeditado. Passaremos agora a apresentar os reflexos que essa experiência determinou para a construção de uma metodologia que iria se continuar em trabalhos clínicos de consultório.


CAPÍTULO VII


Evoluindo para um método


A evolução para a criação de um método pessoal de trabalho decorre da aprendizagem e ordenação de diferentes idéias, conceitos e experiências de outras pessoas e da aplicação experimental das experiências pessoais para obtenção de resultados. Ninguém consegue criar nada de forma original e absoluta. Essas informações, porém, podem ser organizadas de formas diferentes e orientadas para objetivos também diferentes.

Mesmo aceitando que percepções e experiências da infância e adolescência, no meu caso, tenham sido muito importantes, admito, porém, que três vivências mais tardias, completaram e reforçaram o conteúdo das primeiras. Foram elas:

• O período de três anos que morei em um hospital psiquiátrico.
• O longo e entrecortado período em que estive em contato com índios.
• Os nove anos que trabalhei em equipe numa escola de menores infratores.

Como qualquer criança, desde cedo, percebia as diferenças de classes na convivência social e familiar, chegando mesmo a conclusão de que não fui original em nada nesse tipo de percepção. Simplesmente segui um padrão comum. Nada de novo!

Como residente do hospital era obrigado a morar no local e seguir os padrões vigentes. Morar no local, ter dois plantões semanais e resolver, nas horas noturnas em que a burocracia não podia atuar, todos os “abacaxis” que acontecessem dentro de um hospital psiquiátrico público cheio de carências e vícios próprios desse tipo de instituição, não se pode dizer que era uma tarefa fácil.

Os nove anos que trabalhei em equipe numa escola de menores infratores complementaram o ciclo de experiências e me fizeram refletir simultaneamente sobre esses três universos tão diferentes: o das sociedades naturais, o da loucura e o do crime. Nos três, um elemento era comum: o comportamento humano.

Comecei a distinguir bem dois grandes grupos de comportamentos: os ativos (construtivos) e os reativos (destrutivos). Também comecei a acreditar que o comportamento é acionado por três poderosos motores: sentimentos, princípios e valores; que esses motores atuam sincronizados no plano individual e que interagem no meio grupal; que as aprendizagens são registradas a partir dessas experiências internas e externas e que podem ser modificadas através de novas reflexões.

É possível que todas essas conclusões tenham servido apenas para ordenar as idéias e diminuir as dúvidas, posto que, sabendo que os instintos, a imaginação e as fantasias possuem uma grande influência sobre o comportamento geral, poderia estar simplesmente articulando convenções para simplificar minhas crenças. Teria que testar e provar essas hipóteses e avaliá-las pela rota dos resultados concretos da prática. Para isso teria que criar uma metodologia capaz de produzir respostas a questões ainda pendentes.


Visão sumária sobre o método MIRQ


A sigla MIRQ significa Método Interativo para a Relação de Qualidade. Essa denominação se fundamenta em quatro aspectos da relação humana:

1. A relação humana se caracteriza pela interação entre indivíduos.
2. A interação entre indivíduos é influenciada pela qualidade das relações.
3. A qualidade das relações produz equilíbrio ou desequilíbrio na convivência.
4. O equilíbrio na convivência depende da satisfação pessoal e coletiva.

A convivência é construída na relação interpessoal e organizada - de forma mais ampla - pelas regras sociais. Portanto, é de responsabilidade estritamente individual a forma qualitativa da relação pessoal e social. Nenhuma constituição, lei ou decreto estabelecido por instituição humana é capaz de determinar a qualidade do comportamento individual. Seria o mesmo que admitir que o comportamento individual não depende originalmente da organização social pelo fato de ser oriundo do psiquismo de cada indivíduo. Compreendendo que interesses e satisfações do indivíduo se organizam através das convenções sociais, é fácil concluir pela necessidade da existência de acordos sociais que contemplem o conjunto das aspirações individuais para evitar ou atenuar reatividade. O método visa, portanto, interferir voluntariamente na qualidade das relações pessoais pelo livre arbítrio de cada um, na impossibilidade de atuar pela via social.

Para possibilitar a operacionalidade do método foram criados cinco conceitos básicos para atingir uma abordagem simplificada e permitir a compreensão desses conceitos por qualquer pessoa no convívio. São eles:

• Comportamento ativo e reativo
• Relação de qualidade
• Sinalização
• Grupo afetivo
• Sintonia


COMPORTAMENTO ATIVO


É todo comportamento humano positivo e construtivo, que produz apenas harmonia e equilíbrio interno (no psiquismo) e externo (na família e no ambiente) e que contém altos níveis de sentimentos, princípios e valores das pessoas que o originaram. Ex: A invenção da vacina contra a paralisia infantil por Albert Sabin e sua equipe de pesquisas.


COMPORTAMENTO REATIVO


É todo comportamento humano negativo e destrutivo, que produz apenas desarmonia e desequilíbrio interno (no psiquismo) e externo (no ambiente e na família) e que contém baixos níveis de sentimentos, princípios e valores saudáveis nas pessoa que o originaram. Ex: O tráfico de drogas.



GRUPO AFETIVO (núcleo afetivo)


O primeiro núcleo afetivo é a família, grupo que nos gerou, com o qual exercitamos nossas primeiras relações e que estará fortemente gravado em nosso psiquismo para toda a vida. A qualidade dessas relações e do “clima familiar” será sempre de grande influência sobre nós. Fazemos a maioria das coisas em grupos e nos sentimos mais seguros quando pertencemos a um ou mais deles. Com o processo de socialização somos levados a participar também de outros núcleos afetivos. Ex: turma da escola, grupo do futebol, etc.



SINALIZAÇÕES



São códigos complexos de difícil compreensão pelos familiares e pela maioria das pessoas. A dificuldade de detectá-las está no fato de se mostrarem camufladas, sutis, como se fossem “mensagens secretas” de difícil interpretação. Na realidade são sinais que mostram que algumas dificuldades estão ocorrendo no interior do psiquismo. Nem sempre expressamos o que sentimos e pensamos. Muitas vezes abafamos e camuflamos nossas idéias e emoções. Esse acúmulo de tensões (“stress”) pode explodir sob a forma de sintomas (somatismos), mau humor, irritabilidade, depressões, ansiedades, alterações do comportamento, doenças psicossomáticas, etc.



RELAÇÃO DE QUALIDADE


Capacidade de captar, interpretar, compreender e responder com qualidade às sinalizações (manifestações) do comportamento reativo. A Relação de Qualidade se fundamenta em dois procedimentos que, com o uso continuado, acabam por se tornar um hábito pelo treinamento e aprendizagem dos mesmos. São eles:


Leitura Profunda (ler o que está por detrás das palavras e dos gestos).

Linguagem dos Sentimentos (responder ao outro após compreender quais os sentimentos que geraram suas palavras e gestos).


Sabemos que por detrás do comportamento estão, entre outras coisas, os sentimentos, princípios e valores de cada pessoa. Que as palavras e gestos nem sempre expressam a verdade do que as pessoas sentem, ou seja, que elas sinalizam através de códigos. Ler com profundidade seria o mesmo que ler ALÉM das palavras e dos gestos. Seria perceber verdadeiramente a mensagem impregnada do seu conteúdo emocional. E todos já nascemos com essa capacidade, basta treinar.



SINTONIA



A SINTONIA é a verdadeira expressividade, isto é, a forma fiel e espontânea de unirmos palavra e voz ao sentimento e pensamento de forma aberta, sem constrangimento ou mentira. Um jeito livre de expressão que conduz a emoção e a idéia para ser compreendida pelas outras pessoas. Quando a sintonia ocorre em grupos de pessoas podemos ter:

homossintonia - Também chamada Sintonia Familiar ou Sintonia Adequada, é o equilíbrio resultante das relações positivas e construtivas entre indivíduos, que beneficiam o próprio indivíduo, a família, o grupo social e o meio ecológico. É fator determinante para a manutenção do desenvolvimento equilibrado do psiquismo, da estabilidade familiar e do modelo cultural.

heterossintonia – Com a heterossintonia (sintonia inadequada) ocorreria o contrário. A sintonia desejável que deveria haver no grupo primário (família) e em grupos secundários, através de uma relação de qualidade, é feita através de comportamentos reativos de caráter destrutivo, que acabam por aumentar os conflitos e deteriorar as relações.


CONCEITOS AUXILIARES


Engrama - Um engrama é como se fosse um minúsculo grão contendo dentro de si tantas informações (emoções, sentimentos, percepções, etc.). Contêm mensagens em código. Essas mensagens são difíceis de entender porque não são explicadas com palavras comuns e são compostas de conteúdos emocionais inconscientes e em código. São arquivos guardados na mente.

Mimetismo psicossocial - Mecanismos de defesa usados pelos adultos civilizados que se refletem para o continente sociofamiliar e cultural. São aprendidos pelas crianças e jovens que passarão a usá-los no futuro. Ex. mentiras, chantagens, dissimulações, etc.

Os conceitos acima referidos estão mais bem detalhados na obra “Viver eu quero. Conviver é preciso!”. Outra obra que está sendo escrita conterá uma abordagem mais minuciosa sobre essa metodologia”.

Para finalizar recomendamos esse método na abordagem de todas as alterações de comportamento ainda chamadas atualmente de neuroses, psicoses e outras mais. Porém sua utilização exige formação didática em psicanálise e conhecimentos de medicina psicossomática, antropologia e sociologia. Para o uso clínico faz-se necessário também um treinamento específico associado a um trabalho de supervisão.


Dr. Luiz Gonzaga de Freitas Filho